Jornal Estado de Minas

Cortes do MEC nas federais com nome e currículo: conheça vítimas na UFMG

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Quem passa pelo prédio da via estreita, mais afastado da efervescência da avenida principal em frente à Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não imagina o que há por trás daquela entrada aparentemente comum. São 5 mil metros quadrados de trabalho nas mais relevantes áreas da saúde e de meio ambiente, entre outras. Não por acaso, o Instituto de Ciências Biológicas (ICB), um dos principais centros de ensino, pesquisa e extensão do país, faz quase 25% de toda pesquisa produzida na UFMG.

Por isso, o bloqueio de 30% de recursos anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) no orçamento de manutenção e investimento para instituições federais de ensino cai como uma bomba em laboratórios e salas de aula da unidade, com efeitos que a curtíssimo prazo pode levá-la a assistir à sua excelência ficar no limiar da dissolução. No ICB, celeiro de ensino de qualidade, patentes e descobertas, o Estado de Minas mostra que, muito mais que números, os efeitos dos cortes do MEC têm rostos, histórias de vidas, sonhos e dedicação.

De cara, o que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chama de contingenciamento enterrou definitivamente as esperanças de renovação geral do ICB. O projeto estimado entre R$ 70 milhões a R$ 100 milhões foi engavetado. Nem melhorias pontuais, que pingavam a conta-gotas nos últimos anos, são mais esperadas. E o prédio, cuja estrutura e materiais se degradam com o passar das décadas, está ameaçado de ter atividades interrompidas de vez, se reitores de todo o país não conseguirem, nesta semana, mudar a decisão do MEC, em reunião com o chefe da pasta, marcada em Brasília.

Uma sombra que se ergue sobre as carreiras de 4,6 mil alunos de graduação e mais de 1,2 mil estudantes de mestrado e doutorado, cujo futuro passou a ser incerto, além de um sem número de professores, pesquisadores e servidores.
O ICB tem 12 programas de pós-graduação e dois mestrados profissionais consolidados, abrangendo diferentes subáreas da biologia. Depois de apertos financeiros que somam pelo menos cinco anos, agora se chegou ao nível do estrangulamento. Acabaram-se até mesmo os dias de apelar para o colega da sala ao lado e pegar emprestada verba a insumos para seguir com os trabalhos. Com as reservas raspadas, ninguém tem mais nada em caixa. Laboratórios que deveriam estar cheios de equipamentos se encontram vazios. Em outros, professores dividem a sala para tentar prosseguir com a produção.

No centro da edificação há laboratórios que foram todos reformados e equipados com maquinário moderno. Nas periferias, salas que precisam de revitalização urgente e também de insumos básicos têm problemas de umidade.
Tetos que parecem prestes a cair oferecem para o trabalho do dia a dia máquinas com 30, 50 anos de idade. Em corredores escuros, freezers quebrados aguardam destinação.

Em um dos laboratórios da unidade, onde ocorrem pesquisas sobre esquistossomose que avaliam o ciclo do caramujo e do rato há 26 anos ininterruptos, está o auxiliar de agropecuária José Carlos Reis dos Santos, de 52 anos, servidor por mais de duas décadas e meia. Dos cinco funcionários, sobrou só ele. A lupa que usa está remendada por esparadrapos. Os nichos onde estão caramujos hospedeiros do Schistomosa mansoni, feitos de madeira, são os mesmos de décadas atrás.

Estrutura e materiais do ICB vem sofrendo com falta de investimentos e atividades estão severamente ameaçadas caso não haja reversão do anúncio de corte de 30% nas universidades - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS


“Desse trabalho do José dependem várias teses. É uma cepa isolada há 60 anos, um patrimônio da universidade”, alerta o professor Vasco Ariston de Carvalho Azevedo, chefe do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG e do laboratório de Genética Celular e Molecular. Ele conta que seu departamento tem dinheiro somente até o fim do ano. Um dos maiores impactos pode recair sobre o biotério: o criadouro de animais para pesquisa pode parar.
E, parando, será preciso sacrificar animais. Persistindo o bloqueio, ele prevê grande evasão de alunos. Para o integrante da Academia Brasileira de Ciência e comendador da Ordem do Mérito Científico do Ministério da Ciência e Tecnologia, doutor em genética e bioinformática, é duro ver os rumos que o país anuncia.

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

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