Januária – Às 11h da manhã soa o sinal na Escola Estadual Maria Rosa Nunes, em Barra do Tamboril, zona rural de Januária, Norte de Minas. A aula terminou 15 minutos mais cedo do que o habitual, porque os dois ônibus que transportam alunos não estão circulando. Os problemas com o transporte escolar são apenas um dos obstáculos enfrentados pela escola mineira em pior colocação no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio de 2014 – a 28ª com menor nota do Brasil. Encravada no sertão, a cerca de 100 quilômetros da sede do município, passando pela precária BR-479, cujo asfalto só existe no papel, a principal instituição de ensino para pelo menos oito comunidades rurais sofre com a insuficiência de recursos para a merenda, para a capacitação de professores e para o laboratório de informática, tornando a distância do mundo moderno ainda maior para os 257 alunos atendidos,123 deles no ensino fundamental. O quadro é agravado pela seca do Rio Tamboril e pela pobreza de famílias que não têm o que dar de comer aos filhos. Muitos desses estudantes percorrem uma distância de até 20 quilômetros, a pé ou pegando carona de moto, para chegar à unidade.
A Prefeitura de Januária sustenta que os ônibus escolares deixaram de rodar apenas por dois dias, porque a empresa contratada não fez a vistoria em tempo hábil. Em uma escola com tanta carência, problemas estruturais ocasionam desperdício de recursos. Prova disso é que 12 computadores cedidos pelo governo federal não funcionam, porque o espaço físico tem de ser dividido com a secretaria e a sala dos professores. “Ao sabermos da nota, reunimos a equipe para entender quais os critérios adotados. A notícia foi bem desagradável. Atendemos alunos muito carentes, que não têm condição de ir a Januária fazer dois dias de exame”, contesta o diretor Daniel.
A vice-diretora Hilda Borges diz que há alunos que recorrem à escola como meio de alimentação, que falta em casa. A média de custo da merenda por aluno é de R$ 0,60. O cardápio é à base de arroz, feijão, farofa, carne moída, arroz-doce e leite achocolatado. “Há meses em que o dinheiro da merenda não é suficiente para 15 dias. Às vezes, combinamos com os pais e alunos de trazer frutas de casa, quando sobram, para suprir a merenda”, conta Hilda. Há 15 anos lecionando português, Dilânia Ferreira de Souza confessa ter ficado triste com o desempenho do exame, embora considere ter feito o melhor possível. “A Secretaria (de Estado) da Educação não nos capacita, e a oportunidade é muito pouca. Além disso, a dificuldade de transporte faz com que os alunos que mais precisam não venham às aulas. Isso acaba atrasando o conteúdo de toda a classe”, alerta a professora, que mora em São Joaquim, maior distrito próximo, distante 18 quilômetros.
Aluno do 3º ano do ensino fundamental, Alex da Conceição Santos, de 19 anos, estudava na escola pública do distrito vizinho de Conceição de Rio Pardo. Optou por mudar, porque na outra constantemente faltavam ônibus e professores. Mas a alteração não fez muita diferença na rotina do estudante, cujo sonho é cursar direito em Montes Claros. “Às vezes, falho por causa da gasolina (dividida com o colega Jackson Lopes de Oliveira, que dá carona na garupa de uma moto). Este ano não consegui fazer o Enem, porque não encontrei meu CPF. Se não achar, vou ter que tirar outro”, argumenta. Aluno do 1º ano, Jackson, de 16, ainda não pensa qual carreira seguir, mas critica o desempenho estudantil. “Alguns alunos não têm interesse em se esforçar. Muitos acabam faltando às aulas.”
Para o colega Vinícius Lim Costa de Melo, de 16, o futuro profissional depende do Enem. “Minhas irmãs já fizeram. É importante para fazer a faculdade”, diz ele. Para o estudante, a estrutura da Maria Rosa Nunes está longe do ideal: em sua avaliação, os maiores problemas são a falta de capacitação dos professores e as falhas no transporte.
ESFORÇO Após a divulgação do ranking do Enem, a direção da escola pretende se reunir com pais e alunos para buscar um meio de melhorar o desempenho. Mas o diretor Daniel Uchoa não abre mão da necessidade de um olhar especial para a educação na zona rural. “Se a nota baixa persistir, a responsabilidade maior é da escola”, pondera o diretor. Ao Censo Escolar da Educação Básica de 2014, a Maria Rosa Nunes informou que tem laboratório de informática com 15 computadores (11 de uso para os alunos) e internet – apesar da ausência de espaço físico – e alimentação escolar, abrindo aos fins de semana para a comunidade. Mas ressalta que não conta com quadra de esporte, nem com abastecimento público de água (só há água de um poço).
Uma jornada até a sala de aula
De Januária à Barra do Tamboril o acesso é feito em estrada precária, de terra e cascalho, no sentido Chapada Gaúcha (veja mapa). Para chegar até o vilarejo, a equipe de reportagem teve de percorrer três horas de carro – tempo que pode aumentar em meia hora, se a viagem for feita no ônibus de Rio Pardo, que atende a localidade uma vez por dia. Também foi necessário pedir informação por mais de uma vez. Ao longo de quase 100 quilômetros, não há qualquer placa de sinalização que indique como chegar à localidade. No entroncamento da via de acesso, na BR-479, apenas um pneu fixado no topo de um toco de madeira indica o nome Tamboril, sem especificar que se trata de Barra do Tamboril ou Chapada do Tamboril, outro vilarejo próximo.
A maioria dos alunos da Maria Rosa Nunes vive nas comunidades limítrofes. Para ir à aula, percorrem a distância que separa a escola estadual andando, saindo de casa pelo menos uma hora e meia antes, ou recorrendo a caronas em motos, meio de transporte mais comum, usado pelos professores e por estudantes, embora muitos sequer tenham a carteira de habilitação.
Apesar de todas as dificuldades, a notícia sobre a baixa colocação no Enem pegou de surpresa professores e o corpo gestor, que avaliavam a formação oferecida como suficiente, embora haja alunos que discordem. “A maioria dos alunos tem notas acima da média da avaliação anual da Secretaria de Educação. Alguns que se formaram ano passado passaram em universidades públicas e nos institutos técnicos de Januária”, afirma o diretor da unidade, Daniel Rodrigues Uchoa. Para ele, o Enem não considera a realidade das escolas rurais, o que torna a avaliação desigual e injusta. O diretor aponta a dificuldade de transporte e informação como maiores problemas, e cobra a construção de uma quadra poliesportiva no lugar do atual campinho de terra.
A Prefeitura de Januária sustenta que os ônibus escolares deixaram de rodar apenas por dois dias, porque a empresa contratada não fez a vistoria em tempo hábil. Em uma escola com tanta carência, problemas estruturais ocasionam desperdício de recursos. Prova disso é que 12 computadores cedidos pelo governo federal não funcionam, porque o espaço físico tem de ser dividido com a secretaria e a sala dos professores. “Ao sabermos da nota, reunimos a equipe para entender quais os critérios adotados. A notícia foi bem desagradável. Atendemos alunos muito carentes, que não têm condição de ir a Januária fazer dois dias de exame”, contesta o diretor Daniel.
A vice-diretora Hilda Borges diz que há alunos que recorrem à escola como meio de alimentação, que falta em casa. A média de custo da merenda por aluno é de R$ 0,60. O cardápio é à base de arroz, feijão, farofa, carne moída, arroz-doce e leite achocolatado. “Há meses em que o dinheiro da merenda não é suficiente para 15 dias. Às vezes, combinamos com os pais e alunos de trazer frutas de casa, quando sobram, para suprir a merenda”, conta Hilda. Há 15 anos lecionando português, Dilânia Ferreira de Souza confessa ter ficado triste com o desempenho do exame, embora considere ter feito o melhor possível. “A Secretaria (de Estado) da Educação não nos capacita, e a oportunidade é muito pouca. Além disso, a dificuldade de transporte faz com que os alunos que mais precisam não venham às aulas. Isso acaba atrasando o conteúdo de toda a classe”, alerta a professora, que mora em São Joaquim, maior distrito próximo, distante 18 quilômetros.
Aluno do 3º ano do ensino fundamental, Alex da Conceição Santos, de 19 anos, estudava na escola pública do distrito vizinho de Conceição de Rio Pardo. Optou por mudar, porque na outra constantemente faltavam ônibus e professores. Mas a alteração não fez muita diferença na rotina do estudante, cujo sonho é cursar direito em Montes Claros. “Às vezes, falho por causa da gasolina (dividida com o colega Jackson Lopes de Oliveira, que dá carona na garupa de uma moto). Este ano não consegui fazer o Enem, porque não encontrei meu CPF. Se não achar, vou ter que tirar outro”, argumenta. Aluno do 1º ano, Jackson, de 16, ainda não pensa qual carreira seguir, mas critica o desempenho estudantil. “Alguns alunos não têm interesse em se esforçar. Muitos acabam faltando às aulas.”
Para o colega Vinícius Lim Costa de Melo, de 16, o futuro profissional depende do Enem. “Minhas irmãs já fizeram. É importante para fazer a faculdade”, diz ele. Para o estudante, a estrutura da Maria Rosa Nunes está longe do ideal: em sua avaliação, os maiores problemas são a falta de capacitação dos professores e as falhas no transporte.
ESFORÇO Após a divulgação do ranking do Enem, a direção da escola pretende se reunir com pais e alunos para buscar um meio de melhorar o desempenho. Mas o diretor Daniel Uchoa não abre mão da necessidade de um olhar especial para a educação na zona rural. “Se a nota baixa persistir, a responsabilidade maior é da escola”, pondera o diretor. Ao Censo Escolar da Educação Básica de 2014, a Maria Rosa Nunes informou que tem laboratório de informática com 15 computadores (11 de uso para os alunos) e internet – apesar da ausência de espaço físico – e alimentação escolar, abrindo aos fins de semana para a comunidade. Mas ressalta que não conta com quadra de esporte, nem com abastecimento público de água (só há água de um poço).
Uma jornada até a sala de aula
De Januária à Barra do Tamboril o acesso é feito em estrada precária, de terra e cascalho, no sentido Chapada Gaúcha (veja mapa). Para chegar até o vilarejo, a equipe de reportagem teve de percorrer três horas de carro – tempo que pode aumentar em meia hora, se a viagem for feita no ônibus de Rio Pardo, que atende a localidade uma vez por dia. Também foi necessário pedir informação por mais de uma vez. Ao longo de quase 100 quilômetros, não há qualquer placa de sinalização que indique como chegar à localidade. No entroncamento da via de acesso, na BR-479, apenas um pneu fixado no topo de um toco de madeira indica o nome Tamboril, sem especificar que se trata de Barra do Tamboril ou Chapada do Tamboril, outro vilarejo próximo.
A maioria dos alunos da Maria Rosa Nunes vive nas comunidades limítrofes. Para ir à aula, percorrem a distância que separa a escola estadual andando, saindo de casa pelo menos uma hora e meia antes, ou recorrendo a caronas em motos, meio de transporte mais comum, usado pelos professores e por estudantes, embora muitos sequer tenham a carteira de habilitação.
Contas rejeitadas e espera por verbas
O Ministério da Educação informou que demandas como o laboratório de informática e a construção da quadra da Escola Estadual Maria Rosa Nunes dependem de convênios firmados via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com o município de Januária. Segundo o MEC, não há ajuda de custo em âmbito federal para que alunos façam a prova do Enem fora das localidades onde estudam.
De acordo com o FNDE, cinco computadores foram entregues à unidade em maio de 2010 e instalados em março de 2012. A construção da quadra, informa, se encontra em fase de planejamento e foram repassados R$ 49 mil para a obra (20% do total de R$ 245.206,66). Por causa de problemas na prestação de contas, Januária deixou de receber as duas últimas parcelas do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate), de R$ 104 mil, mas a promessa é que o valor seja liberado até o início de setembro, acrescido de R$ 52 mil. Januária recebeu recursos federais para a compra de três ônibus rurais e dois urbanos em 2012 e para outro veículo urbano em 2013, informa o FNDE. Nenhum deles circula em Barra do Tamboril.
A secretária de Educação de Januária, Valéria Guedes, alega que os professores da escola não participaram das capacitações do município, mesmo tendo sido convidados. “Temos uma escola do município a quase 200 quilômetros de distância da sede e ela está bem avaliada. A distância não justifica o desempenho. Vamos receber em breve 500 bicicletas para os alunos, via programa Caminho da Escola”, afirmou.
A Secretaria de Estado da Educação sustenta que a escola recebeu R$ 8.880 para a merenda desde março e tem indicador de formação docente de 59,3%. O estado diz não ter sido procurado sobre a impossibilidade de alunos participarem do Enem, mas se colocou à disposição para estudar como atendê-los.
“A escola de Januária não é exceção”, ressalta o pesquisador Mário Rodarte, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar). Ele lembra que as dificuldades se repetem em instituições de ensino fundamental e básico nos níveis municipal e estadual e que persiste a diferença de qualidade entre as regiões ricas e as pobres de Minas. Das 3.640 unidades de ensino da rede, 336 estão fora de áreas urbanas.
Cortes de verba e falta de investimento estão na base dos problemas. O orçamento federal previsto para o setor em Minas, este ano, é de R$ 265,6 milhões, mas, até terça-feira, chegaram apenas R$ 92,9 milhões.
Embora mais da metade do ano tenha passado, o governo de Minas executou menos de 50% das verbas estaduais previstas para a educação neste ano. Dos R$ 9 bilhões do orçamento, foram gastos R$ 4,1 bilhões, cerca de 45,57%. (Colaborou Márcia Maria Cruz.)