O debate sobre mudanças no Exame de Ordem ganhou força com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, publicadas em dezembro do ano passado. O documento, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), muda o currículo desses bacharelados e estabelece novas disciplinas como obrigatórias. Como a prova, que é obrigatória para inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), leva em conta essas matérias, cresce a expectativa sobre o que deve mudar no teste. O Conselho Federal da OAB começará a discussão sobre as alterações no certame no próximo dia 28.
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OAB/MG desmente extinção da obrigatoriedade do exame da ordemOAB barra inscrição de bacharéis acusados de violência contra mulheres e criançasOAB quer sigilo sobre honoráriosPara Thais Riedel, professora de direito previdenciário do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), não restam dúvidas de que o teste terá de mudar, mas isso será positivo. “Não vejo a inclusão de matérias no Exame de Ordem como uma dificuldade a mais. Pelo contrário, a prova apenas atesta a assimilação do bacharel em direito em relação aos principais pontos abordados ao longo do curso. Como essas matérias estarão obrigatoriamente nos programas das faculdades, o exame apenas atestará os temas vistos”, explica. Ela avalia a inclusão do direito previdenciário como conteúdo obrigatório no currículo dos cursos como um grande ganho. “É muito importante porque é uma disciplina que impacta toda a população e os profissionais da área, responsáveis pela vigilância e a atuação em prol dos direitos dos cidadãos, necessitam de maior conhecimento sobre isso”, afirma.
Para a advogada Tathiane Viggiano, 44 anos, as mudanças são positivas. “Tendo em vista a inclusão dessas disciplinas, a OAB deve acompanhar as universidades.
“Com o Exame de Ordem, não poderia ser diferente. O direito previdenciário é direito fundamental do homem e deve ser cada dia mais conhecido por todos.
Críticas recorrentes
A validade do Exame de Ordem é constantemente questionada. Muito se fala também da possibilidade de acabar com a prova. O presidente Jair Bolsonaro é um grande crítico da exigência, mas, até agora, nenhuma medida foi tomada para que o teste deixe de existir. O exame é previsto no Estatuto da Advocacia, de 1994. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que ele é constitucional. Para que o certame deixe de ser exigido, seria necessário que a medida passasse pelo Congresso Nacional. E não faltam projetos de leis que tratam do assunto, porém nenhum foi para a frente. De acordo com José Alberto Simonetti, coordenador nacional do Exame de Ordem, os questionamentos partem daqueles que não conseguem aprovação. “Se, eventualmente, um candidato não alcança a nota depois de muitas tentativas, é claro que ele vai criticar. Mas até o STF já se posicionou pela constitucionalidade da prova”, diz.
“Quanto à possibilidade de acabar, somos céticos. Acreditamos que o Congresso sabe da importância do exame”, completa. Para ele, a prova é a melhor forma de aferir se o bacharel em direito tem capacidade de advogar. “As duas etapas fazem um extrato do que a pessoa aprendeu na faculdade. O advogado não chega pronto. A prática do dia a dia vai levar a uma expertise maior”, explica. O Brasil é um dos países com maior número de cursos de direito e de advogados. Ao todo, são mais de 1 milhão de pessoas aptas a defenderem clientes em tribunais. Só no DF, o número de advogados passa de 39 mil. E, a cada dia, mais graduados entram para o mercado. Mais de 1.600 cursos de direito estão autorizados hoje. Boa parte dos graduados não passa no Exame de Ordem. Na última edição com resultado divulgado, dos mais de 36 mil candidatos, somente cerca de 14 mil foram aprovados.
O desempenho das instituições é muito aquém do esperado. O melhor resultado do DF (veja quadro) é o da Universidade de Brasília (UnB), que obteve 56,99% de aprovação na 26ª edição do exame. Foi o único curso brasiliense que com índice acima de 50%. Para José Alberto Simonetti, coordenador nacional do Exame de Ordem, a explicação para a baixa aprovação está na falta de qualidade das graduações. Por isso, a OAB entrou com um pedido junto ao Ministério da Educação (MEC) para que fosse feita uma averiguação da qualidade dos cursos antes de autorizar novas graduações. “Pelo que sabemos, não atenderam nossa solicitação porque, a cada dia, tem novos cursos aparecendo”, lamenta. De acordo com o professor de processo civil da UnB Henrique Araújo Costa, é exatamente essa a explicação por trás da necessidade de haver uma prova para avaliar os bacharéis em direito.
Comparações
“O exame funcionaria como uma peneira. A discussão sobre a necessidade dele vai e volta. E existem argumentos para os dois lados”, aponta. “A OAB diz que todos os países avançados têm prova semelhante, também que o curso de direito seria insuficiente para a formação de advogados, já que não existe faculdade de advocacia. Ainda tem o ponto de vista do mercado, em que a excesso de oferta abaixa as remunerações. Então, é preciso equilibrar para que quem atua na área tenha um rendimento satisfatório”, afirma. Porém, o professor argumenta que essas colocações não são absolutas. “Nenhum país com provas semelhantes tem o nosso tamanho. É um mercado totalmente diferente. Embora a OAB diga que o ponto financeiro não faz diferença, não é nada desprezível o que se arrecada com as inscrições”, analisa.
Além disso, o professor não acredita que o teste realmente avalie se o graduado está preparado para o mercado. “Uma faculdade boa reprova, ao menos, uns 25% dos alunos, ou seja, é difícil. Agora não é pelo fato de eliminar muito que o selecionado esteja preparado. Não acho que nenhuma prova consiga fazer isso. Acredito que isso é só um reflexo da baixa qualidade dos candidatos”, contrapõe. Apesar disso, o mestre e doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) não acredita que seja possível acabar com essa exigência. “Os projetos de lei que existem para pôr fim ao teste são baseados em opiniões. Não tem nenhum estudo. Se tem uma discussão que vai e volta, a tendência é que continue assim, mas sem se extinguir”, diz.
Atualidades em direito
O Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) promove, gratuitamente, conjunto de cursos sobre atualidades em direito, voltados para graduandos em direito do Distrito Federal. Serão abordados quatro temas em destaque no cenário jurídico atual: questões atuais de direito constitucional, novas tendências de mercado e proteção de dados, controle e combate à corrupção e mercado de capitais e direito empresarial. Cada curso será ministrado por dois professores, terão duração de dois dias e ocorrerão no IDP até 29 de maio. As vagas são limitadas e as inscrições podem ser feitas no site bit.ly/atualidadesemdireito.
Entenda o teste
No Brasil, para exercer a advocacia, é necessário ser aprovado no Exame de Ordem. A prova é aplicada três vezes ao ano em 168 cidades. A taxa de inscrição custa R$ 260. São duas fases. Na primeira, composta por 80 questões, é preciso acertar ao menos 50% da avaliação para ser aprovado. Nessa etapa, são cobrados conhecimentos em direito administrativo (6 questões), direito civil (7), direito processual civil (6), direito constitucional (7), direito empresarial (5), estatuto da OAB e código de ética (10), direito penal (6), direito processual penal (5), direito do trabalho (6), direito processual do trabalho (5), direito tributário (4), direito ambiental (2), direito do consumidor (2), Estatuto da Criança e do Adolescente (2), direito internacional (2), direitos humanos (3) e filosofia do direito (2). A segunda etapa é uma prova prática-profissional, composta por uma peça e quatro questões práticas sobre uma das sete disciplinas indicadas no ato da inscrição: direito administrativo, direito civil, direito constitucional, direito empresarial, direito penal, direito do trabalho ou direito tributário. Para ser aprovado, é preciso tirar uma nota maior que seis.
Reformulação
O currículo das graduações em direito estava inalterado desde 2004. As alterações devem ser implantadas pelas faculdades em, no máximo, dois anos. Confira as mudanças:
» As novas diretrizes acrescentam às matérias consideradas iniciais as seguintes: antropologia, ciência política, economia, ética, filosofia, história, psicologia e sociologia.
» Na parte jurídica, foram incluídas como obrigatórias disciplinas sobre teoria geral do direito, direito previdenciário, mediação, conciliação e arbitragem.
» A resolução exige que a prática profissional passe por todos os eixos de aprendizagem.
» A norma deixa a critério das instituições colocar na grade disciplinas que atendam a necessidades específicas, como direitos humanos, direito ambiental, eleitoral, esportivo, agrário, cibernético, portuário e da criança e do adolescente.