As frias páginas de um livro de História podem nos dar a impressão que a Igreja Católica perdeu seu esplendor na passagem da Idade Média para a Moderna. Essa sensação é transmitida, por exemplo, no contexto do Renascimento Cultural: movimento vanguardista que retomava o conhecimento greco-romano no intuito de se desvencilhar de teos (Deus) para compreender o mundo por meio de uma visão que valorizasse o antropos (homem).
Baseados nesse racionalismo, alguns homens elevaram suas vozes contra supostos dogmas abusivos praticados pela Igreja Católica, consolidando a Reforma Protestante. Relutante às críticas sofridas, o alto clero romano perdeu seu controle sobre várias regiões europeias como, por exemplo, a Inglaterra, onde o próprio rei, Henrique VIII, fundou a Igreja Anglicana e passou a acumular poderes políticos e religiosos.
Contrariando essa suposta minimização, a Igreja Católica se valeu da a arte barroca para intimidar seus fiéis e ostentar as luxuosas riquezas vindas de terras americanas e orientais. O que dizer então do resgate do Tribunal da Santa Inquisição? A cada corpo que ardia na fogueira, o clero não só eliminava um herege, mas, relembrando tempos medievais, impunha seus valores sócio culturais por meio da disseminação do medo.
Ainda buscando frear o ímpeto protestante, os católicos se fizeram presentes nas viagens que compuseram a Expansão Marítima. Embora os grandes navegadores representassem interesses comerciais dos Estados que lhes patrocinavam, eles levavam consigo símbolos religiosos (como a Cruz de Malta de Vasco da Gama), além de clérigos que, mesmo em alto mar, não se esqueciam de coordenar longas rezas e procissões.
Desembarcados, os colonizadores não deixavam por menos e, representados por ordens como a Companhia de Jesus, se embrenhavam em regiões de difícil acesso alegando o interesse bíblico de converter os não cristãos. Para os céticos, os jesuítas representavam a avareza de uma Igreja abalada pela Reforma, o que não apaga a surpreendente disposição física e espiritual de homens como Padre Antônio Vieira, que pregou seus sermões aos índios brasileiros.
Esse misto de razão e fé, de protestantismo e catolicismo tornou o século XVI um dos mais interessantes no que se refere às mentalidades. Toda essa confusão pode ser averiguada nos relatos de navegantes, que se valiam de recursos tecnológicos avançados para a época mas se obstinavam em estruturar reinos cristãos. O mesmo valeu para conquistadores como Hernán Cortez, que de forma cruzadista, justificava o sangue derramado na conquista dos Astecas como uma guerra justa travada contra um povo incrédulo.
Longe de significar uma incoerência, a “dupla personalidade” dos homens seiscentistas revela a pouca abrangência inicial da razão renascentista ou mesmo como a Reforma Protestante se alastrou de forma localizada. Em um movimento contrário, os reinos cristãos ibéricos reafirmaram sua fé católica que, com ares de fanatismo, foi perpetuada nas colônias mantidas por Portugal e Espanha em diversas partes do planeta.
Celso Idamiano é professor de História no Percurso Pré-vestibular e Enem.