Jornal Estado de Minas

Cercado de dúvidas, plano para universidades tem futuro incerto em Minas

- Foto: Arte EM
 
Numa proposta cercada de incertezas, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) puxa a fila das instituições mineiras que dizem não à minuta do Future-se, o programa do governo federal que promete maior autonomia para universidades e institutos federais para captar recursos (veja quadro). O Conselho Universitário da UFMG recomendou, na semana passada, a não adesão ao projeto, lançado em 17 de julho, caso ele permaneça com as bases atuais. Fontes ouvidas pelo Estado de Minas e a manifestação preliminar do Fórum das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado de Minas (Foripes) indicam tendência de rejeição das instituições de ensino superior localizadas em território mineiro. Nos próximos dias, em várias delas, audiências públicas e reuniões de conselhos e comissões criadas para discutir o assunto baterão o martelo sobre o tema. Decisões serão reforçadas por resultado de consulta pública ao projeto no site do Ministério da Educação (MEC), que terminaria ontem mas foi prorrogado até o dia 29. As discussões ocorrem no momento em que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anuncia o corte de novas bolsas por falta de recursos.

O Future-se, apresentado mês passado, tem três eixos: gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização. De acordo com o MEC, o programa será financiado por um fundo de direito privado, que permitirá o aumento da autonomia financeira das instituições federais de ensino. A administração do fundo é de responsabilidade de uma instituição financeira e funcionará sob regime de cotas.
A operacionalização ocorrerá por meio de contratos de gestão, firmados pela União e pela instituição de ensino com organizações sociais – entidades de caráter privado que recebem o status “social” ao comprovar eficácia e fins sociais, entre outros requisitos. A adesão é voluntária.

A reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart Almeida, presidente do Conselho Universitário, ressalta que a decisão foi tomada a partir de uma discussão preliminar sobre um projeto que é “vago e não detalha como ocorreria essa adesão”. E, se no papel a ideia é ampliar a autonomia universitária, permitindo inclusive que as federais busquem financiamento privado, na prática, as instituições consideram que o projeto fere essa autonomia, à medida em que a restringe. “Passa a gestão de questões cruciais da universidade para a organização social (OS) definir”, afirma a reitora.



Outro ponto delicado no projeto, na opinião de Sandra, trata da captação de recursos próprios (prática já adotada na UFMG), além de questões relacionadas a registro de patentes e transferência de conhecimento. Tudo isso é feito observando-se as restrições legislativas impostas pelo teto dos gastos públicos, que determina limitação na captação. A promessa do MEC é flexibilizar esses pontos para quem aderir. “Essas mudanças são necessárias e não podem ficar condicionadas ao Future-se.
Têm que valer para todas as universidades. Todas devem se beneficiar.”

Para Sandra, há mais dúvidas que definições. Ela classifica ainda o documento como “ambíguo”, mas acredita que o momento é de discussão da proposta. “A intenção é dialogar com o governo e mostrar que como ela está seria difícil para um Conselho recomendar (a adesão)”, diz. “Faltam esclarecimentos e concretude. Além disso, alguns itens vão contra a autonomia universitária que tanto prezamos.”

Na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o grupo de trabalho criado para fazer uma análise preliminar que servirá para nortear a decisão do Conselho Superior (Consu) também recomendou a não adesão. A expectativa é que o martelo seja batido na próxima reunião do Consu. “O projeto prevê mudanças em 17 leis e várias delas ferem a autonomia da universidade, como a criação da organização social, cujo papel não está definido.
Outra questão grave é o ensino e a extensão terem ficado de fora dos eixos da proposta”, explica o presidente do grupo de trabalho, professor Paulo César de Resende Andrade.



Apesar da consulta pública, o grupo da UFVJM não acredita numa abertura de diálogo com a sociedade, “mas apenas uma tentativa de dar legitimidade pública a uma proposta de projeto de lei construída de forma monocrática pelo governo federal”. Depois do término da consulta, a expectativa é que a proposta fique mais clara. “A minuta foi muito mal escrita. Como está, o MEC não teria nem como mandar para o Congresso. Se estivesse bem definido, poderíamos falar que há pontos negativos e positivos. Mas, deste jeito, não”, diz Paulo César Andrade. “A universidade que aderir e sair ou não obedecer às normas sofrerá penalidades. Que penalidade? Que normas? Como aderir a algo no contrato se não sabemos de forma objetiva e criteriosa seus deveres e direitos?”, questiona.

Mas, no Vale do Jequitinhonha e Mucuri, onde o novo reitor, Janir Alves Soares, tomou posse na segunda-feira, a questão deverá esquentar ainda mais. Terceiro da lista tríplice, ele foi o escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro. Na posse, o ministro Abraham Weintraub defendeu maior eficiência nas instituições de ensino superior.
“Temos que salvar as universidades federais. E vejo o doutor Janir aqui como um exemplo do que precisamos”, disse. Para o novo reitor, o norte de sua gestão será seguir a maior autonomia financeira que o MEC objetiva dar às universidades. “Neste momento, existe uma grande identidade entre a universidade e as políticas de Estado. Queremos que nossa universidade seja um palco da realidade para que abarquemos os eixos do Future-se”, afirmou. A comunidade acadêmica, no entanto, não acredita que a posição do novo dirigente poderá influenciar o posicionamento da universidade, uma vez que a decisão fica a cargo do Conselho Universitário. Apesar de ele ser o presidente, vale a decisão da maioria dos integrantes, que não sofrem alteração com a nova gestão.

Bolsas


Em meio às discussões, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou ontem que estão suspensas novas bolsas porque não haverá recomposição do orçamento de 2019. O déficit da agência de fomento à pesquisa nacional supera R$ 300 milhões, o que compromete o pagamento dos bolsistas. São mais de 80 mil bolsistas no Brasil e, em nota publicada ontem, o órgão diz que está tentando buscar a melhor solução passível para este cenário. O CNPq concede bolsas para a formação de pessoas no campo da pesquisa científica e tecnológica, em universidades, institutos de pesquisa, centros tecnológicos e de formação profissional, tanto no Brasil como no exterior.
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes, disse que o problema já está sendo solucionado.


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