O ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, convocou para hoje uma audiência para discutir o ensino religioso nas escolas públicas. Barroso é o relator da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) questiona o ensino confessional nas escolas públicas do país. A PGR pede que a Suprema Corte reconheça o caráter não confessional do ensino, sendo proibida a contratação de professores que atuem como representantes de confissões religiosas.
A ação foi proposta pela então vice-procuradora da República em 2010, Débora Duprat. A tese defendida pelo órgão é a de que a única forma de conciliar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas é por meio da adoção do modelo não confessional.
De acordo com a ADI protocolada no STF, a disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição da história, doutrinas, prática e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas. Segundo Débora, o ensino religioso aponta para a adoção do catolicismo, fato que afronta o princípio constitucional da laicidade.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Frankilin de Leão, elogiou a iniciativa do ministro Roberto Barroso de convocar a audiência e criticou o ensino da religião no Brasil. “A própria nomenclatura é um problema, é preciso retirar a palavra ‘religioso’ do ensino. O fenômeno religioso deve ser estudado, afinal é algo que existe desde o início do mundo, mas pela ótica da Sociologia, Filosofia, História”, afirmou.
A atual condição dos professores na rede pública é outro ponto que preocupa o presidente da CNTE. “Todo trabalhador deve ter seu direito preservado, especialmente aqueles que lecionam disciplinas ligadas à religião. É um absurdo, por exemplo, que o trabalho do profissional seja submetido à apreciação superior de um religioso. Sem sombra de dúvidas, assim, as aulas de religião se tornam proselitismo religioso”, concluiu.
O ensino religioso no Brasil está regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394/96 e pelo Decreto 7.107/2010, acordo assinado entre o Brasil e Vaticano, pelo qual o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, é facultativo em escolas públicas de ensino fundamental.
Segundo levantamento feito pelo portal Qedu a partir de dados do questionário da Prova Brasil 2011, do Ministério da Educação, um em cada dois colégios brasileiros costuma realizar orações ou cânticos religiosos. Apesar de ir contra o que está disposto na LDB, metade dos diretores entrevistados na pesquisa afirmaram que a presença dos alunos nessa disciplina é obrigatória. Por fim, quatro em cinco escolas não oferece atividades alternativas para os estudantes que não querem assistir à aula.
O deputado federal João Campos (PSDB/GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, acredita que o ensino religioso deve existir e ser oferecido por profissionais ligados à religião. “O Estado é laico, mas o povo não. Todos temos nossa fé, por isso é muito difícil encontrar no Brasil alguém que não tenha religião. Creio que quanto mais religioso for o professor, melhor será. Assim ele terá mais propriedade para abordar o tema”, pontuou.
Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL/RJ, questiona a criação de uma disciplina específica para o ensino da religião. “Tenho dúvidas sobre a necessidade disso. Religião, num Estado laico, deve ser estudada junto do seu contexto histórico e sob diferentes pontos de vista”.
Já o representante da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro, Antônio Gomes da Costa Neto, defende a posição das minorias religiosas e sugere um debate mais amplo. “As religiões de matrizes africanas e indígenas devem estar representadas no ensino, hoje isso não acontece. De pouco adianta ensinar a religiosidade e não tratar de temas sensíveis à área, como discriminação, racismo e intolerância”, ponderou.
Barroso convocou para a audiência pública 10 entidades envolvidas com o tema: Confederação Israelita do Brasil; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Convenção Batista Brasileira; Federação Brasileira de Umbanda; Federação Espírita Brasileira; Federação das Associações Muçulmanas do Brasil; Igreja Assembleia de Deus; Liga Humanista Secular do Brasil; Sociedade Budista do Brasil e Testemunhas de Jeová.
O gabinete do ministro recebeu 227 pedidos de inscrições para participação no encontro. Segundo critérios estabelecidos no edital da audiência, foram incluídas mais 21 entidades e órgãos, num total de 31 instituições ligadas ao tema. O evento está marcado para começar a partir das 9h, na sala de sessões da Primeira Turma do Supremo.
O ensino religioso nas escolas públicas e as leis no Brasil
» Primeira fase
Regime jurídico de Estado-religião
Período: de 1500 a 1889
1549 – Seis missionários jesuítas chegam ao Brasil e fundam, em Salvador, o colégio da Companhia de Jesus.
1759 – Os jesuítas são expulsos pelo Marquês de Pombal. O ensino público passa para outros setores da Igreja Católica.
1824 – Passa a vigorar a primeira Constituição do País, que define o catolicismo apostólico romano como religião do Império.
» Segunda fase
Regime jurídico de plena separação Estado-religião
Período: de 1890 a 1930
1890 – O Decreto 119-A proíbe a intervenção federal na religião e consagra a liberdade de cultos.
1891 – A primeira Constituição republicana define a separação entre Estado e quaisquer religiões e define que todas são aceitas no Brasil.
» Terceira fase
Regime jurídico de separação atenuada Estado-religião
Período: de 1931 a 2008
1931 – Decreto de Getúlio Vargas reintroduz o ensino religioso facultativo nas escolas públicas.
1934 – O artigo 153 da Constituição define que o ensino religioso será facultativo e de acordo com a confissão religiosa do aluno.
1946 – Uma nova Constituição é promulgada, mas mantém os moldes da anterior quanto ao ensino religioso.
1961 – A primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/61) propõe no artigo 97 que o ensino religioso constitui disciplina das escolas oficiais, cuja matrícula é facultativa.
1967 – A nova Constituição diz que o ensino religioso facultativo integra disciplina das escolas oficiais de grau primário e médio.
1969 – A Emenda Constitucional 1/1969 mantém a mesma redação da Constituição de 1967.
1971 – A segunda Lei de Diretrizes e Bases (LDB 5.692/71) mantém o ensino religioso facultativo em estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus.
1988 – O artigo 210 da Constituição mantém as mesmas normas anteriores e assegura o livre exercício de cultos religiosos.
1996 – A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) define o ensino religioso como facultativo, mas introduz duas modalidades: confessional e interconfessional.
1997 – O artigo 33 da LDB 9.394/96 estabelece que os sistemas de ensino regulamentarão a definição dos conteúdos do ensino religioso facultativo.
» Quarta fase
Regime concordatório
Período: de 1999 até agora
2009 – O Executivo assina o Acordo Brasil-Santa Sé, pelo qual o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, é facultativo em escolas públicas de ensino fundamental.
A ação foi proposta pela então vice-procuradora da República em 2010, Débora Duprat. A tese defendida pelo órgão é a de que a única forma de conciliar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas é por meio da adoção do modelo não confessional.
De acordo com a ADI protocolada no STF, a disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição da história, doutrinas, prática e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas. Segundo Débora, o ensino religioso aponta para a adoção do catolicismo, fato que afronta o princípio constitucional da laicidade.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Frankilin de Leão, elogiou a iniciativa do ministro Roberto Barroso de convocar a audiência e criticou o ensino da religião no Brasil. “A própria nomenclatura é um problema, é preciso retirar a palavra ‘religioso’ do ensino. O fenômeno religioso deve ser estudado, afinal é algo que existe desde o início do mundo, mas pela ótica da Sociologia, Filosofia, História”, afirmou.
A atual condição dos professores na rede pública é outro ponto que preocupa o presidente da CNTE. “Todo trabalhador deve ter seu direito preservado, especialmente aqueles que lecionam disciplinas ligadas à religião. É um absurdo, por exemplo, que o trabalho do profissional seja submetido à apreciação superior de um religioso. Sem sombra de dúvidas, assim, as aulas de religião se tornam proselitismo religioso”, concluiu.
O ensino religioso no Brasil está regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394/96 e pelo Decreto 7.107/2010, acordo assinado entre o Brasil e Vaticano, pelo qual o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, é facultativo em escolas públicas de ensino fundamental.
Segundo levantamento feito pelo portal Qedu a partir de dados do questionário da Prova Brasil 2011, do Ministério da Educação, um em cada dois colégios brasileiros costuma realizar orações ou cânticos religiosos. Apesar de ir contra o que está disposto na LDB, metade dos diretores entrevistados na pesquisa afirmaram que a presença dos alunos nessa disciplina é obrigatória. Por fim, quatro em cinco escolas não oferece atividades alternativas para os estudantes que não querem assistir à aula.
O deputado federal João Campos (PSDB/GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, acredita que o ensino religioso deve existir e ser oferecido por profissionais ligados à religião. “O Estado é laico, mas o povo não. Todos temos nossa fé, por isso é muito difícil encontrar no Brasil alguém que não tenha religião. Creio que quanto mais religioso for o professor, melhor será. Assim ele terá mais propriedade para abordar o tema”, pontuou.
Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL/RJ, questiona a criação de uma disciplina específica para o ensino da religião. “Tenho dúvidas sobre a necessidade disso. Religião, num Estado laico, deve ser estudada junto do seu contexto histórico e sob diferentes pontos de vista”.
Já o representante da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro, Antônio Gomes da Costa Neto, defende a posição das minorias religiosas e sugere um debate mais amplo. “As religiões de matrizes africanas e indígenas devem estar representadas no ensino, hoje isso não acontece. De pouco adianta ensinar a religiosidade e não tratar de temas sensíveis à área, como discriminação, racismo e intolerância”, ponderou.
Barroso convocou para a audiência pública 10 entidades envolvidas com o tema: Confederação Israelita do Brasil; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Convenção Batista Brasileira; Federação Brasileira de Umbanda; Federação Espírita Brasileira; Federação das Associações Muçulmanas do Brasil; Igreja Assembleia de Deus; Liga Humanista Secular do Brasil; Sociedade Budista do Brasil e Testemunhas de Jeová.
O gabinete do ministro recebeu 227 pedidos de inscrições para participação no encontro. Segundo critérios estabelecidos no edital da audiência, foram incluídas mais 21 entidades e órgãos, num total de 31 instituições ligadas ao tema. O evento está marcado para começar a partir das 9h, na sala de sessões da Primeira Turma do Supremo.
O ensino religioso nas escolas públicas e as leis no Brasil
» Primeira fase
Regime jurídico de Estado-religião
Período: de 1500 a 1889
1549 – Seis missionários jesuítas chegam ao Brasil e fundam, em Salvador, o colégio da Companhia de Jesus.
1759 – Os jesuítas são expulsos pelo Marquês de Pombal. O ensino público passa para outros setores da Igreja Católica.
1824 – Passa a vigorar a primeira Constituição do País, que define o catolicismo apostólico romano como religião do Império.
» Segunda fase
Regime jurídico de plena separação Estado-religião
Período: de 1890 a 1930
1890 – O Decreto 119-A proíbe a intervenção federal na religião e consagra a liberdade de cultos.
1891 – A primeira Constituição republicana define a separação entre Estado e quaisquer religiões e define que todas são aceitas no Brasil.
» Terceira fase
Regime jurídico de separação atenuada Estado-religião
Período: de 1931 a 2008
1931 – Decreto de Getúlio Vargas reintroduz o ensino religioso facultativo nas escolas públicas.
1934 – O artigo 153 da Constituição define que o ensino religioso será facultativo e de acordo com a confissão religiosa do aluno.
1946 – Uma nova Constituição é promulgada, mas mantém os moldes da anterior quanto ao ensino religioso.
1961 – A primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/61) propõe no artigo 97 que o ensino religioso constitui disciplina das escolas oficiais, cuja matrícula é facultativa.
1967 – A nova Constituição diz que o ensino religioso facultativo integra disciplina das escolas oficiais de grau primário e médio.
1969 – A Emenda Constitucional 1/1969 mantém a mesma redação da Constituição de 1967.
1971 – A segunda Lei de Diretrizes e Bases (LDB 5.692/71) mantém o ensino religioso facultativo em estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus.
1988 – O artigo 210 da Constituição mantém as mesmas normas anteriores e assegura o livre exercício de cultos religiosos.
1996 – A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) define o ensino religioso como facultativo, mas introduz duas modalidades: confessional e interconfessional.
1997 – O artigo 33 da LDB 9.394/96 estabelece que os sistemas de ensino regulamentarão a definição dos conteúdos do ensino religioso facultativo.
» Quarta fase
Regime concordatório
Período: de 1999 até agora
2009 – O Executivo assina o Acordo Brasil-Santa Sé, pelo qual o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, é facultativo em escolas públicas de ensino fundamental.