É fundamental despertar na sociedade civil o interesse pela ciência, estimular a curiosidade e envolvimento com a pesquisa científica. A aproximação entre ela e a academia é passo significativo para amplicar a produção de conhecimento e garantir avanços nas mais diversas áreas. Um dos movimentos e esforço neste sentido é colocado em prática pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Lesandro Ponciano, professor doutor da instituição e membro da Citizen Science Association (CSA), associação internacional dedicada à ciência cidadã, explica que esse movimento “consiste na participação das pessoas em pesquisas científicas. Elas podem atuar, por exemplo, na coleta e análise de dados e até mesmo na definição de questões a serem respondidas nos projetos de pesquisa. É um paradigma que costumamos chamar de “ciência de todos, por todos e para todos”. Em alguns projetos, os “cidadãos cientistas” são considerados coautores da produção científica, com seus nomes incluídos no artigo científico junto com os dos cientistas. Ciência cidadã tem sido praticada e estudada em todo o mundo, mas os EUA, Reino Unido e Austrália têm se destacado.”
Lesandro Ponciano garante que, como ciência cidadã, a ciência está ao alcance de todos porque não há mais as clássicas barreiras de conhecimento e geográfica. “As pessoas não precisam ser especialistas para participar. As tarefas típicas que elas realizam são básicas, como fotografar pássaros e plantas com a câmera do smartphone, reportar a coloração da água, analisar forma e cor em imagens. Em muitos casos, para participar de um projeto, basta baixar um aplicativo para o smartphone ou acessar a página web do projeto. É por meio dessas tecnologias que as pessoas interagem com os cientistas e contribuem com os projetos. Então, elas não precisam ir aos laboratórios e universidades.”
O professor explica que há diversas maneiras de um leigo participar de um projeto científico: “Por exemplo, muitos laboratórios de astrofísica têm milhões de imagens de galáxias captadas por telescópios e essas imagens precisam ser analisadas a fim de entender como as galáxias se formam. A análise a ser feita em cada imagem é simples, como verificar se a galáxia tem formato circular ou elíptico. Para um cientista, a análise de milhões de imagens é algo proibitivo, mas, com a participação de dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo, ela se torna possível. Esse exemplo é baseado em um estudo que fizemos do projeto GalaxyZoo da Universidade de Oxford. O estudo se encontra publicado na revista científica IEEE Computing in Science & Engineering.”
DESAFIO
Lesandro Ponciano reconhece que aproximar o que é desenvolvido dentro das instituições da sociedade civil é um grande desafio: “Muitas vezes o que se pesquisa na universidade está distante da realidade da sociedade. Dada essa distância, fica difícil despertar o interesse da sociedade e, também, ter tarefas da pesquisa na qual a sociedade possa se engajar. Então, nesse sentido, a ciência cidadã requer que o cientista inove. Não basta que sua pesquisa tenha potencial de publicação em veículos científicos de prestígio. Ele também precisa olhar para a sociedade e levantar questões de pesquisa com as quais essa sociedade se interesse, que sejam relevantes para ela. Quando isso ocorre, as pessoas participam, a ciência evolui e a sociedade se beneficia. Essa relação com a sociedade faz com que as pesquisas feitas em um país sejam diferentes das de outros países, já que sociedades diferentes têm demandas distintas.”
Na PUC-Minas, Lesandro Ponciano destaca que há diversos projetos científicos, sendo alguns de ciência cidadã. “Temos, no Departamento de Engenharia de Software e Sistemas de Informação, duas iniciativas que podem ser destacadas, que são os estudos “Explicabilidade de software” e “Pensamento computacional”. O primeiro projeto surge do risco que emerge da combinação de três fatores: 1) os softwares estão cada vez mais inteligentes com o uso de inteligência artificial; 2) cada vez mais as pessoas usam software no dia a dia; e 3) as pessoas sabem cada vez menos sobre como os softwares funcionam. Usar intensamente um software inteligente que não se sabe como funciona pode trazer riscos à pessoa e à sociedade. Exemplo disso é que cresce o receio de que softwares possam, inadvertidamente, influenciar as opiniões, escolhas e ações das pessoas, refletindo na dinâmica social, política e econômica. Isso ocorre, por exemplo, quando um software recomenda à pessoa uma rota de trânsito, outra pessoa para ela seguir, um livro para ela ler, um filme para ela assistir e não diz a ela quais critérios foram considerados nessa recomendação. Se a pessoa segue a recomendação sem questionar, ela pode estar tendo seu comportamento controlado pelo software. Para evitar isso, é cada vez mais requisitado que esse tipo de software seja capaz de explicar ao seu usuário de forma clara como chegou à recomendação e por que essa recomendação e não outra. Na União Europeia, isso tem sido debatido como right to explanation (direito a uma explicação). Nossas iniciativas de pesquisa estão buscando entender como produzir um software que tem a capacidade de se autoexplicar às pessoas e o que as pessoas esperam desses softwares para que eles sejam efetivos. A participação da sociedade nesse processo é fundamental.”
Já o segundo projeto, o Pensamento computacional, explica Lesandro Ponciano, “surge do fato de que o conhecimento algorítmico ainda é restrito a profissionais de computação, embora sua utilidade estenda-se para muito além de programar computadores. Assim como o raciocínio matemático, o raciocínio algorítmico também pode ser empregado na solução dos mais diversos problemas do dia a dia. Ele pode ser útil em atividades corriqueiras de pessoas e empresas, como organizar uma viagem, a compra de produtos ou alocar um conjunto de tarefas para um conjunto de pessoas. A execução desse tipo de atividade pelas pessoas fica mais eficiente quando se emprega o raciocínio algorítmico. Esse é o mesmo raciocínio que nós cientistas da computação empregamos para tornar os computadores mais eficientes.”
Parcerias que fomentam a ciência
As parcerias com grandes empresas permitem impulsionar a pesquisa na graduação e na pós-graduação na PUC-Minas. São recursos da universidade, agências de fomento e de grandes empresas, associações que se desenvolvem há décadas. Uma dessas parcerias gerou o SIMCenter, centro de simulação veicular, com investimentos da instituição, Fiat Chrysler Automobiles e BNDES. A chamada tríplice hélice, envolvimento da universidade, empresa e governo para gerar conhecimento, frutificou também no Centro de Pesquisa em Motores, Emissões e Combustíveis (CPMEC), que tem investimentos da PUC-Minas, Petrobras, Vale, Fapemig e Cemig. “É uma amostra inequívoca de que a instituição enxerga essas parcerias como indutoras de geração e produção de conhecimento e inovação dentro da universidade, projetando-a para o futuro”, frisa o professor Sérgio Hanriot. A universidade tem também uma iniciativa na área de inovação, que é o PUC-TEC, hub de inovação, formação e negócios (atualmente, atua na área de startups, fomentando essas iniciativas).