Financiamentos incertos, contratos não renovados e lentidão no sistema. O semestre letivo começou tenso para milhões de estudantes que dependem do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para cursar o ensino superior. Os problemas registrados com o programa em todo o país deixaram universitários mineiros, a exemplo de alunos de outros estados, apreensivos por não poder prosseguir na faculdade. A um mês e meio do fim das inscrições, faltam informações nas instituições e sobram incertezas. Ontem, o Ministério da Educação (MEC) confirmou mudanças que podem limitar a quantidade de vagas nos próximos semestre.
Aluna do 3º período de relações públicas, Ana Carolina Lucas Oliveira, de 23 anos, está apavorada, pois ainda não conseguiu renovar o contrato, que tem desde o 1º período. Ela tentou várias vezes entrar no sistema, mas sempre esbarra na mensagem de erro. A jovem tem medo de perder o financiamento de 80% do valor da mensalidade. Outro problema é o anúncio do governo de que vai arcar com o teto de 6,4% no aumento da mensalidade. “Quando entrei, a mensalidade era R$ 900 e, agora, está em R$ 1,1 mil, mais que meu salário. Terei que pagar a diferença do meu bolso”, conta.
Se perder o financiamento, ela não vê outra saída que não seja abandonar os estudos, fazer o Enem no meio do ano e tentar o Prouni. “É muita falta de comunicação e de respeito pelo aluno. Não sabemos o que pode acontecer.”
Estudante do 5º período de administração da Faculdade Pitágoras, Camila Lima, que tem 100% de financiamento, conseguiu renovar o contrato depois de muita insistência, mas terá que arcar com uma diferença de mais de R$ 300, por causa do aumento da mensalidade. “A página não carregava. Entrei durante vários dias e até de madrugada. Tentando pelo celular, tive sorte. Na faculdade disseram que o valor disponibilizado pelo MEC não conseguirá suprir todos os alunos, nem quem já tinha o Fies. Todos estão apreensivos”, conta.
Estudante do 5º período de administração também da Faculdade Pitágoras, Matheus Gomes Silva, de 24, tenta financiamento pela primeira vez. Desempregado, pagou a matrícula no início do ano para garantir este semestre, mas está com os boletos em aberto. Tentou por vários dias acesso ao sistema, mas a página nunca carregava. Na faculdade, foi informado de que não há mais vaga e teria que entrar numa fila, por causa de uma redução dos contratos pelo governo. “Minha mãe é cabeleireira, meu pai é aposentado e eu não consigo emprego. Um estágio na área de administração paga entre R$ 800 e R$ 900. Ou vivo ou estudo. Se conseguir pelo menos metade do financiamento, será de grande valia.”
Aluna do 1º período de gestão de recursos humanos da Estácio de Sá, Glaice Lilian Santos, de 19, desistiu do Fies depois de tantos problemas e optou pelo Pravaler, financiamento próprio da faculdade, que tem juros zero. “Preferi essa alternativa a esperar liberação do MEC. Estou bem mais tranquila agora. Moro com meus pais, mas contar com meu salário para pagar a faculdade seria complicado. Preciso desse financiamento”, diz.
GARANTIAS O secretário-executivo do MEC, Luiz Cláudio Costa, garantiu ontem que 1,9 milhão de contratos do Fies em vigor serão renovados e que os valores serão retroativos ao semestre. Os estudantes têm até 30 de abril para aditar contratos. Até ontem, foram renovados 835 mil financiamentos e garantidos os de 180 mil novos estudantes, segundo ele. Ele não dá uma perspectiva de quantas vagas serão oferecidas este ano, diz apenas que haverá um número significativo: “Nunca houve vagas definidas. Fazemos análise da demanda e oferta para definir o total”.
A partir do segundo semestre, no entanto, esse procedimento deve mudar. O MEC usará o mesmo sistema do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e do Prouni. Assim, os interessados saberão quantas vagas estarão disponíveis em cada instituição. A exemplo do que está ocorrendo neste semestre, a prioridade será para os cursos e instituições que tiverem nota máxima (5) nas avaliações de qualidade de ensino superior. Em seguida, serão ofertados para aqueles com notas 4 e 3. “A prioridade é garantir o acesso, mas o programa será ampliado com critério de qualidade”.
Quanto à lentidão no sistema, o secretário diz que, semana que vem, o problema deve ser sanado.
Faculdade também enfrenta problemas
Problemas no Fies estão atingindo instituições de ensino superior, que desde o fim do ano passado não recebem o repasse do governo. A situação começou a se complicar quando a União informou que pagaria às escolas apenas oito das 12 parcelas relativas ao Fies. As quatro restantes serão creditadas depois que o aluno se formar. A primeira mensalidade estava programada para o dia 27, mas também não foi creditada. Além do dinheiro, as instituições estão também sem receber os certificados de crédito que permitem o abatimento dos impostos.
“Elas estão sendo penalizadas duas vezes, porque sem a emissão do certificado não podem pagar tributos. E sem quitá-los, não recebem o depósito na conta. Não está entrando o que foi planejado e está saindo o que não foi planejado”, afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas. “Abrimos uma frente de diálogo com o MEC para equacionar a situação, mas faltam informações claras por parte do governo. Estamos trabalhando no escuro”, diz.
Na Faculdade Fead, professores estão há dois meses sem receber, por causa desse atraso. Na instituição, 65% da receita está comprometida com o Fies. Sem dinheiro em caixa, está no vermelho também com os impostos. “Como não somos de nenhum grande grupo econômico, nossa situação piora. Não conseguimos cumprir compromissos da folha de pagamento e é muito delicado pedir a compreensão dos professores, que também têm contas para pagar”, afirma o diretor-financeiro da faculdade, Rodrigo Brina Gramiscelli.
A instituição recorreu a empréstimo para tentar equacionar as contas e recompor o fluxo de caixa, na esperança de que o dinheiro da União chegue. “Mandamos e-mail ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, responsável pelo Fies) e a resposta é que espera repasse do Tesouro Nacional. É muito complicado.”
O FNDE foi procurado para esclarecer a situação, mas até o fechamento desta edição não havia respondido o e-mail.