Com a proposta de ser uma bússola para o ensino no país, o Plano Nacional de Educação (PNE) traz 20 metas que precisam ser cumpridas para garantir qualidade na educação na rede pública e privada. Uma das metas mais audaciosas prevê que todos os professores da educação básica tenham formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Com o objetivo de que este ano seja um marco para o setor no Brasil, um dos principais desafios é a formação de quem ensina. Mas ela não se restringe apenas à titulação: deve ser medida a partir da qualificação adequada à área em que o professor deve lecionar. Esse detalhe faz com que as estatísticas, que podem a princípio parecer favoráveis, sejam vistas com preocupação.
Em Minas, em 2013 – último ano com dados disponíveis –, 82,8% do professorado na educação básica tinha ensino superior – percentual acima da média nacional, que é de 74,8%. No entanto, quando se avalia se a capacitação é adequada ao que os profissionais lecionam, os números se distanciam da meta, que é a totalidade dos educadores. Também em 2013, 44,3% dos professores em atuação no ensino fundamental mineiro não tinham formação adequada para a área em que lecionavam. O número ficava ainda menor nos anos finais do ensino médio: apenas 35,1%. Os dados são dos censos escolares, promovidos pelo Ministério da Educação e organizados pelo Observatório do PNE. A coleta de 2015 foi feita, mas os resultados ainda não foram tabulados.
O desafio também se apresenta para Belo Horizonte e para o Brasil como um todo. No ensino fundamental, 32,8% dos docentes dos anos finais no país não tinham a qualificação adequada à disciplina que lecionavam, percentual que passava a 48,3% no ensino médio. A partir deste ano, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) terá que apresentar estudos para aferir a evolução das metas. De acordo com os últimos dados, Minas conta com 565 professores da educação básica ao ensino fundamental que não têm formação superior. Cinquenta e três deles lecionam em Belo Horizonte.
Para a superintendente do programa Todos pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, o Brasil já deveria ter equalizado a questão de formação dos professores. “Ainda é um problema, majoritariamente na educação infantil”, afirma. Para ela, a situação demonstra também a falta de oferta de capacitação, principalmente em regiões mais afastadas dos grandes centros.
TEORIA E PRÁTICA Alejandra lembra que, mesmo em licenciaturas, os professores nem sempre são preparados para enfrentar os desafios da sala de aula. A especialista ressalta que há uma carga teórica sobre educação, mas há lacunas na formação prática. É o velho dilema de educador com muito conteúdo, mas sem nenhum traquejo para repassá-lo aos estudantes. “Faltam disciplinas que ajudem o profissional a fazer boa gestão da sala de aula e conhecimento da disciplina que eles vão lecionar. Isso parece evidente, mas não é o que ocorre. Os professores não têm disciplinas sobre didáticas específicas”, pontua. Para exemplificar, ela ressalta que é bem diferente aprender matemática do que aprender a ensinar matemática.
A especialista vai além, ao apontar o que ainda precisa melhorar. Na formação continuada, quando o professor já exerce a profissão, nem sempre os cursos estão alinhados com os desafios do aprendizado vivenciados no dia a dia. “Não vemos a questão da formação continuada como algo planejado. Vira novamente uma questão de diploma.” Ela defende que haja uma sintonia mais fina entre o que os cursos propõem e os problemas que o professor enfrenta no dia a dia. “Ainda estamos distante do cumprimento da meta. E é importante qualificar o alcance da meta. A ideia é que 100% dos professores da educação básica tenham ensino superior.”
Mudança no quadro
Até o ano passado, cerca de 29 mil professores da rede pública estadual mineira não tinham licenciatura. A Secretaria de Estado da Educação informou que esse número mudou, mas afirma ainda não ser possível informar os dados atualizados, em decorrência das mudanças verificadas com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar 100, que levou à exoneração de milhares de professores que haviam sido efetivados pela legislação. A rede estadual conta com 140 mil educadores, apenas um terço formado por efetivos. “Temos indicativo de que o perfil dos professores agora é bem diferente, são mais bem preparados. Mas ainda não temos esses dados”, afirmou a superintendente de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Educação, Sílvia Andere.
Segundo ela, os professores da rede que querem cursar mestrado e doutorado podem pedir licença com vencimento para se dedicar ao curso. A secretaria mantém convênios com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para a formação de educadores. O estado também oferece bolsas de pós-graduação, com descontos de 50% a 100%. Sílvia destaca ainda o papel do Fórum Permanente de Apoio à Formação de Docente do Estado de Minas Gerais (Forprof), que ajuda na definição das diretrizes pedagógicas para aperfeiçoamento dos profissionais.
Desafios da inclusão
Professora do segundo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Ulisses Guimarães, Patrícia Narduchi Costa, de 28 anos, tem como plano fazer uma pós-graduação em inclusão. “Recebemos muitos alunos com deficiência. Procuro entender melhor o aluno, e uma especialização vai me dar mais segurança para trabalhar com esse público”, avalia. Patrícia entra na sala às 13h e deixa claro para a turma tudo o que será desenvolvido no dia. “Eles são muito novinhos. Por isso sempre converso. Passo tudo no quadro. Como estão em processo de alfabetização, se for preciso uso até desenhos para explicar”, conta.
Na avaliação do diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (SindRede) Wanderson Rocha, o sonho de Patrícia pode esbarrar na falta de incentivo para que o professor possa fazer mestrado ou o doutorado. Segundo ele, quando o profissional é aprovado em um curso de pós-graduação, não há investimento do município para que o professor possa se licenciar para estudar, mantendo o salário. “O professor tem que pedir uma licença sem vencimento, o que faz com que muitos desistam de cursar o mestrado ou doutorado, mesmo tendo sido aprovados. Não temos uma política que facilite a formação”, argumenta.
Secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, Sueli Baliza informou que há um centro, o Formare, que oferta formação continuada para os professores da rede municipal. Até outubro de 2015, foram 52,8 mil participações de profissionais do ensino fundamental e 29,9 mil do ensino infantil. “A qualidade do trabalho feito em sala de aula depende da formação dos professores”, afirma. Este ano, 1,3 mil professores participam do Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). A secretária afirma que a licenciatura é uma exigência para os profissionais que chegam à rede municipal. “O professor é a figura central. Ele é que tem domínio da sala de aula. Como ator principal, precisa ser bem formado.”
Palavra de especialista - Luzia Maria de Jesus Werneck - Professora do ICH/ICBS da PUC Minas
"O Plano Nacional de Educação discute as estratégias para a formação do professor, joga luz sobre as capacidades do indivíduo e com traços fortes sublinha a importância de "aprendizagens" que possibilitem o exercício político da cidadania. Garantir uma formação de excelência para os professores da educação básica é caminhar por uma estrada com inúmeros entroncamentos. Há compromissos presentes no documento que precisam saltar os muros e ganhar vida: valorizar o ofício de ser e tornar-se professor, democratizar o acesso e permanência nos espaços educativos, elevar os padrões de remuneração do docente e superar as desigualdades existentes no território nacional para que o processo seja digno. As ferramentas e instrumentos que podem alavancar e dar leveza e suavidade à formação do professor e aprendizagem dos indivíduos não são produtos somente de algumas metas e inúmeras estratégias, mas de toda uma obra. Educar um país com grau de excelência é levar em conta as particularidades de um coletivo que é diverso. É firmar compromissos, programar parcerias inteligentes e implementar políticas educacionais eficientes e eficazes."
Em Minas, em 2013 – último ano com dados disponíveis –, 82,8% do professorado na educação básica tinha ensino superior – percentual acima da média nacional, que é de 74,8%. No entanto, quando se avalia se a capacitação é adequada ao que os profissionais lecionam, os números se distanciam da meta, que é a totalidade dos educadores. Também em 2013, 44,3% dos professores em atuação no ensino fundamental mineiro não tinham formação adequada para a área em que lecionavam. O número ficava ainda menor nos anos finais do ensino médio: apenas 35,1%. Os dados são dos censos escolares, promovidos pelo Ministério da Educação e organizados pelo Observatório do PNE. A coleta de 2015 foi feita, mas os resultados ainda não foram tabulados.
O desafio também se apresenta para Belo Horizonte e para o Brasil como um todo. No ensino fundamental, 32,8% dos docentes dos anos finais no país não tinham a qualificação adequada à disciplina que lecionavam, percentual que passava a 48,3% no ensino médio. A partir deste ano, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) terá que apresentar estudos para aferir a evolução das metas. De acordo com os últimos dados, Minas conta com 565 professores da educação básica ao ensino fundamental que não têm formação superior. Cinquenta e três deles lecionam em Belo Horizonte.
Para a superintendente do programa Todos pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, o Brasil já deveria ter equalizado a questão de formação dos professores. “Ainda é um problema, majoritariamente na educação infantil”, afirma. Para ela, a situação demonstra também a falta de oferta de capacitação, principalmente em regiões mais afastadas dos grandes centros.
TEORIA E PRÁTICA Alejandra lembra que, mesmo em licenciaturas, os professores nem sempre são preparados para enfrentar os desafios da sala de aula. A especialista ressalta que há uma carga teórica sobre educação, mas há lacunas na formação prática. É o velho dilema de educador com muito conteúdo, mas sem nenhum traquejo para repassá-lo aos estudantes. “Faltam disciplinas que ajudem o profissional a fazer boa gestão da sala de aula e conhecimento da disciplina que eles vão lecionar. Isso parece evidente, mas não é o que ocorre. Os professores não têm disciplinas sobre didáticas específicas”, pontua. Para exemplificar, ela ressalta que é bem diferente aprender matemática do que aprender a ensinar matemática.
A especialista vai além, ao apontar o que ainda precisa melhorar. Na formação continuada, quando o professor já exerce a profissão, nem sempre os cursos estão alinhados com os desafios do aprendizado vivenciados no dia a dia. “Não vemos a questão da formação continuada como algo planejado. Vira novamente uma questão de diploma.” Ela defende que haja uma sintonia mais fina entre o que os cursos propõem e os problemas que o professor enfrenta no dia a dia. “Ainda estamos distante do cumprimento da meta. E é importante qualificar o alcance da meta. A ideia é que 100% dos professores da educação básica tenham ensino superior.”
Mudança no quadro
Até o ano passado, cerca de 29 mil professores da rede pública estadual mineira não tinham licenciatura. A Secretaria de Estado da Educação informou que esse número mudou, mas afirma ainda não ser possível informar os dados atualizados, em decorrência das mudanças verificadas com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar 100, que levou à exoneração de milhares de professores que haviam sido efetivados pela legislação. A rede estadual conta com 140 mil educadores, apenas um terço formado por efetivos. “Temos indicativo de que o perfil dos professores agora é bem diferente, são mais bem preparados. Mas ainda não temos esses dados”, afirmou a superintendente de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Educação, Sílvia Andere.
Segundo ela, os professores da rede que querem cursar mestrado e doutorado podem pedir licença com vencimento para se dedicar ao curso. A secretaria mantém convênios com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para a formação de educadores. O estado também oferece bolsas de pós-graduação, com descontos de 50% a 100%. Sílvia destaca ainda o papel do Fórum Permanente de Apoio à Formação de Docente do Estado de Minas Gerais (Forprof), que ajuda na definição das diretrizes pedagógicas para aperfeiçoamento dos profissionais.
Desafios da inclusão
Professora do segundo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Ulisses Guimarães, Patrícia Narduchi Costa, de 28 anos, tem como plano fazer uma pós-graduação em inclusão. “Recebemos muitos alunos com deficiência. Procuro entender melhor o aluno, e uma especialização vai me dar mais segurança para trabalhar com esse público”, avalia. Patrícia entra na sala às 13h e deixa claro para a turma tudo o que será desenvolvido no dia. “Eles são muito novinhos. Por isso sempre converso. Passo tudo no quadro. Como estão em processo de alfabetização, se for preciso uso até desenhos para explicar”, conta.
Na avaliação do diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (SindRede) Wanderson Rocha, o sonho de Patrícia pode esbarrar na falta de incentivo para que o professor possa fazer mestrado ou o doutorado. Segundo ele, quando o profissional é aprovado em um curso de pós-graduação, não há investimento do município para que o professor possa se licenciar para estudar, mantendo o salário. “O professor tem que pedir uma licença sem vencimento, o que faz com que muitos desistam de cursar o mestrado ou doutorado, mesmo tendo sido aprovados. Não temos uma política que facilite a formação”, argumenta.
Secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, Sueli Baliza informou que há um centro, o Formare, que oferta formação continuada para os professores da rede municipal. Até outubro de 2015, foram 52,8 mil participações de profissionais do ensino fundamental e 29,9 mil do ensino infantil. “A qualidade do trabalho feito em sala de aula depende da formação dos professores”, afirma. Este ano, 1,3 mil professores participam do Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). A secretária afirma que a licenciatura é uma exigência para os profissionais que chegam à rede municipal. “O professor é a figura central. Ele é que tem domínio da sala de aula. Como ator principal, precisa ser bem formado.”
Palavra de especialista - Luzia Maria de Jesus Werneck - Professora do ICH/ICBS da PUC Minas
"O Plano Nacional de Educação discute as estratégias para a formação do professor, joga luz sobre as capacidades do indivíduo e com traços fortes sublinha a importância de "aprendizagens" que possibilitem o exercício político da cidadania. Garantir uma formação de excelência para os professores da educação básica é caminhar por uma estrada com inúmeros entroncamentos. Há compromissos presentes no documento que precisam saltar os muros e ganhar vida: valorizar o ofício de ser e tornar-se professor, democratizar o acesso e permanência nos espaços educativos, elevar os padrões de remuneração do docente e superar as desigualdades existentes no território nacional para que o processo seja digno. As ferramentas e instrumentos que podem alavancar e dar leveza e suavidade à formação do professor e aprendizagem dos indivíduos não são produtos somente de algumas metas e inúmeras estratégias, mas de toda uma obra. Educar um país com grau de excelência é levar em conta as particularidades de um coletivo que é diverso. É firmar compromissos, programar parcerias inteligentes e implementar políticas educacionais eficientes e eficazes."