O laboratório de Genética Celular e Molecular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) deveria ter excelência garantida não apenas pelos trabalhos de alunos e professores, mas também pela estrutura física. Mas basta uma conversa rápida para, em pouco tempo, se inteirar dos problemas. O professor Vasco Azevedo, chefe do laboratório, cita o trabalho de colaboração com a França e a quantidade de equipamentos de alto custo quebrados e, logo, parados. Apenas para consertar uma centrífuga e dar a ela vida útil de mais uns cinco anos, o instituto precisa de R$ 18 mil. Cinquenta pessoas trabalham no laboratório, que conta também com filtros que precisam de cuidados especiais. “Água é tudo para a gente. Se não tivermos água de boa qualidade, perdemos tudo”, diz.
A vida em jogo: 'Entrei na UFMG em julho de 2016, quando fiz o mestrado. Entrei no doutorado em 2018, e minha bolsa vai até 2022. Hoje, tenho medo de perdê-la. Para as pessoas que vêm de outro lugar, a forma de se manter em Belo Horizonte é por meio da bolsa. Quando fiz graduação, morei em república, em São Luís (MA). Minha família não tem condições de bancar meus estudos. Minha pesquisa consiste em caracterizar o efeito anti-inflamatório de uma bactéria que veio da Argentina, contra os danos inflamatórios intestinais de um fármaco usado no tratamento de câncer. A vontade de ser pesquisador foi despertada ainda na graduação. Todo mundo aqui pensa em fazer um pós-doutorado e ser professor universitário. É minha vida em jogo.'
Luís Cláudio Lima, doutorando em genética pelo ICB
ALTERNATIVAS O Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG trabalha uma diversidade de temas que o tornam referência em ciências médicas e na parte ambiental. Leishmaniose, dengue e zika estão no rol das pesquisas. Lá, uma porta chama a atenção. O professor Vasco Azevedo faz questão de entrar. “Aqui tem um geniozinho”, avisa. É uma referência ao pesquisador Gustavo Menezes, professor do Departamento de Morfologia e chefe do Centro de Biologia Gastrointestinal. Em seu laboratório, ele tem milhões de reais em equipamentos.
Diante da situação cada vez mais crítica da universidade, Menezes optou por arregaçar as mangas e procurar outras fontes de financiamento, para não interromper seus trabalhos nem os sonhos de seus alunos. Fechou parceria com o setor privado para fazer para empresas testes em troca de reagentes e promove eventos nos quais as marcas das companhias aparecem em troca de doação de insumos e equipamentos. Em seu espaço, o único centro de excelência da Nikon do Sul no mundo, são estudadas doenças hepáticas e o desenvolvimento de recém-nascidos. “Se a ideia é mudar para o financiamento privado, tem que ter planejamento estratégico. Não se pode cortar assim. Duvido que haja uma pessoa que, se bem informada sobre o que é ciência, não a valorize”, afirma Menezes.
Produzir ou comprar: 'Trabalho com temas que têm impacto direto em todos os países do mundo. Sem recursos, outros países que não tiveram a ideia rápido como eu vão publicar na minha frente, por causa da velocidade de execução que terão. Estou vivendo um delírio de que não existe crise e fazendo parcerias. Há cinco anos estou tentando reagir. Isso me atrasa um pouco, mas me prepara para uma realidade que parece irreversível. A pesquisa no Brasil é extremamente dependente do financiamento público. Pesquisa, enquanto investimento, é algo novo, tem apenas 80 anos. O primeiro mestre se formou há 50. Não temos mecanismos para pôr a iniciativa privada para resolver o corte governamental. Pode ser que no futuro sejamos mais dependentes do capital privado, mas leva anos. Tem gente indo para a rua (protestar contra os cortes), outros postando na internet e tem quem busque alternativas. Nenhuma ação é mais importante que a outra e todas são válidas. A Alemanha anunciou 2 bilhões de euros para a pesquisa até 2030 esta semana. Vender commoditie, boi e farinha não vai pôr o país na ponta. Em 2030, o Brasil estará tentando, talvez, se recuperar, enquanto a Alemanha estará muito na frente. Uma hora a conta vai vir. Se não produzir tecnologia agora, vai ter que comprar.'
Gustavo Menezes, professor do Departamento de Mrofologia e chefe do Centro de Biologia Gastrointestinal
Adiamentos e cortes que se multiplicam
A caminhada pelo ICB continua. As dificuldades, também. Na área chamada P3, de laboratórios que exigem nível de segurança ainda maior, há portas fechadas por falta de insumos e equipamentos adequados. No andar de baixo, em outro laboratório de genética celular e molecular de responsabilidade do professor Vasco Azevedo, o aluno Wylerson Guimarães Nogueira, de 26 anos, que veio de Belém (PA) para fazer mestrado em bioinformática, é mais uma vítima do arrocho orçamentário na educação. Desde agosto ele estuda sem bolsa e o novo corte anunciado pelo MEC enterrou de vez a possibilidade do benefício. Em julho, ele faz as malas de volta para casa sem ter terminado o que começou.
Sobreviver no limite: 'Recebi o resultado da seleção em meados de julho, para início das aulas em agosto do ano passado. Havia 15 vagas, mas só sete pessoas foram aprovadas. Passei em sexto. Não sabia se ficaria, pois não haveria bolsa. Meu orientador no Pará conseguiu uma bolsa de projeto para três meses e é com esse dinheiro que vivo até hoje. Naquela época, informaram que só voltaria a ter bolsa em fevereiro ou março deste ano. Mas houve mudança de prioridade: as bolsas só seriam concedidas aos aprovados em primeiro lugar nos processos de seleção seguintes. Assim, a data para minha bolsa mudou para julho. Eu me programei para isso, mas, agora, houve nova mudança de prioridade e a bolsa ficou para fevereiro de 2020. Já não adianta mais nada, pois defendo a dissertação no fim do ano. Meus pais me ajudam no aluguel e com as contas fixas, mas não tem sido fácil. Fico no limite. Sabendo que essa situação era possível, me esforcei para cumprir todas as obrigações presenciais. Só preciso defender e participar de uma apresentação obrigatória de seminário. Escolhi vir para cá não só pelo programa, mas pelo networking, o ambiente de trabalho e pesquisa. Mas terei de voltar em julho. Não tenho condições de ficar.'
Wylerson Guimarães Nogueira, mestrando em bioinformática
CORDA BAMBA Assim como pesquisas, laboratórios e projetos de estudantes e professores, os funcionários terceirizados estão na corda bamba caso o bloqueio orçamentário das universidades se mantenha. A própria Reitoria da UFMG já anunciou que, além de não conseguir pagar contas de consumo, não conseguirá também honrar contratos de prestação de serviço. A notícia é uma volta a um passado triste e recente para um funcionário que pediu para não ser identificado, por não ter autorização da empresa prestadora para dar entrevista. O ano era 2016 e as universidades enfrentavam mais um corte em suas finanças, depois de uma queda de recursos de 33% no ano anterior. Os rumos que 2019 desenha não são muito diferentes.
'Arrebenta pra gente' - Servidor terceirizado
“A empresa perdeu o contrato numa universidade privada e veio para cá. Em julho, saiu a notícia das demissões. Todo mundo assinou aviso prévio. Entre os porteiros, dos 80, ficaram quatro. Agora, é a volta da insegurança. Há boatos de que vão cortar novamente e tudo arrebenta para o lado da gente. No CAD 3 (Centro de Atividades Didáticas), só três faxineiras têm de dar conta do prédio daquele tamanho. O Icex (Instituto de Ciências Exatas) também cortou. Sou casado e tenho um filho de 9 anos. Minha mulher trabalha, mas não é com carteira assinada. Todo mundo tem seus sonhos, mas não pode correr atrás deles, porque a qualquer momento pode ser mandado embora. Não tenho mais internet e diminuí a compra de supermercado. Ia trocar o carro, ano 2000, por um mais novo. Agora não tenho coragem. O corte é inevitável. Nosso contrato vai até 2021 e podemos ser mandados embora da terceirizada a partir do ano que vem. Mas, se precisar, ela corta assim mesmo. Estava achando que tudo ia melhorar. Parece que está pior.”