Levantamento divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) escancara uma realidade que assola milhões de brasileiros: a dificuldade de acesso à escola de uma parcela da população que está apenas dando os primeiros passos na vida. Mesmo sendo direito de todos e dever do Estado, como determina a Constituição, para os pequeninos a regra está apenas no papel. São 7,6 milhões de crianças de até 4 anos fora da sala de aula. Isso representa 73,7% da população total nessa faixa etária. A situação se repete em Minas, que tem quase três quartos das crianças dessa faixa longe da educação formal. Há aquelas que estão em casa por opção dos pais, mas mais da metade sofre com a falta de vaga em escolas públicas e creches.
Os dados são do suplemento “Cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade”, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, feita em parceria com o então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Segundo os dados, Minas Gerais tem 733 mil meninos e meninas nessa faixa etária fora da sala de aula, o que representa 73,6% do total (995 mil crianças). E se destaca como o segundo estado do país com o maior número de pequenos sem acesso à educação formal, atrás apenas de São Paulo (1,2 milhão).
O recorte é inédito e tem o objetivo de abastecer o poder público com informações para o desenho e a implantação de políticas de desenvolvimento social mais efetivas na área. A Pnad já coletava informações sobre crianças, mas voltadas para os aspectos do trabalho infantil (5 a 9 anos de idade) e da frequência à escola ou creche (acima de 4 anos).
O suplemento, pela primeira vez, investigou crianças sob uma perspectiva diferente, concentrando-se naquelas com menos de 4 anos e indo além da frequência à escola ou creche para identificar questões relacionadas aos seguintes aspectos: em que local e com quem a criança fica durante o dia (períodos da manhã e da tarde); redes de proteção e cuidados dessas crianças (familiares e instituições comunitárias, públicas e mistas); se há diferenças na organização dos cuidados, conforme a idade da criança e do responsável; se há diferenças na organização dos cuidados, conforme a inclusão do responsável pela criança no mercado de trabalho; e interesse das famílias por vaga em creche ou escola para as crianças dessa faixa etária, além das dificuldades encontradas para acessar esses serviços.
A Pnad estimou em cerca de 10,3 milhões o contingente de crianças de menos de 4 anos no Brasil, o que representava 5,1% da população residente em 2015. Em Minas, 13% dos domicílios têm um morador nessa faixa de idade. O levantamento aponta que, no estado, 60% dos responsáveis pelo total de pequenos fora da escola tinham interesse em conseguir uma vaga em estabelecimentos de ensino. Desses, pouco mais da metade (51,2%) havia tomado alguma atitude para efetivar a matrícula. O percentual de mineiros ficou acima da proporção nacional – 43,2% dos brasileiros interessados em vagas em creches ou escolas adotaram alguma ação em busca de matricular as crianças.
Quem tentou matricular os filhos usou diversos artifícios: contato com creche, prefeitura ou secretaria para informações sobre existência de vagas, inscrição em fila de espera, contato com parentes, conhecidos ou amigos que poderiam ajudar a conseguir um lugar ou até ação judicial para conseguir vaga compulsória.
ATITUDE Em busca de solução para a demanda, a auxiliar administrativa Camila Eduarda Damasceno Campos, de 31 anos, acabou por tomar uma atitude radical. Há um ano, precisando trabalhar, a moradora do Bairro Nova Cintra, na Região Oeste de Belo Horizonte, procurou uma Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) para matricular a filha Laura, de 2. Como não foi contemplada com vaga no sorteio, a solução foi levar a menina para morar com o pai, com quem ela mantém relacionamento, em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH, e deixá-la aos cuidados da sogra. “Vejo minha filha toda quarta-feira e ela fica em minha casa de sexta a domingo. Fico com o coração na mão, mas foi a única solução que encontrei”, diz.
O ensino é obrigatório para crianças a partir de 4 anos de idade. De acordo com o Plano Nacional de Educação, as prefeituras, responsáveis pela educação infantil e ensino fundamental, tinham até o fim do ano passado para universalizar o acesso para estudantes de 4 e 5 anos. Em Belo Horizonte, quase 20 mil crianças estão à espera de uma vaga nas Umeis. No início do ano letivo, o prefeito Alexandre Kalil criou 1.296 vagas para a faixa até 3 anos.
Com base na Constituição Federal de 1988, que garante o direito de acesso à escola a todos os cidadãos brasileiros, a Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece que, até 2024, 50% das crianças de até 3 anos devem ter acesso a creches e escolas. Diretora-executiva da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação em Minas Gerais (Undime/MG), Suely Duque Rodarte explica que a situação é complexa em relação a essa faixa etária. “Não é só arrumar uma sala de aula e lotar de carteira. Precisamos de uma estrutura e de espaços muito mais adequados e, por isso, às vezes custa muito mais caro”, diz. Ela afirma que é necessária ainda a formação diferenciada dos profissionais que trabalham com esse público. “O atendimento envolve cuidar e educar. Senão, continuaremos a ter assistencialismo.”
Segundo ela, outro problema é que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o ensino fundamental é atribuição das prefeituras. “Em matéria de arrecadação, quem menos tem é a administração municipal e a ela é dada a maior parte das atribuições. As crianças têm que ser atendidas, mas vesivemos um momento socioeconômico e de impacto econômico diferenciado. As mulheres saem para trabalhar e contribuem com a renda da família e não têm com quem deixar os filhos. Essa corresponsabilidade dos entes federados tem que ser aprimorada”, ressalta. “Precisamos fazer valer o regime de colaboração previsto em lei e os direitos sociais das famílias. Mas, sem essa colaboração não chegaremos a lugar algum e continuaremos com esses índices altíssimos, não tendo como atribuir a responsabilidade a ninguém especíificamente.”
A Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou, por meio de nota, que ajuda os municípios na organização e ampliação de suas redes de ensino para atendimento da educação infantil, para o planejamento e desenvolvimento das ações dessa etapa escolar, por meio da Diretoria de Apoio à Educação Infantil, em conformidade com o PNE. Foram feitas capacitações e encontros com coordenadores regionais de ensino da educação infantil das 47 superintendências regionais para atuar junto às secretarias municipais de Educação.
Outra frente de atuação é a formação de profissionais da educação infantil por meio da oferta do curso normal em nível médio, de acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, que foram implantadas em 2010 pelo Ministério da Educação (MEC). Na grade, estão disciplinas que abordam noções básicas de alimentação e nutrição infantil, jogos, brinquedos e brincadeiras, literatura infantil, fundamentação em língua brasileira de sinais (Libras) e em arte-educação na primeira infância.
Os dados são do suplemento “Cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade”, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, feita em parceria com o então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Segundo os dados, Minas Gerais tem 733 mil meninos e meninas nessa faixa etária fora da sala de aula, o que representa 73,6% do total (995 mil crianças). E se destaca como o segundo estado do país com o maior número de pequenos sem acesso à educação formal, atrás apenas de São Paulo (1,2 milhão).
O recorte é inédito e tem o objetivo de abastecer o poder público com informações para o desenho e a implantação de políticas de desenvolvimento social mais efetivas na área. A Pnad já coletava informações sobre crianças, mas voltadas para os aspectos do trabalho infantil (5 a 9 anos de idade) e da frequência à escola ou creche (acima de 4 anos).
O suplemento, pela primeira vez, investigou crianças sob uma perspectiva diferente, concentrando-se naquelas com menos de 4 anos e indo além da frequência à escola ou creche para identificar questões relacionadas aos seguintes aspectos: em que local e com quem a criança fica durante o dia (períodos da manhã e da tarde); redes de proteção e cuidados dessas crianças (familiares e instituições comunitárias, públicas e mistas); se há diferenças na organização dos cuidados, conforme a idade da criança e do responsável; se há diferenças na organização dos cuidados, conforme a inclusão do responsável pela criança no mercado de trabalho; e interesse das famílias por vaga em creche ou escola para as crianças dessa faixa etária, além das dificuldades encontradas para acessar esses serviços.
A Pnad estimou em cerca de 10,3 milhões o contingente de crianças de menos de 4 anos no Brasil, o que representava 5,1% da população residente em 2015. Em Minas, 13% dos domicílios têm um morador nessa faixa de idade. O levantamento aponta que, no estado, 60% dos responsáveis pelo total de pequenos fora da escola tinham interesse em conseguir uma vaga em estabelecimentos de ensino. Desses, pouco mais da metade (51,2%) havia tomado alguma atitude para efetivar a matrícula. O percentual de mineiros ficou acima da proporção nacional – 43,2% dos brasileiros interessados em vagas em creches ou escolas adotaram alguma ação em busca de matricular as crianças.
Quem tentou matricular os filhos usou diversos artifícios: contato com creche, prefeitura ou secretaria para informações sobre existência de vagas, inscrição em fila de espera, contato com parentes, conhecidos ou amigos que poderiam ajudar a conseguir um lugar ou até ação judicial para conseguir vaga compulsória.
ATITUDE Em busca de solução para a demanda, a auxiliar administrativa Camila Eduarda Damasceno Campos, de 31 anos, acabou por tomar uma atitude radical. Há um ano, precisando trabalhar, a moradora do Bairro Nova Cintra, na Região Oeste de Belo Horizonte, procurou uma Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) para matricular a filha Laura, de 2. Como não foi contemplada com vaga no sorteio, a solução foi levar a menina para morar com o pai, com quem ela mantém relacionamento, em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH, e deixá-la aos cuidados da sogra. “Vejo minha filha toda quarta-feira e ela fica em minha casa de sexta a domingo. Fico com o coração na mão, mas foi a única solução que encontrei”, diz.
O ensino é obrigatório para crianças a partir de 4 anos de idade. De acordo com o Plano Nacional de Educação, as prefeituras, responsáveis pela educação infantil e ensino fundamental, tinham até o fim do ano passado para universalizar o acesso para estudantes de 4 e 5 anos. Em Belo Horizonte, quase 20 mil crianças estão à espera de uma vaga nas Umeis. No início do ano letivo, o prefeito Alexandre Kalil criou 1.296 vagas para a faixa até 3 anos.
Custos e capacitação viram desafio
Com base na Constituição Federal de 1988, que garante o direito de acesso à escola a todos os cidadãos brasileiros, a Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece que, até 2024, 50% das crianças de até 3 anos devem ter acesso a creches e escolas. Diretora-executiva da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação em Minas Gerais (Undime/MG), Suely Duque Rodarte explica que a situação é complexa em relação a essa faixa etária. “Não é só arrumar uma sala de aula e lotar de carteira. Precisamos de uma estrutura e de espaços muito mais adequados e, por isso, às vezes custa muito mais caro”, diz. Ela afirma que é necessária ainda a formação diferenciada dos profissionais que trabalham com esse público. “O atendimento envolve cuidar e educar. Senão, continuaremos a ter assistencialismo.”
Segundo ela, outro problema é que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o ensino fundamental é atribuição das prefeituras. “Em matéria de arrecadação, quem menos tem é a administração municipal e a ela é dada a maior parte das atribuições. As crianças têm que ser atendidas, mas vesivemos um momento socioeconômico e de impacto econômico diferenciado. As mulheres saem para trabalhar e contribuem com a renda da família e não têm com quem deixar os filhos. Essa corresponsabilidade dos entes federados tem que ser aprimorada”, ressalta. “Precisamos fazer valer o regime de colaboração previsto em lei e os direitos sociais das famílias. Mas, sem essa colaboração não chegaremos a lugar algum e continuaremos com esses índices altíssimos, não tendo como atribuir a responsabilidade a ninguém especíificamente.”
A Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou, por meio de nota, que ajuda os municípios na organização e ampliação de suas redes de ensino para atendimento da educação infantil, para o planejamento e desenvolvimento das ações dessa etapa escolar, por meio da Diretoria de Apoio à Educação Infantil, em conformidade com o PNE. Foram feitas capacitações e encontros com coordenadores regionais de ensino da educação infantil das 47 superintendências regionais para atuar junto às secretarias municipais de Educação.
Outra frente de atuação é a formação de profissionais da educação infantil por meio da oferta do curso normal em nível médio, de acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, que foram implantadas em 2010 pelo Ministério da Educação (MEC). Na grade, estão disciplinas que abordam noções básicas de alimentação e nutrição infantil, jogos, brinquedos e brincadeiras, literatura infantil, fundamentação em língua brasileira de sinais (Libras) e em arte-educação na primeira infância.