Jornal Estado de Minas

A exemplo das universidades, corte de verbas ameaça funcionamento das escolas federais

- Foto: Uma crise financeira que não tem escolhido porte nem região geográfica. Na rede federal de ensino, ela é geral. No mesmo barco à deriva em que se encontram as universidades públicas, condenadas à bancarrota pelos cortes e bloqueios de verbas previstas para este ano, em Minas Gerais, agonizam também as instituições de educação tecnológica, responsáveis pelo ensino médio, técnico e superior. À espera de pelo menos R$ 30 milhões pendentes nos cofres da União e com o caixa esvaziando, elas correm o risco de ter de fechar as portas a partir do mês que vem.

 

São pelo menos R$ 150 milhões previstos em orçamento, aprovados na Lei Orçamentária Anual (LOA) e um quinto desse valor (R$ 30,5 milhões) contingenciado, ou seja, aprovado, mas não liberado pelo Congresso. No Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), o desafio é analisar prioridades e definir o que mais será cortado. Em meio à tensão, há apenas uma certeza: a verba recebida até o momento do governo federal é suficiente somente para este mês, segundo o pró-reitor de Administração substituto, Lucas Borges Kappel. “As 10 unidades do IFTM estão sofrendo do mesmo corte de recursos e se o caso não for resolvido corremos o risco de paralisar nossas atividades a partir do mês que vem. Nem mesmo as bolsas estão garantidas, uma vez que a instituição precisará tomar medidas emergenciais para tentar continuar em funcionamento”, afirma.

Com um orçamento na LOA da ordem de R$ 25 milhões para as 10 unidades espalhadas pela região do Triângulo, tem cerca de R$ 7 milhões, quase um terço do total, contingenciado.
A ordem na instituição é reduzir, da emissão de papel às bolsas de pesquisa e assistência estudantil.

“Não podemos abrir edital para chamada de projetos, pois não sabemos se haverá dinheiro para financiar. Esperamos que se resolva. De vez em quando, recebemos informações de maneira informal de que o recurso virá, mas nunca veio”, diz Kappel. “Temos um orçamento, ele foi aprovado pelo Congresso, sancionado pelo presidente e cortam do que foi aprovado. Ficamos de mãos atadas, sem conseguir planejar o mês que vem.”

Com um corte de aproximadamente 30% do limite para despesas, o instituto não tem recursos suficientes para cumprir com as obrigações, nem sequer com as mais elementares, como energia, água, limpeza e vigilância. Insumos básicos, como materiais de higiene e limpeza estão comprometidos. “Em meados de julho, o governo liberou um dinheiro e alardeou para todos.
Deu para um mês, para fechar agosto”, afirma o pró-reitor. Entre os diretores da unidade a decisão é unânime: se não chegar recurso, fecharão a instituição, pois consideram não haver condições mínimas de atendimento. “Estamos falando da área de educação. É para nosso jovem encontrar mercado de trabalho que o abrace, se formar enquanto pessoa e ser um cidadão melhor. Não estamos falando de algo que podemos desprezar, mas do futuro. E estão desprezando esse futuro.”

Manter a oferta de materiais de consumo essenciais para as disciplinas é um dos desafios das instituições de ensino tecnológico - Foto: Leandro Couri/EM/DA PressCEFET Uma das mais tradicionais escolas técnicas do país, o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) aposta fechar o ano no aperto, mas, se os contingenciamentos se mantiverem, a situação pode ser de arrocho. O diretor-geral, Flávio Santos, diz que com o cenário atual é possível segurar até outubro, com a capacidade de execução no limite, mas com a instituição funcionando. Segundo ele, os recursos estão assegurados até dezembro, mas o dinheiro para pagar contratos de terceirização (limpeza e vigilância), água, luz, telefone e outros itens pesados no orçamento, só tem fôlego para mais dois meses.
Somente limpeza e vigilância são responsáveis por cerca de 60% do orçamento.

Ele lembra que desde 2015 o orçamento entrou em rota de redução, obrigando as instituições a fazerem ajustes. Santos destaca que, pelo fato de boa parte do orçamento ser engessado pelos contratos de terceirização, água e energia elétrica, é pouca a margem para redução. “Tem hora que não tem mais como diminuir”, ressalta. Ano passado, o Cefet cortou pessoal de limpeza e vigilância. Precarizou os serviços, mas conseguiu entrar em 2017, praticamente sem déficit e pagar as contas de 2016, em 2016. Para este ano, a ordem é fazer uma microgestão e pesar os gastos na balança.

LABORATÓRIOS EM RISCO Do orçamento total de R$ 64,3 milhões aprovado pela LOA, o Cefet espera receber ainda cerca de R$ 12,2 milhões, sendo R$ 5,2 milhões da rubrica de custeio (destinada à manutenção) e R$ 7 milhões, de capital (para aquisição de equipamentos, obras e investimentos). Apesar dos ajustes, o diretor garante que a gestão tem como premissa não comprometer a política acadêmica, como programas de bolsa, pesquisa, projetos em desenvolvimento, material de consumo das disciplinas e de laboratório. É prioridade também garantir o funcionamento dos restaurantes que, com a crise financeira pela qual passa o país, tiveram demanda aumentada em 40% e, consequentemente, elevados também os custos de manutenção.

Nenhuma obra foi paralisada, mas o temor é de que o contingenciamento dos recursos de capital deprecie a estrutura de laboratórios e comprometa intervenções consideradas essenciais. “Temos cursos em implantação e precisamos concluir esse processo”, diz.
Ele ressalta que contingenciamentos sempre ocorreram, mas, desta vez, há uma diferença: ele é estrutural. “Antes, havia um orçamento que acompanhava. Agora, ele está menor. Estamos falando de cortes em cima de algo que já foi reduzido nos últimos anos.”

Manter a oferta de materiais de consumo essenciais para as disciplinas é um dos desafios das instituições de ensino tecnológico - Foto: Leandro Couri/EM/DA PressPRESSÃO Apesar do cenário, Flávio Santos está otimista e não acredita que a instituição chegará ao ponto de precisar parar suas atividades. “Não acredito no pior cenário. A situação não é de uma ou outra instituição. É sistêmica. O problema maior está fora de cogitação. Espero que vá ser resolvido”, afirma. Com contratos de terceirização que consomem 60% do orçamento e sem dinheiro para pagar as despesas de novembro e dezembro, o diretor espera não ter de fazer opções.
“Qual opção teremos que fazer lá na frente? Espero que nenhuma, que o governo libere o orçamento pendente. E mesmo sendo tudo liberado, teremos um ano difícil, por causa da pressão de custos já vinda de 2016.”

O Sindicato dos Docentes do Cefet-MG (Sindcefet-MG) acompanha de perto a questão. O diretor Antônio Arapiraca confirma que a frequência da limpeza, bem como a reposição de materiais de faxina, de sala de aula e de higiene, entre outros, estão diminuindo. “Ainda não está pior porque a administração remanejou verba de capital para custeio, mas isso faz com que a infraestrutura sofra, pois fica sem verba para investimento”, afirma. Para o docente, a situação é grave: “Esse processo tem como pano de fundo a antiga tática de sucatear o serviço público para apresentar a privatização como saída. A solução está em tratar a educação como prioridade e não pagar juros de dívidas que não conhecemos”.

Bloqueio de verba barra investimentos


Nos 17 câmpus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Geras (IFMG), a situação financeira preocupa. Do orçamento aprovado de R$ 60,9 milhões, estão bloqueados R$ 11,2 milhões (18,5%). Do dinheiro total, R$ 52,3 milhões seriam destinados à manutenção da instituição. O diretor de Planejamento, Rainer de Paula, explica que, pelo fato de as unidades serem de diferentes tamanhos e complexidades, algumas fizeram cortes em contratos de mão de obra terceirizada e conseguirão fechar o ano, mas sem quaisquer investimentos ou melhorias.

Outras têm garantido funcionamento no mais tardar até novembro. Contratos de prestação de serviços foram revisados e limitados ao mínimo razoável para funcionamento. “As restrições atuais se dão, principalmente, na limpeza, conservação e segurança das unidades, sem possibilidade de atendimento a eventuais emergências”, relata. Como consequência, houve redução de pessoal, da periodicidade e frequência de limpeza e diminuição de postos de vigilância.

No início da semana passada, o Estado de Minas mostrou que quatro anos sucessivos de cortes, retenção de dinheiro já previsto em orçamento e contingenciamento de parte das verbas estão produzindo um resultado catastrófico na saúde financeira das universidades federais. Nas instituições sediadas em Minas, o prazo é de menos de cinco meses para o colapso absoluto, caso o cenário de crise permaneça. São pelo menos R$ 754 milhões previstos na lei orçamentária para as 11 federais mineiras este ano (número apurado em sete das 11 instituições) e R$ 179 milhões (23,7%) ainda estão retidos ou foram contingenciados.

O Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG) não conseguiu apurar o valor dos déficits até o fechamento desta edição. Os institutos federais do Sudeste e do Sul também foram procurados, mas não atenderam a reportagem.

Por meio de nota, o Ministério da Educação (MEC) informou que aumentou, recentemente, o limite de empenho para as universidades e institutos federais em 10 pontos percentuais. A liberação do orçamento de custeio (usado para a manutenção das instituições de ensino) passou de 60% para 70%. Já o orçamento de capital (para adquirir equipamentos e fazer investimentos) passou de 30% para 40%. “Desde o início do ano, o MEC repassou mais de R$ 4,4 bilhões em recursos financeiros para as instituições federais: universidades; institutos federais; Instituto Nacional de Surdos; Instituto Benjamin Constant; e Fundação Joaquim Nabuco. Apenas para as universidades, esse valor foi de aproximadamente R$ 3,2 bilhões”, diz a nota.

O texto afirma ainda que, somente no mês passado, foram liberados R$ 626,6 milhões, sendo R$ 444,3 apenas para universidades e institutos federais de todo o país. Semana passada, houve repasse de mais R$ 345,7 milhões, valores que serão aplicados na manutenção, custeio e pagamento de assistência estudantil, hospitais universitários, entre outros, de forma a não comprometer o funcionamento das instituições.

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