Jornal Estado de Minas

Doutorandos, mestrandos, professores e funcionários na mira da tesoura federal

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

O laboratório de Genética Celular e Molecular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) deveria ter excelência garantida não apenas pelos trabalhos de alunos e professores, mas também pela estrutura física. Mas basta uma conversa rápida para, em pouco tempo, se inteirar dos problemas. O professor Vasco Azevedo, chefe do laboratório, cita o trabalho de colaboração com a França e a quantidade de equipamentos de alto custo quebrados e, logo, parados. Apenas para consertar uma centrífuga e dar a ela vida útil de mais uns cinco anos, o instituto precisa de R$ 18 mil. Cinquenta pessoas trabalham no laboratório, que conta também com filtros que precisam de cuidados especiais. “Água é tudo para a gente. Se não tivermos água de boa qualidade, perdemos tudo”, diz.

Na entrada do laboratório, avistamos o doutorando Luís Cláudio Lima, de 28 anos. Natural de Serrano, no interior do Maranhão, ele passou em segundo lugar para o doutorado de genética e, agora, se prepara para fazer uma parte do curso na França, no Instituto Agronômico de Rennes.
Mas a  conclusão da pós-graduação está ameaçada pelo corte de 30% anunciado pelo Ministério da Educação (MEC), o mesmo que o faz temer ficar sem a bolsa. “Tenho uma responsabilidade social com esses alunos. Temos uma assimetria de doutores em relação ao Nordeste do país. Imagina interromper o sonho de uma pessoa dessa?”, afirma o professor Vasco Azevedo.

Laboratórios do ICB que sofrem com falta de recursos abrigam pesquisas que estão ameaçadas em caso do corte de 30% de verba das federais anunciado pelo MEC - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

 

ALTERNATIVAS O Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG trabalha uma diversidade de temas que o tornam referência em ciências médicas e na parte ambiental. Leishmaniose, dengue e zika estão no rol das pesquisas. Lá, uma porta chama a atenção. O professor Vasco Azevedo faz questão de entrar.

“Aqui tem um geniozinho”, avisa. É uma referência ao pesquisador Gustavo Menezes, professor do Departamento de Morfologia e chefe do Centro de Biologia Gastrointestinal. Em seu laboratório, ele tem milhões de reais em equipamentos.

Diante da situação cada vez mais crítica da universidade, Menezes optou por arregaçar as mangas e procurar outras fontes de financiamento, para não interromper seus trabalhos nem os sonhos de seus alunos. Fechou parceria com o setor privado para fazer para empresas testes em troca de reagentes e promove eventos nos quais as marcas das companhias aparecem em troca de doação de insumos e equipamentos. Em seu espaço, o único centro de excelência da Nikon do Sul no mundo, são estudadas doenças hepáticas e o desenvolvimento de recém-nascidos. “Se a ideia é mudar para o financiamento privado, tem que ter planejamento estratégico. Não se pode cortar assim. Duvido que haja uma pessoa que, se bem informada sobre o que é ciência, não a valorize”, afirma Menezes.

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

 

Adiamentos e cortes que se multiplicam

A caminhada pelo ICB continua.

As dificuldades, também. Na área chamada P3, de laboratórios que exigem nível de segurança ainda maior, há portas fechadas por falta de insumos e equipamentos adequados. No andar de baixo, em outro laboratório de genética celular e molecular de responsabilidade do professor Vasco Azevedo, o aluno Wylerson Guimarães Nogueira, de 26 anos, que veio de Belém (PA) para fazer mestrado em bioinformática, é mais uma vítima do arrocho orçamentário na educação. Desde agosto ele estuda sem bolsa e o novo corte anunciado pelo MEC enterrou de vez a possibilidade do benefício. Em julho, ele faz as malas de volta para casa sem ter terminado o que começou.


 

CORDA BAMBA Assim como pesquisas, laboratórios e projetos de estudantes e professores, os funcionários terceirizados estão na corda bamba caso o bloqueio orçamentário das universidades se mantenha. A própria Reitoria da UFMG já anunciou que, além de não conseguir pagar contas de consumo, não conseguirá também honrar contratos de prestação de serviço. A notícia é uma volta a um passado triste e recente para um funcionário que pediu para não ser identificado, por não ter autorização da empresa prestadora para dar entrevista. O ano era 2016 e as universidades enfrentavam mais um corte em suas finanças, depois de uma queda de recursos de 33% no ano anterior. Os rumos que 2019 desenha não são muito diferentes.

'Arrebenta pra gente' - Servidor terceirizado


“A empresa perdeu o contrato numa universidade privada e veio para cá. Em julho, saiu a notícia das demissões.

Todo mundo assinou aviso prévio. Entre os porteiros, dos 80, ficaram quatro. Agora, é a volta da insegurança. Há boatos de que vão cortar novamente e tudo arrebenta para o lado da gente. No CAD 3 (Centro de Atividades Didáticas), só três faxineiras têm de dar conta do prédio daquele tamanho. O Icex (Instituto de Ciências Exatas) também cortou. Sou casado e tenho um filho de 9 anos. Minha mulher trabalha, mas não é com carteira assinada. Todo mundo tem seus sonhos, mas não pode correr atrás deles, porque a qualquer momento pode ser mandado embora. Não tenho mais internet e diminuí a compra de supermercado.
Ia trocar o carro, ano 2000, por um mais novo. Agora não tenho coragem. O corte é inevitável. Nosso contrato vai até 2021 e podemos ser mandados embora da terceirizada a partir do ano que vem. Mas, se precisar, ela corta assim mesmo. Estava achando que tudo ia melhorar. Parece que está pior.”

 

 

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