Quem decidiu encarar a crise no financiamento público para cursos superiores teve de buscar alternativas. Estudante do 4º período de ciências contábeis do Centro Universitário UNA, Rodrigo da Silva Santos, de 25 anos, se encantou pela área, que escolheu depois de começar a trabalhar no departamento pessoal de uma empresa. Ele fez o vestibular no meio do ano passado, em plena crise do Fies. Conta que, diante dos problemas, nem se inscreveu no programa do governo federal. Indo na contramão de muitos que desistiram, para não adiar o sonho de se formar no ensino superior ele optou pelo financiamento oferecido pela própria instituição, no qual o aluno paga metade das mensalidades enquanto estuda e a outra depois de se formar, sem juros. “Não fosse assim, não poderia estudar. O curso vai agregar mais conhecimentos em outras áreas também e, futuramente, pretendo fazer uma pós”, diz.
MENOS PROFESSORES Os cursos de bacharelado ainda predominam na educação superior brasileira e registraram o maior crescimento no número de matrículas entre 2014 e 2015 (3,9%). Os cursos de licenciatura, que formam professores, tiveram discreto crescimento, de 0,4%, ao passo que as graduações tecnológicas caíram 1,9% no mesmo período. As carreiras do bacharelado correspondem a 68,7% do total de matrículas; aquelas para formação de educadores respondem por 18,3%, e as tecnológicas, por 12,6%. A maioria dos alunos da licenciatura (58,8%) está em instituições privadas.
Nas instituições de Minas, 174.570 universitários ingressaram no bacharelado e somente 19.440 escolheram a licenciatura. Entre as 3.331 graduações oferecidas em universidades, centros universitários e faculdades mineiras, 431 são de administração, carreira preferida dos estudantes no estado. Além de ter o maior número de cursos, administração teve também o maior número de matrículas (113.522).
No país, entre as graduações para formação de professores, pedagogia está no topo, com 44,3% das matrículas. Com uma quantidade bem menor de alunos, educação física vem em segundo lugar, com 10,2%, seguida pelos estudantes interessados em dar aulas de história (6%). Entre os 20 cursos listados pelo censo, o de formação para lecionar nas séries finais do ensino fundamental está em último lugar, com apenas 0,2% das matrículas em 2015.
Esse desinteresse tem consequências desastrosas nas próprias salas de aula. A educadora Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC Rio, diz que o resultado já se vê hoje. “Faltam 150 mil professores em disciplinas como química, biologia, física e matemática. No total, estima-se que haja carência de 300 mil a 400 mil professores nas salas de aula. A solução é recorrer a profissionais sem a devida formação. O efeito disso para a educação básica é o pior possível, e a comprovação aparece nos resultados de cada exame – como no Ideb 2015 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), em que a nota do ensino médio brasileiro foi de 3,7 (em um total de 10)”, afirma.
FINANCIAMENTO O número de contratos firmados pelo Fies caiu de 713 mil vagas em 2014 para 287 mil no ano passado. Além disso, as entidades privadas de ensino estão há meses sem receber os recursos do programa federal. O ministro da Educação, Mendonça Filho, se manifestou ontem sobre os problemas, durante evento no Ministério da Educação. “Quero tranquilizar os jovens que dependem do Fies para financiar seus estudos, dizendo que não haverá nenhum prejuízo quanto à renovação ou à contratação de novos financiamentos de acordo com o cronograma estabelecido”, disse. Ele acrescentou que serão honrados retroativamente todos os contratos, assim como as renovações.
Três perguntas para...Andrea Ramal, educadora e doutora em educação pela PUC Rio
1 - A que se deve a queda de 0,5% nas matrículas da rede pública e de 6,1% de calouros na graduação?
A redução no número de ingressantes pode ser atribuída aos efeitos da crise econômica e, em particular, à incerteza sobre as políticas de financiamento – sobretudo o Fies. O aumento repentino de matrículas, incentivado por esse apoio governamental, foi freado quando os candidatos começaram a perceber que talvez não tivessem condições de arcar com quatro ou mais anos de estudos. Já a redução das matrículas nas instituições públicas é pequena e não necessariamente indica uma tendência; mas pode ser resultado da insegurança dos estudantes, tanto no que se refere à dinâmica (houve muitas paralisações de professores e funcionários nos últimos anos) quanto às próprias condições de cursar – as universidades públicas são, em muitos casos, mais exigentes do que muitas particulares “de segunda linha”.
2 - Qual o impacto na educação básica do desinteresse dos alunos pela licenciatura?
Esse tipo de formação interessa cada vez menos porque, no país, a carreira docente não é mais atraente. O magistério está se tornando uma carreira de “passagem”: o profissional fica até conseguir um cargo mais bem remunerado e provavelmente menos desgastante. Prova disso é que 25% dos docentes brasileiros têm menos de 30 anos e apenas 12% estão acima de 50, bem diferente do que ocorre em outros países. Aqui, o professor ingressa no magistério ainda jovem, mas em poucos anos deixa de ver perspectivas.
3 - Pode-se falar numa desaceleração da educação superior?
Ainda não há indicadores suficientes para mostrar uma tendência de desaceleração das matrículas no ensino superior, mas, se o cenário se mantiver, isso de fato ocorrerá.
Ifets fora do ranking
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informou ontem que vai divulgar “tão logo seja possível” os resultados do desempenho dos institutos federais de Educação Tecnológica (Ifets) no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2015. Segundo o Inep, houve um “equívoco na interpretação da legislação por parte da equipe técnica, que fez os cálculos para a divulgação dos resultados do Enem 2015 por escola”. Por isso, sustenta o Inep, os Ifets não foram incluídos.