Quem passa pelo prédio da via estreita, mais afastado da efervescência da avenida principal em frente à Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não imagina o que há por trás daquela entrada aparentemente comum. São 5 mil metros quadrados de trabalho nas mais relevantes áreas da saúde e de meio ambiente, entre outras. Não por acaso, o Instituto de Ciências Biológicas (ICB), um dos principais centros de ensino, pesquisa e extensão do país, faz quase 25% de toda pesquisa produzida na UFMG.
De cara, o que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chama de contingenciamento enterrou definitivamente as esperanças de renovação geral do ICB. O projeto estimado entre R$ 70 milhões a R$ 100 milhões foi engavetado. Nem melhorias pontuais, que pingavam a conta-gotas nos últimos anos, são mais esperadas. E o prédio, cuja estrutura e materiais se degradam com o passar das décadas, está ameaçado de ter atividades interrompidas de vez, se reitores de todo o país não conseguirem, nesta semana, mudar a decisão do MEC, em reunião com o chefe da pasta, marcada em Brasília.
Uma sombra que se ergue sobre as carreiras de 4,6 mil alunos de graduação e mais de 1,2 mil estudantes de mestrado e doutorado, cujo futuro passou a ser incerto, além de um sem número de professores, pesquisadores e servidores. O ICB tem 12 programas de pós-graduação e dois mestrados profissionais consolidados, abrangendo diferentes subáreas da biologia. Depois de apertos financeiros que somam pelo menos cinco anos, agora se chegou ao nível do estrangulamento. Acabaram-se até mesmo os dias de apelar para o colega da sala ao lado e pegar emprestada verba a insumos para seguir com os trabalhos. Com as reservas raspadas, ninguém tem mais nada em caixa. Laboratórios que deveriam estar cheios de equipamentos se encontram vazios. Em outros, professores dividem a sala para tentar prosseguir com a produção.
No centro da edificação há laboratórios que foram todos reformados e equipados com maquinário moderno. Nas periferias, salas que precisam de revitalização urgente e também de insumos básicos têm problemas de umidade. Tetos que parecem prestes a cair oferecem para o trabalho do dia a dia máquinas com 30, 50 anos de idade. Em corredores escuros, freezers quebrados aguardam destinação.
Em um dos laboratórios da unidade, onde ocorrem pesquisas sobre esquistossomose que avaliam o ciclo do caramujo e do rato há 26 anos ininterruptos, está o auxiliar de agropecuária José Carlos Reis dos Santos, de 52 anos, servidor por mais de duas décadas e meia. Dos cinco funcionários, sobrou só ele. A lupa que usa está remendada por esparadrapos. Os nichos onde estão caramujos hospedeiros do Schistomosa mansoni, feitos de madeira, são os mesmos de décadas atrás.
'Não tem mais nada para cortar. Falta o básico para trabalhar: luva, máscara, óculos, ou seja, equipamentos de proteção individual. Por isso, a cada seis meses preciso fazer exame de xistose, para saber se estou contaminado. E tenho que fazer por minha conta. Para piorar, o pagamento de adicional de insalubridade está suspenso. Deve ser cortado. Tenho o benefício há 25 anos e poderia ter aposentadoria especial. O técnico que fez a avaliação disse que não pode ser cortado, pois trabalho com caramujos infectados por Schistosoma. Mas está suspenso. Eu trabalhava no biotério. A técnica daqui saiu, agora, faço os dois serviços, criando e infectando caramujos, entre outras funções'
José Carlos Reis dos Santos, auxiliar de agropecuária e servidor do ICB há mais de 20 anos
“Desse trabalho do José dependem várias teses. É uma cepa isolada há 60 anos, um patrimônio da universidade”, alerta o professor Vasco Ariston de Carvalho Azevedo, chefe do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG e do laboratório de Genética Celular e Molecular. Ele conta que seu departamento tem dinheiro somente até o fim do ano. Um dos maiores impactos pode recair sobre o biotério: o criadouro de animais para pesquisa pode parar. E, parando, será preciso sacrificar animais. Persistindo o bloqueio, ele prevê grande evasão de alunos. Para o integrante da Academia Brasileira de Ciência e comendador da Ordem do Mérito Científico do Ministério da Ciência e Tecnologia, doutor em genética e bioinformática, é duro ver os rumos que o país anuncia.
'Vivemos uma situação mambembe. Emocionalmente, tem pessoas aqui dentro (do ICB) já 'chutando o pau da barraca'. Não estão mais pegando alunos para orientar. Professores novos que chegaram não terão dinheiro. Pode ter o currículo que for. Aí, ele vai embora da universidade ou desiste. O professor tem que viajar para o exterior, se atualizar, levar o que estamos fazendo aqui. O laboratório de esquistossomose já foi o centro de referência da doença. O Exército norte-americano dava dinheiro, por causa de seus militares em campo. Vamos perder nossos estudantes para São Paulo ou para o exterior. Continuaremos com uma desigualdade regional grande. São Paulo é o único estado com dinheiro, por causa da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp). Lá, o estado respeita a lei que prevê 1% do orçamento para pesquisa. Minas cumpre no fim do ano e, em 1º de janeiro, tira o recurso do caixa'
Vasco Ariston de Carvalho Azevedo, chefe do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG e do laboratório de Genética Celular e Molecular