O pagamento das bolsas de R$ 2,2 mil para doutorado, R$ 1,5 mil para mestrado e R$ 400 de iniciação científica era feito no quinto dia útil do mês corrente, referente ao mês anterior. O repasse feito às instituições de ensino englobava o período de três meses, justamente para garantir a pontualidade. Mas, há cinco meses, o sistema de movimentação financeira foi alterado. O dinheiro começou a ser repassado mês a mês para as universidades, enquanto os alunos recebem a verba sem data fixa, com prazo estendido até o último dia de cada mês, como explica a pesquisadora e vice-presidente da Regional Sudeste da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Laís Moreira Silva.
“Nunca havia virado um mês sem o dinheiro na conta.
Além dos problemas no repasse, o trâmite para que a verba seja compensada na conta dos pós-graduandos dificulta ainda mais o acesso ao dinheiro. Da Secretaria de Estado da Fazenda os recursos vão para o caixa da Fapemig, que os repassa às fundações gestoras e estas últimas ao banco. Considerada um auxílio ao pesquisador, as bolsas servem, de fato, não apenas para manter as pesquisas, mas a própria vida pessoal deles. É com a verba que se paga transporte, alimentação, plano de saúde, aula de inglês, livros e as contas de manutenção de casa. Os bolsistas também dependem do dinheiro para participar de congressos e apresentar trabalhos, cuja agenda é obrigatória.
Os pesquisadores beneficiados ficam impedidos de assumir vínculo empregatício em qualquer empresa ou instituição, sob pena de ter de ressarcir os cofres públicos dos valores já pagos com o auxílio.
Uma rede de colegas e professores a ajudaram a comprar até mesmo lanche da escola para o filho de 3 anos. O marido, engenheiro civil formado, mas sem atuação na área e atuando como motorista numa empresa de entregas, custeou parte das contas do mês. “Tenho meu salário e é justo que eu o receba. Ainda tenho uma rede de pessoas que podem ajudar, mas outros não têm. Recebi doação em dinheiro de professores da minha área e de outras áreas. É uma situação vexatória. Tenho uma profissão, tenho um nível de graduação alto e me encontro nessa condição”, desabafa.
Graduada pela PUC Minas, ela estudou com bolsa do Prouni, passou em quarto lugar na seleção para o mestrado e em primeiro no doutorado.
“Chorei muito. A saúde mental de todo mundo fica abalada e atrapalha nossa produção. O tempo que perco para resolver o problema da bolsa é o tempo que fico sem produzir. Pedem nossa compreensão nos e-mails de resposta, mas não posso pedir a compreensão do banco nem a da diretora da escola (em que o filho estuda). Tenho que pagar.”
CHEQUE ESPECIAL Outra doutoranda, de 26 anos, que também pediu anonimato, conta que tenta economizar ao máximo para ter uma reserva e não atrasar o pagamento do aluguel, que divide com outras pessoas da pós-graduação. “Mas o dinheiro não chega. Várias vezes tive que recorrer ao cheque especial.
Também estudante do doutorado da Fiocruz, um jovem de 28 anos é outro que conta com a ajuda dos pais. “Vimos o mundo inteiro falando da perda inestimável do cientista britânico Stephen Hawking, incluindo nosso presidente da República, mas 90% dos que lastimaram a morte dele nem sequer sabem como funciona a pesquisa no Brasil. A cada vez que tentamos explicar que somos pagos para fazer pesquisa, soa como insulto. A vacina que as crianças tomam provavelmente veio de uma linha de mestrado ou doutorado”, diz. “Quem está fazendo pós-graduação é quem ama, porque se fosse considerar o lado financeiro ninguém faria ciência no país. Com tanta corrupção, não tem R$ 2,2 mil para pagar uma bolsa? É revoltante.”
Ciência perde valor
Mais que uma questão de números, os pós-graduandos estão preocupados também com outras formas de financiamento.
O medo de não conseguir cumprir prazos e metas e a dúvida em relação à manutenção das bolsas levou à proposta de criação de um grupo de trabalho com todos os envolvidos – de mestrandos e doutorandos a representantes do governo. “Não queremos apenas reivindicar salário, mas reposicionar a ciência, que é produzida na pós-graduação, no projeto nacional e em Minas”, ressalta Laís. A ideia é que o grupo esteja no centro das decisões políticas referentes ao setor, facilitando, assim, o diálogo com a Secretaria de Estado da Fazenda, responsável pelos aportes financeiros. “Queremos procurar uma saída, não adianta procurar culpado. A ciência precisa voltar a ser prioridade para o estado de Minas Gerais, assim como outras áreas o são. Não somos gasto, somos investimento. Por meio da pesquisa vamos encontrar saída para a crise.”
A execução financeira da Fapemig e os investimentos no programa de pós-graduação (PAPG) da instituição, que reúne basicamente as bolsas de mestrado e doutorado, diminuíram nos últimos dois anos. Por outro lado, a quantidade de projetos de pesquisa e de bolsas concedidas aumentou (veja quadro). De acordo com a fundação, o orçamento para pagamento das mensalidades de bolsas é vinculado ao orçamento do estado. Os recursos são repassados pela Secretaria da Fazenda no início de cada mês, mas, por causa da crise financeira do estado, o repasse tem atrasado. Por meio de nota encaminhada ao Estado de Minas, a Fapemig destacou que “tem como prioridade manter em dia o pagamento das bolsas concedidas pela Fundação. A direção tem efetuado diversas ações junto ao tesouro estadual, fonte dos recursos para pagamento das bolsas, a fim de garantir esse pagamento”. (JO).