A prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) avalia, sobretudo, a aptidão de ler textos; e a de Redação, especificamente, a habilidade de produzi-los. Aqui nos centraremos na leitura, na interpretação da complexa ferramenta comunicativa que é o texto.
A proficiência ao ler textos implica a capacidade de perceber, de compreender os significados inscritos, ora na superfície textual – ao que chamamos informações explícitas – , ora no por trás das palavras – os implícitos , que exigem sofisticação interpretativa para entendê-los de fato.
A compreensão dos implícitos textuais exige que o leitor recupere informações em seu repertório cultural, fazendo associações, estabelecendo comparações, promovendo discussões intertextuais, por exemplo. É sabido por nós, sujeitos sociais, que a quantidade de informações de que dispomos é mais expressiva (margeia o sobrenumerável) que outrora. A dificuldade em assimilá-las, porém, é perceptível, e essa dificuldade tem gênese no fato de muitos leitores não saberem hierarquizá-las, isto é, não saberem construir as correlações adequadas, não saberem diferir as que se implicam das que se excluem... É no interior dos textos, objeto essencialmente complexo, que essas articulações, essas habilidades, essas competências se efetivam.
Compreendamos, então, como os implícitos podem se revelar, como os “não-ditos” tornam-se ditos. Primeiramente, o implícito pode estar pressuposto; depois, subentendido.
Os pressupostos são aquelas informações que se revelam por trás de marcas linguísticas, as quais asseguram, as quais confirmam ser possível a leitura feita por quem percorre com os olhos o texto. Em outras palavras, a interpretação que se faz é de responsabilidade de quem “escreveu”, visto que o produtor deixou ali marcas linguísticas que autorizam a inferência. Quando se diz, assim, que Antônio tornou-se um bom redator, enuncia-se explicitamente que Antônio escreve bem e, implicitamente, que ele não era bom escritor.
Os subentendidos, por sua vez, compreendem aquelas leituras, aquelas interpretações possíveis – pois estão insinuadas – , todavia não comprováveis pelo texto. Este induz, contudo não se afirma se a intenção foi, efetivamente, aquela à qual o leitor foi induzido. Isso significa dizer que a interpretação é de responsabilidade do leitor, porque não há marcas linguísticas que asseguram a verdadeira intencionalidade do autor do texto. Por exemplo, a frase Todos foram convidados para a comemoração de fim de ano da empresa, até Angélica deixa implícitas algumas informações: não era esperado que Angélica fosse convidada para a festa, leitura pressuposta pelo marcador “até”, que inclui Angélica no evento; pode-se subentender, por assimilação de outros contextos, de outras situações, por exemplo, sociais, que Angélica não é uma pessoa agradável, ou que ela estava doente – mas se recuperou e, agora, pode ir à festa – , porém não é possível confirmar essas interpretações, pois o texto carece de dados para fazê-lo. Por mais que, socialmente, um indivíduo ser agradável ou estar doente seja um motivo para não convidá-lo a uma festividade, não podemos generalizar e dizer que os motivos restringem-se a estes, inclusive, ao caso de Angélica na frase estudada.
Para ilustrar como esses conceitos vivem e convivem nas escritas maiores que as frases, analisaremos a seguir dois textos, apontando as diferenças entre leituras pressupostas e leituras subentendidas.
Texto 1
Li reportagem no jornal e me surpreendi, pois moro próximo ao local de infestação de carrapatos-estrela no Jardim Eulina, e sei que existem muitas capivaras, mesmo dentro da área militar. Surpreendi-me ainda ao saber que vão esperar o laudo daqui a 15 dias para saber por que ou do que as pessoas morreram. Gente, saúde pública é coisa séria! Não seria o caso de remanejar esses bichos imediatamente, como prevenção, uma vez que estão em zona urbana? (Carrapatos, M., M.) (texto publicado em 7 de agosto de 2006, no Correio Popular de Campinas.)
Nesse fragmento textual, podemos perceber, por exemplo, que o texto comunica mais por aquilo que está implícito do que pelas in formações que estão na superfície dele.
Essa análise permite-nos afirmar e entender a complexidade que envolve o processo de comunicação. Existe um texto explícito e outro implícito; este muitas vezes com mais informações que aquele.
Texto 2
Nessa tira de Luiz Fernando Veríssimo, vemos, ao mesmo tempo, pressupostos e subentendidos. Analisemos.
Esses conceitos acima desenvolvidos ajudam-nos a perceber e a reiterar a necessidade de um olhar atento sobre o tecido textual que nos é colocado nas provas de interpretação de textos, com destaque para as do Enem. Termos a consciência desses recursos ajuda-nos a não sermos um leitor desavisado, aquele que se perde nos distratores e na leitura extrapolativa, inimigos da compreensão eficiente do texto; aquele que se ocupa mais da própria opinião que daquela colocada pelo texto lido. Atenha-se, para uma leitura fiel ao texto, àquilo que o texto diz explícita ou implicitamente, lembrando que há limites para o implícito. Boas leitura, sucesso nos exames!
Alison Leal é professor de Português do Percurso Pré-vestibular e Enem.