Quase uma semana depois de o Ministério da Ciência e Tecnologia anunciar que já não tinha dinheiro para honrar os pagamentos dos bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ontem foi a vez de o Ministério da Educação (MEC) anunciar outro baque para pesquisadores no país. Mais de 5,6 mil bolsas que seriam concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) até dezembro estão suspensas a partir deste mês. E, para o ano que vem, o orçamento da agência, que já andava apertado, ficou ainda pior: o caixa foi reduzido à metade. Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) repudiou mais essa medida, temendo o colapso da pesquisa no Brasil. Em Minas Gerais, cerca de 10 mil estudantes dependem de financiamento da agência.
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MEC avisa que verba de universidades vai seguir ranking: veja posição das mineirasMaior universidade de Minas repudia falta de verbas para bolsistas do CNPqFalta de verba para CNPq deixa 7,6 mil bolsistas sob ameaça apenas em MinasRevista britânica coloca UFMG como melhor universidade federal do BrasilConheça pesquisadores afetados pelo corte de bolsas na UFMG e os estudos em jogoUFMG anuncia que entra em setembro com orçamento em estado crítico“Devido ao contingenciamento já anunciado para o orçamento da coordenação, será necessário congelar 1,94% do total (de bolsas) para este ano, preservando-se parcela principal dos benefícios”, informou, durante coletiva de imprensa, o presidente da Capes, Anderson Correia.
Segundo ele, a medida representa uma “economia” de R$ 37,8 milhões para este ano, podendo chegar a R$ 544 milhões nos próximos quatro anos, considerando o período de vida útil das bolsas. Em Minas, 508 bolsas estão congeladas – um gasto de R$ 3,7 milhões a menos nas contas da Capes em 2019 (veja arte). Correia ressaltou que o congelamento visa a garantir o pagamento de todos os bolsistas já cadastrados no sistema, que não serão afetados pelos cortes neste ano.
O congelamento foi a forma encontrada para fazer frente ao arrocho que se anuncia. Pela Lei Orçamentária Anual (LOA), a Capes contaria este ano com R$ 4,25 bilhões. Para o ano que vem, a previsão é de pouco mais que a metade, não mais que R$ 2,2 bilhões. “O MEC e a Capes buscam alternativas para recompor o orçamento de 2020. Todas as possibilidades estão sendo estudadas com objetivo de garantir o funcionamento do serviço”, disse o representante da agência.
O secretário-executivo do MEC, Antônio Vogel, não revelou quais a alternativas estão em análise, mas afirmou que o objetivo é alcançar pelo menos um orçamento igual ao de 2019, para que o prejuízo não seja inda maior. “Para o MEC, a Capes é instituição fundamental. Confiamos no trabalho e sabemos da importância dela para o fomento e desenvolvimento da pesquisa científica em todo o território nacional”, destacou. Mas uma dessas soluções pode estar no setor privado, na linha do que propõe o projeto Future-se.
O presidente da Capes afirmou que conta com a recomposição orçamentária para reverter o quadro e não afetar as bolsas voltadas para a formação de professores da educação básica, além de estar de olho nas metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e no desafio da formação de doutores. As metas preveem a formação da média de 60 mil mestres e de 25 mil doutores anualmente no país. De acordo com Anderson Correia, a formação média de mestres já está em 65 mil, enquanto a de doutores está em 23 mil. Por isso, uma das possibilidades é contar com a parceria do setor privado para financiar programas de pós-graduação. “Estamos buscando alternativas além do financiamento da Capes, como o da indústria para mestrados e doutorados profissionais.”
Além da perda de orçamento, a Capes teve recursos contingenciados. Ao todo, R$ 819 milhões do orçamento deste ano ainda estão bloqueados pela União. O diretor de gestão da agência, Anderson Lozi, conta com a liberação da maior parte deste montante até o fim do mês, o que garantiria o cumprimento dos compromissos da entidade.
Manifesto
Estudantes, pesquisadores e cientistas de todo o país anunciam para sábado, feriado da Independência do Brasil, manifestações em várias cidades contra os cortes na educação. A ANPG repudiou a redução no orçamento da Capes. “A ciência no Brasil é produzida majoritariamente dentro das universidades e depende diretamente do incentivo público. Um corte de tal ordem coloca em risco toda a ciência nacional, afrontando à nossa própria soberania. O resultado é definitivamente catastrófico, já que não existe progresso sem ciência. Sem pesquisa não há desenvolvimento”, ressalta o vice-presidente Regional Sudeste da ANPG, Thiago Dias.
Por meio de nota, a ANPG informou que a medida afeta diretamente o sistema de pós-graduação, que responde por 90% da produção científica do país. “Com os cortes, as bolsas de estudo, que já têm valor afetado pela ausência de reajuste há seis anos, passarão a atender a menos de um quarto dos pesquisadores vinculados aos mestrados e doutorados stricto sensu”, diz a nota.
A entidade lembrou ainda que a bolsa é a remuneração das atividades desenvolvidas pelos estudantes, que, apesar de se encontrarem em fase de formação, exercem função de trabalho. “O esvaziamento dos órgãos de fomento a ciência e pesquisa como a Capes, o CNPq e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), apontam para o desmonte da ciência e das possibilidades de recuperação econômica do Brasil em médio prazo”, completa. A associação dos pós-graduandos também se mostrou contrária às soluções em conjunto com o setor privado.
CNPq
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) só tem dinheiro para pagar seus bolsistas até este mês.