Com a entrada em vigor da lei federal de combate ao bullying, escolas terão que notificar as autoridades os casos de intimidações sistemáticas ocorridos no ambiente educacional, cabendo aos estados e municípios produzir relatórios bimestrais sobre essas ocorrências. Entretanto, como a nova legislação não prevê punições, o presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Ermiro Barbini, espera que os conselhos de educação estabeleçam como se dará a adesão das instituições. Ele ainda prevê que uma jurisprudência de punição de estabelecimentos que se omitem em ocorrências possa estimular a adesão. No âmbito estadual, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) criará módulo dentro do Sistema Mineiro de Administração Educacional (Simade) para fazer o registro desses casos pelas escolas. A lei, que vale desde 6 de fevereiro, também abrange clubes recreativos.
A Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte enviou a lei às 180 instituições da rede e fará formação de diretores e gestores a fim de que desenvolvam projetos pedagógicos de combate ao bullying. “Os profissionais precisam de embasamento para notificar os casos, como determinam os artigos 5º e 6º da lei”, afirmou o coordenador do programa Rede pela paz, Cristiano Paulino Leal.
Ele destacou que, desde 2014, quando foi implementado o Plano Municipal de Segurança Escolar, as escolas municipais da capital são orientadas a trabalhar a cultura de paz e o direito à diversidade. Na avaliação do coordenador, ao tratar desses temas, as instituições abordam o bullying. “As escolas querem um clima favorável à aprendizagem do aluno e ao trabalho do corpo docente”, disse Leal, em relação ao engajamento das instituições, uma vez que a lei não prevê punições. Ao fazer as notificações, ele acredita que a secretaria poderá traçar planos de ação, o perfil dos jovens que sofrem e fazem o assédio. “Teremos dados estatísticos para ações mais pontuais e efetivas”, completou.
APELIDOS O artigo 5º prevê que é dever do estabelecimento de ensino assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática. Conforme o artigo 6º, os municípios deverão produzir e publicar relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática para o planejamento das ações.
Se houvesse a lei de combate ao bullying, o publicitário José (nome fictício), que pediu para não ser identificado, teria sofrido menos no período escolar. “Não sei se é porque sou gay ou se pelo fato de eu ter uma irmã três anos mais velha e ter crescido com as referências dela. Fato é que obviamente isso não passava batido pelos colegas machistas e homofóbicos. Passei a infância lidando com apelidos que se referiam tanto a minha orientação sexual quanto à minha cor, inclusive algumas vezes apanhei na saída da escola, sem nenhum motivo aparente”, queixa-se o jovem, que lembra que o bullying é uma ferida aberta com a qual ele ainda tem que lidar na vida adulta.
Para evitar casos como os de José, o Sinep-MG intensificará campanha junto às escolas particulares. Em novembro do ano passado, quando a lei foi aprovada, a entidade enviou uma cartilha com informações para que as instituições façam a prevenção. “A escola é lugar para se ter atitude. O diretor é o responsável por qualquer omissão. A sociedade não vai mais aceitar e a cobrança é maior tanto nas escolas privadas quanto nas públicas”, pontua Barbini. O Sinep orientará as instituições a registrar, em atas, os casos de bullying e todo o acompanhamento. Na avaliação do especialista, a existência da lei e uma jurisprudência de punição das escolas que se omitem em ocorrências de intimidações sistemáticas, vai estimular a adesão das escolas.
DIFERENÇAS A implementação da lei é vista como avanço na avaliação de Walter Ude, professor de psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). No entanto, ele ressalta que o termo bullying – que é de origem inglesa – não pode deixar opaco os diferentes tipos de violência e constrangimento recorrentes no ambiente escolar. “A palavra cria muita confusão. Temos casos de assédio moral, preconceito social, racismo, homofobia e violência física. É preciso entender cada uma dessas violências, que são diferentes. A lei é importante, porque a violência não é mais banalizada”, diz. Na avaliação do especialista, a violência ocorre quando não é possível dialogar sobre as diferenças culturais, raciais, de orientação sexual. “Tanto na escola quanto na família, o diálogo é o melhor caminho”, diz.
A SEE informou que, desde o ano passado, trabalha com o combate ao cyberbullying (os constrangimentos feitos na internet). Para tanto, lançou o Guia participativo de segurança e informação nas escolas estaduais, que trata de bullying e outros assuntos. A secretaria também implementa o Programa de Convivência Democrática no Ambiente Escolar. Um dos objetivos é a prevenção da violência nas escolas, com foco na construção de uma cultura de convivência democrática e no reconhecimento e respeito das identidades e diferenças no ambiente educacional. As escolas também foram orientadas a desenvolver o plano, que ainda prevê a capacitação de gestores e professores, a mediação de conflitos e projetos que discutem a diversidade.