A chegada da energia no campo já vem sendo responsável pelo que se poderia definir como êxodo urbano, ou o êxodo rural ao contrário. Pesquisa do Ministério das Minas e Energia (MME) aponta que num universo de 2 milhões de famílias beneficiadas pela primeira fase do programa Luz para Todos, 4,8% passaram a residir no local depois da instalação do fornecimento de energia elétrica.
Isso significa que quase meio milhão de pessoas fizeram o percurso inverso, da cidade em direção ao campo, depois que as residências de suas famílias foram conectadas à rede. Elas foram atraídas pelas melhorias das condições de vida, que vão desde a possibilidade de comprar uma geladeira para conservar os alimentos por mais tempo até a melhoria das condições de segurança, passando pela possibilidade de incremento na renda, pelo banho quente no chuveiro e pela aquisição de bombas d’água.
A cilindreira Ivone Maria de Oliveira, de 46 anos, nasceu e foi criada na Comunidade quilombola de Mangueiras, na Região Nordeste de Belo Horizonte. Saiu de lá porque a vida era muito difícil e foi morar na vizinha Santa Luzia, na Região Metropolitana da capital. A perspectiva da chegada da energia elétrica foi definitiva para que ela voltasse a viver na comunidade sete meses antes da ligação efetiva à rede elétrica.
“Esses sete meses passaram voando. Isso não foi nada para quem já tinha esperado tanto tempo, mais de 100 anos”, afirma. No dia em que a luz foi ligada, os moradores fizeram um lanche coletivo para comemorar. “De lá para cá, as condições de vida mudaram muito. A gente não tinha geladeira, a carne tinha que ser mantida na gordura para não estragar ou tinha que ser secada no fogão a lenha.”
A chegada do insumo trouxe benefícios, mas também um problema. É que os moradores, desacostumados com a conta de luz, se assustaram com as faturas no fim do mês. “Penamos para aprender, mas aprendemos. A situação da educação melhorou, construímos uma sala de aula aqui e também um centro multiuso com computadores”, diz Ivone. Hoje, 48 pessoas, reunidas em 22 famílias, vivem no local.
“Esperamos a volta de outras famílias por causa da luz e da água”, sustenta o presidente da comunidade quilombola, Maurício Moreira dos Santos. De acordo com ele, a energia deu mais estabilidade para a vida dos que vivem ali porque antes não havia luz e nem equipamento público algum.
EXPECTATIVA Aurélio Pavão de Farias, diretor nacional do Programa Luz para Todos, responsável por levar energia elétrica para o Brasil rural, explica que o que tira o homem do campo é a expectativa de melhoria de vida que ele tem ao se mudar para um centro urbano.
“A falta de expectativa de qualidade de vida contribui para que as pessoas se mudem para os grandes centros, mas a chegada da luz facilita o seu retorno. A demanda das crianças por TVs, por exemplo, influi muito porque isso melhora a interação delas com o mundo. Outra coisa que facilitou a vida foi a possibilidade de as mulheres comprarem máquinas ou tanquinhos para lavar roupa”, afirma.
De acordo com ele, nas visitas técnicas realizadas pelo Luz para Todos é perceptível uma mudança “da idade das cavernas para o século 21”. Isso acontece porque quem vive na escuridão, sem acesso aos beneficios da energia, tem a vida transformada com a chegada do insumo.
“A primeira mudança aparece com as facilidades trazidas pela geladeira, televisão, liquidificador. Mas as crianças passam a se aproveitar da luz artificial para estudar em casa, e em muitas situações a aquisição de uma simples bomba d’água muda a vida das pessoas, porque permite a multiplicação da lavoura.”