Defasagens que começam a se acumular nos primeiros anos de vida escolar e culminam numa situação alarmante no fim do ensino médio. O resultado dessa equação são quase 2,5 milhões de crianças e jovens no país, a maioria deles adolescentes, fora da escola. Os dados são do movimento Todos pela Educação (TPE) e dizem respeito ao acesso de brasileiros de 4 a 17 anos à escola e à conclusão da educação básica por jovens com idade até 19 anos.
O Todos pela Educação, fundado em 2006, definiu cinco metas para que até 2022, ano do bicentenário da independência do país, o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à educação de qualidade. Os dados que estão sendo divulgados hoje são do acompanhamento das metas 1 (toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola) e 4 (todo jovem com ensino médio concluído até os 19 anos). O levantamento tem como base os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 2015.
A taxa de atendimento de crianças e jovens entre 4 e 17 anos aumentou 4,7 pontos percentuais desde 2005, atingindo 94,2% em 2015, mas de forma ainda insuficiente para alcançar a Meta 1 para esse ano, que era de 96,3%, e tampouco a universalização determinada para ser atingida até 2016. O crescimento na taxa de atendimento foi puxado, especialmente, por um salto no percentual de crianças de 4 e 5 anos matriculadas, que saiu de 72,5% para 90,5% no período. Já o índice de meninos de 6 a 14 anos na escola ficou em 98,5% em 2015, crescimento de apenas 1,8 ponto percentual desde 2005 – embora seja tida como universalizada no Brasil, ainda há 430 mil crianças e jovens dessa faixa etária fora da sala de aula.
META Minas Gerais também ficou abaixo da meta (96,2%), com 94,5% de crianças e adolescentes dentro do sistema de ensino e aprendizagem. De acordo com o levantamento do TPE, entre as unidades da federação, aquelas que têm as maiores populações de 4 a 17 anos fora da escola são também as mais populosas: São Paulo (338.519), Minas (226.981) e Bahia (211.379). Do total de mineiros que não estão matriculados, 66,2% têm entre 15 e 17 anos e 17,8% entre 4 e 5 anos. Já o número de meninos de 4 e 5 anos sem matrícula saiu de 192.425 em 2015 para 40.565, fazendo Minas pular do segundo para o quarto lugar entre os estados com o maior número de crianças longe dos bancos da escola.
Quando verificada a situação da meninada de 6 a 14 anos, faixa para a qual o acesso ao colégio é tido como universalizado, os estados mais populosos invertem posições. Minas ocupa a terceira posição no país, 36.075 crianças e adolescentes fora da escola, atrás de Bahia (47.130) e São Paulo (46.837). No ensino médio, as disparidades aumentam. Minas tem a maior taxa de abandono registrada na Região Sudeste, com 6,7%, pouco abaixo da média nacional, de 6,8. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) foi procurada, mas como não recebeu os dados, não pôde comentar o levantamento.
De acordo com o TPE, tal quadro impacta diretamente no fluxo escolar, retardando a conclusão da educação básica por parte dos alunos que enfrentam dificuldades de aprendizagem e, consequentemente, o cumprimento da meta 4 do movimento, cujo conteúdo estabelece que, até 2022, 95% ou mais dos jovens brasileiros de 16 anos deverão ter completado o ensino fundamental, e 90% ou mais dos jovens brasileiros de 19 anos deverão ter completado o ensino médio. Apesar de o Brasil estar muito distante das metas parciais estabelecidas pelo Todos pela Educação, o fluxo escolar do sistema nacional de ensino vem melhorando desde 2005. Naquele ano, apenas 58,9% concluíam o ensino fundamental aos 16 anos e somente 41,4% terminavam o ensino médio aos 19. Em 2015, essas taxas saltaram para 76% e 58,5%, respectivamente – aumentos de 17,1 pontos percentuais.
Qualidade é ruim, diz especialista
O gerente-geral do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, ressalta que o país está muito distante das metas, não tendo havido avanços relevantes em nenhum dos estados. Segundo ele, os dados mostram duas realidades. “A primeira é que precisamos ter cautela com uma percepção que parece estar fortemente presente no debate educacional, de que o Brasil já cumpriu uma etapa do desafio da universalização. Ainda não conseguimos vencer essa etapa. Houve avanços importantes na garantia de acesso nos últimos anos, mas, ao mesmo tempo, ainda que do ponto de vista percentual os números sejam pequenos, em números absolutos, falamos de um quantitativo significativo”, afirma.
A segunda diz respeito aos avanços. “Os dados reforçam que, se duas décadas atrás, o acesso tinha a ver com a oferta de vagas, hoje esse problema é diferente. A não conclusão da universalização enfrenta hoje um problema chamado qualidade. Não conseguir incluir alunos do fundamental no ensino médio se relaciona à qualidade ruim da oferta”, destaca. Segundo Olavo Nogueira Filho, o número tão alto de estudantes longe da sala de aula, principalmente no ensino médio, se resume a três pontos.
Um deles é o cenário de repetências múltiplas. O gerente-geral lembra que pesquisas mostram que políticas de reprovação do aluno não só não surtem efeito na melhoria do aprendizado, como contribuem para a evasão escolar.
Outro ponto que explica a evasão é a falta de interesse do jovem pelo modelo em vigor e, assim, o que está sendo oferecido não faz sentido nem conversa com seu projeto de vida, o levando ao mercado de trabalho antecipadamente. O terceiro é a busca por trabalho, caso do adolescente Matheus Fernando André de Jesus, de 17, morador do Bairro Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Ele parou de estudar aos 14 anos, quando estava no quinto ano do fundamental. A exemplo de outros tantos brasileiros, ele interrompeu os estudos para, inicialmente, vender picolé. Depois, passou para outro ofício, o de lavador de carros, e é assim que ajuda a família. “Gostaria muito de continuar a estudar, mas tenho que correr atrás do dinheiro”, afirma o jovem. E qual profissão seria? Sem titubear, ele responde. “O que der dinheiro”.