Eueliton Júnior é professor de cursinhos comunitários em São Paulo, voltados para alunos negros de baixa renda da rede pública.
“A prova do Enem está se distanciando da ideia inicial de ser uma prova interdisciplinar onde você tem a aplicação prática das matérias e está se tornando cada vez mais conteudista e se aproximando de avaliações como as da Fuvest”, afirmou.
Segundo ele, as provas mais difíceis foram as de Química e de Biologia. “No ano passado, a prova de Química já estava complicada. Este ano, foi ainda mais puxada, muito teórica, assim como a de Biologia. Senti falta de questões de ecologia e genética. Usaram muito teoria”, disse.
Para o professor Eueliton, essa mudança metodológica no Enem prejudica especialmente os alunos de escolas públicas. “A maioria dos alunos da rede pública não tem acesso sequer à Química tradicional, quanto mais à Química Orgânica, ainda mais no nível que eles cobraram”.
O biólogo Marcos Morris, coordenador de uma escola privada de Ensino Médio em Brasília, concorda que, comparada aos anos anteriores, a prova de Ciências da Natureza de 2015 exigiu mais teoria e que isso prejudica os alunos da rede pública.
“Nas escolas públicas, infelizmente os alunos não são tão bem preparados por causa de problemas de greve, infraestrutura, etc. Muitas vezes não conseguem nem terminar o conteúdo. Então, se o Enem passa a exigir muito conteúdo isso vai prejudicar esses alunos”, disse.
Segundo ele, os estudantes de escolas privadas com os quais conversou não reclamaram da dificuldade. “Os alunos da rede privada são em geral muito bem preparados e acostumados com avaliações de conteúdo”, opinou.
Mas Morris questiona as consequências da alteração na metodologia. “O Enem veio com o objetivo de facilitar o acesso de todos às universidades. Então, será que esse objetivo será mantido? Essa é a pergunta que estamos fazendo”, disse.
Marcos Morris contou que não sabe até que ponto a mudança na prova foi uma exigência das grandes universidades. “O Enem começou a trazer alunos não tao bem preparados, que entram nas universidades e depois abandonam os cursos.”
Eueliton Júnior observa que a mudança na prova pode desmotivar os alunos da rede pública em participar do exame.
“Você acaba criando uma meritocracia em cima de questões que o aluno de rede pública desconhece. Eles deixam de acertar questões para os quais se prepararam e sabem a resposta por visualizar questões que não fazem parte do mundo deles.”
Para Júnior, as alterações no Enem exigem uma reformulação do ensino público. “É preciso reformular acabando com a questão da aprovação continuada, da progressão automática, acabando o ensino por módulo para ensinar por competências, que é o que acontece nos países desenvolvidos”, finaliza.