Costuma estar na nossa própria família o principal ponto de apoio para a concretização de nossos sonhos e conquistas mais difíceis.
Normalmente os pais, além de incentivadores, são também os patrocinadores dos filhos em suas escolhas.
Quando se trata da escolha da profissão, não costuma ser diferente. A família, mesmo que de forma não intencional, acaba por exercer uma influência direta, pois nela, comumente, estão nossos principais exemplos de vida, sobretudo no campo profissional. Da mesma forma, a escolha do curso e da universidade tende a sofrer a interferência dos pais, principalmente quando estes são graduados, uma vez que já trilharam o caminho que agora os filhos almejam trilhar. Mas, muitas vezes, justamente o que poderia ser um apoio começa a se tornar um problema a mais na vida do adolescente em sua preparação para o vestibular.
É muito comum os pais ou outros familiares mais experientes comentarem seus heroicos feitos estudantis em meio ao turbilhão de novidades, livros e hormônios que os adolescentes estão enfrentando naquele momento. Comentários como “no meu tempo eu trabalhava e estudava e ainda passei de primeira na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)” encerram uma relação de valor muito justa, mas que, embora bem intencionada, está muito distante da realidade e do contexto com os quais o estudante de hoje lida em termos de preparação e concorrência para ingressar no sistema federal de ensino superior.
Os vestibulares, assim como as pessoas e as profissões, são dinâmicos e podem mudar consideravelmente em um curto período. Temos na UFMG um exemplo claro disso. Considerada uma das melhores universidades do país, durante muitos anos a UFMG adotou um processo de seleção por meio de um vestibular próprio, mas que, a partir da última década, sofreu alterações importantes. Em 2009, a universidade adotou uma política inclusiva, por meio de um Programa de Bônus, com acréscimo de até 15% na nota de candidatos que cursaram sete anos de escola pública e se autodeclaravam negros ou pardos. Em 2011, a avaliação da primeira etapa do vestibular foi substituída pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, já em 2013, a UFMG fez a adesão à chamada Lei de Cotas (Lei 12.711/2012), com reserva de 12,5% das vagas do vestibular segundo critérios étnicos, socioeconômicos e por egressos de escolas públicas. No ano seguinte acontece a alteração mais significativa de todas, e que vigora até hoje, quando o processo seletivo para a maioria dos cursos presenciais de graduação passa a ser baseado na pontuação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação (MEC), tendo por base o resultado do Enem, ocorrendo assim o fim do vestibular tradicional. Por fim, em 2016, a UFMG começa a adotar de forma integral a Lei de Cotas, com a reserva de 50% das vagas para cotistas.
Em menos de uma década, refletindo mudanças na sociedade brasileira, o vestibular da UFMG sofreu alterações que impactaram profundamente o nível de concorrência e o perfil dos ingressantes, sem que necessariamente tenha havido alteração relevante na quantidade de vagas disponíveis para cada curso.
Estudos com um corte temporal mais dilatado demostram outros aspectos importantes a serem considerados. Em relação ao curso de Medicina da UFMG, que é o mais concorrido, pesquisas apontam que, nos anos de 1992 e 1995, cerca de 50% dos aprovados haviam passado em sua primeira tentativa de vestibular (Ferreira et al, 2000). Em 2013, para se ter uma ideia, a realidade é completamente diferente, com apenas 10,9% dos candidatos aprovados na primeira tentativa, de acordo com dados estatísticos da Comissão Permanente do Vestibular (COPEVE/UFMG) divulgados pelo Boletim Informativo da Faculdade de Medicina da UFMG em maio de 2013. Ou seja, passar de primeira na UFMG, sobretudo em cursos concorridos como Medicina, passou a ser uma exceção, mesmo para os alunos mais dedicados.
Ainda sobre o curso de Medicina da UFMG, outras pesquisas trazem a informação de que em 1975 a maioria dos alunos era de escolas públicas, cerca de 70%. Já em 1980 essa realidade é invertida, com 60% provenientes da rede particular (Miranda et al, 2002). Em 2013, segundo os dados estatísticos da COPEVE já mencionados, o número de ingressantes no curso de Medicina vindos de escola particular era ainda maior, 84,1%, contra apenas 15,9% de escolas públicas. Sob essa perspectiva, fazer o ensino médio na rede particular de ensino deixou de ser um diferencial para ser o “lugar comum” entre os concorrentes do curso Medicina da UFMG.
Contudo, a partir da integralização da adesão à Lei de Cotas pela UFMG, em 2016, ocorreu uma nova mudança nesse cenário. Pela primeira vez, o percentual de alunos aprovados e que estudaram em escolas públicas (53%) foi superior ao de alunos egressos de escolas particulares (47%), segundo pesquisa feita pela Pró-Reitoria de Graduação da UFMG. De acordo com o pró-reitor de Graduação da UFMG, Ricardo Takahashi, em entrevista para o portal de notícias da instituição, em dezembro de 2016, essa relação tende hoje ao equilíbrio: “Com as cotas, ocorreu uma equalização, de tal maneira que hoje todos os cursos têm proporção parecida desses estudantes, que até 2012 se concentravam em algumas áreas, enquanto outras eram mais elitizadas.”
Ainda nesse contexto, é fundamental que os pais compreendam o processo de seleção pelo Sisu, com base no resultado do Enem, o que torna a concorrência não mais local, municipal ou estadual, mas sim nacional. Dessa forma, na mesma medida em que meu filho pode concorrer a qualquer vaga do Sisu em todo o país, os alunos de outros Estados podem disputar uma vaga na minha cidade. Muitos são os impactos quantitativos e qualitativos na relação de concorrência decorridos desse processo. Como exemplo, houve uma ampliação da presença de alunos oriundos de outros estados brasileiros na UFMG proporcionada pelo Sisu, com um percentual que passou de 4,45%, em 2012, para 9,6%, em 2016.
Dados divulgados pelo MEC mostram que, nas últimas três edições do Enem, a UFMG foi a instituição de ensino cadastrada no Sisu que mais recebeu inscrições. Apenas em 2018 foram mais de 155 mil inscritos para cerca de 6300 vagas.
Não bastassem todos esses fatores, ainda há a prova. Nesse sentindo, o Enem sofreu alterações nos últimos anos, tendo passado a aplicar a avaliação em dois domingos consecutivos, e não mais em um único fim de semana, e com acréscimo de meia hora em um dos dias. Ter uma semana entre as provas pode ser muito produtivo em termos de preparação e descanso, mas também pode trazer muita ansiedade. Assim, traçar uma estratégia para esse intervalo entre as provas é fundamental, inclusive para os pais. Por exemplo, a insistência em querer saber como o filho foi no primeiro dia pode soar como falta de confiança e gerar pressão para o segundo dia. Especulações e comparações sobre quantidade de acertos não são produtivas, mesmo porque o resultado final é com base na TRI – Teoria de Resposta ao Item. Ah, a TRI! Quão importante é para alunos e pais entenderem que, no Enem, um mesmo número de acertos pode gerar notas diferentes! Dessa forma, não importa apenas a quantidade de questões acertadas, mas também a qualidade, medida pelo grau de dificuldade de cada item.
Voltamos, assim, ao fundamental na preparação de qualquer vestibular: o conteúdo das provas, claro! Alguns pais não entendem o porquê de seu filho, que quer fazer Engenharia, “perder” tanto tempo estudando filosofia. Afinal, o curso que ele quer é de exatas, então o foco deveria ser na matemática e na física, correto? Na verdade, as coisas não são tão simples assim. Embora as universidades possam colocar pesos diferentes para cada curso ou área, a UFMG, por exemplo, utiliza-se do mesmo peso para todas as matérias. O que isso quer dizer? Que o aluno tem que “ser bom em tudo”. Parece pretensioso, mas é a realidade. E ainda não podemos nos esquecer da Redação, que passa a ser determinante nesse modelo de seleção, uma vez que, quem zerá-la, estará automaticamente eliminado do processo seletivo.
O fato é que o vestibular está longe de ser uma das melhores fases da vida de um jovem e, por consequência, de toda a família. Saber lidar melhor com todas as questões que envolvem o vestibular também vai depender de cada pessoa e de seu contexto familiar. Não há fórmulas ou “receitas de bolo”. Contudo, é consenso entre estudiosos que manter uma rotina de estudos e uma vida social equilibrada, fazer uma atividade física, ter uma boa alimentação e sono adequado e, quando necessário, acompanhamento psicológico, são determinantes para o bom desempenho nos estudos. Fica evidente, também, que a família que se envolve e procura entender melhor a realidade do vestibular na qual seu filho está inserido terá mais condições e encontrará mais recursos para ajudá-lo nessa caminhada.
Alexandre Barboza é coordenador pedagógico do Determinante Pré-Vestibular.