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Estado de Minas

Grupos contra e pró militares travavam calorosos debates na Assembleia


postado em 09/03/2014 06:00 / atualizado em 25/03/2014 15:05

Uns chamam de golpe e outros de revolução. “Acho que está mais para revolução do que para golpe.” “Foi nitidamente um golpe.” A primeira opinião, do deputado federal Bonifácio Andrada (PSDB), e a segunda, do ex-ministro Paulino Cícero de Vasconcelos, são atuais, mas mostram bem uma divisão que acirrava os debates no plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em meados de 1964, quando os dois ocupavam cadeiras na Casa. Os representantes da família mineira, tradicionalista por natureza, travavam acaloradas discussões. Enquanto um grupo esbravejava contra o perigo de o comunismo se instaurar no país, a outra turma, mais identificada com os sindicatos, saía em defesa de João Goulart e pregava que era preciso deixar as instituições trabalharem e as mudanças por ele pregadas ocorrerem.

Era um período de muita tensão. No fim de 1963, um episódio que ficou conhecido como o Massacre de Ipatinga, no Vale do Aço, levou à morte de trabalhadores em razão de conflito com a polícia. Chegou a ser aberta comissão na ALMG para apurar as responsabilidades, mas o trabalho ficou inconcluso com a intervenção militar no ano seguinte.

Outro foco de conflito, ocorrido em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, quando o poder local reagiu à presença da Superintendência de Reforma Agrária (Supra), dominou as discussões no Legislativo em fevereiro de 1964. Já às vésperas do golpe, os deputados discutiam um requerimento que pedia voto de congratulações ao povo e às autoridades locais de Valadares pela atitude contrária à reforma agrária.

Na reunião de 18 de fevereiro, o deputado Aníbal Teixeira foi à tribuna:  “Manifesto o apoio aos valadarenses que, de maneira viril, protestaram contra mais esta etapa da guerra revolucionária que é promovida com a aquiescência criminosa do sr. João Goulart”. Segundo ele, o Partido Comunista queria incitar um estado de animosidade para sabotar as reformas de base. O deputado Waldomiro Lobo alertou aos colegas preocupados com o comunismo cubano. Segundo ele, perigo maior e mais próximo estava no comunismo boliviano.

Em resposta, o colega Wilson Modesto disse que aqueles que pregam o perigo vermelho estavam fazendo intriga porque não sabem ganhar as eleições. “Mas o presidente está tranquilo, com um só pensamento, que é o de dirigir esta pátria até o término do seu mandato e passar a faixa presidencial àquele que de fato tiver o sufrágio popular e for escolhido pelo povo para ser o seu sucessor depois de 1966.”

Passado o golpe, os parlamentares, que até então travavam debates aguerridos, se calaram. “A Assembleia cumpriu o papel que a ditadura deu para ela, de ser um órgão de fachada para mostrar que o país estava em uma democracia e as instituições estavam funcionando. Há um revezamento de ditadores em uma democracia limitada. A Assembleia ficou votando só requerimentos inúteis, nomes de ponte e escola e datas honoríficas, completamente esvaziada, pois quem mandava era a Lei de Segurança Nacional e os militares governavam por decretos”, explica o historiador Luiz Fernandes de Assis.

Bonito discurso

Aos 77 anos, Paulino Cícero, que havia sido eleito pelo PSP e migrou para o PSD, se recorda DE que em 31 de março de 1964, quando as tropas mineiras marchavam para o Rio pelo golpe, foi à tribuna fazer um discurso contrário à tomada de poder pelos militares. “Eu dizia ‘voltem os militares para os seus quartéis, que é para isso que eles foram feitos’. Nada é tão importante em um país quanto assegurar a pureza das instituições. Modéstia à parte, foi um bonito discurso”, conta. Ao levar as notas taquigráficas para fazer correções e devolver aos anais do Legislativo, a sogra, temendo represálias a Paulino pelo militarismo que já se anunciava, deu um sumiço no texto.

No ano anterior, sem conseguir a instauração de uma comissão parlamentar de inquérito para tratar diretamente do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), Paulino conta ter mudado o pedido e, assim, emplacou a investigação sobre o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), com seus anexos. Após colher depoimentos, inclusive de um representante do Ibad, a comissão concluiu que esses órgãos injetaram dinheiro na campanha de deputados estaduais e federais para que eles fizessem o povo crer que o perigo comunista rondava o Brasil e vinha do governo Jango. E mais: 30 deputados estaduais haviam sido eleitos com esse apoio.

O ex-deputado disse que os arquivos da CPI sumiram. “Tinha uma turma de uns 20 a 25 deputados, entre os quais me incluía, que apoiava o Jango e achava que o Ibad era uma intervenção na política nacional financiada por dinheiro estrangeiro e dos banqueiros”, lembra. Paulino conta que escapou duas vezes de ser cassado.

Ele lamenta o fato de a Assembleia ter cedido a pressão e cassado seus próprios pares. “Isso nos foi apresentado como uma solução pelo pessoal da área militar, para que houvesse uma acomodação no estado”, disse.

Perigo vermelho

Bonifácio Andrada, DE 84 anos, à época na UDN, estava na trincheira oposta. “Fui para a Rádio Inconfidência defender os ideais democráticos e me posicionar contra as esquerdas. O próprio governo de Minas, comandado por Magalhães Pinto, a polícia de Minas e os jornais da época, todos começaram a fazer uma frente única em Minas contra as esquerdas, temendo um golpe que viesse apoiado por Fidel Castro (à época presidente de Cuba) e pelo presidente João Goulart”, justificou.
Andrada ressalta que, para entender o pensamento do período, é preciso considerar o contexto da Guerra Fria, em que o país se dividia entre o capitalismo norte-americano e o socialismo da União Soviética. “A notícia de que havia armamentos em Cuba capazes de gerar uma guerra atômica aumentou as tensões internacionais. A América do Sul inteira começou a perceber isso e, naturalmente, os militares começaram a se preparar para enfrentar conflitos”, narra.

Ao lado dos militares, as elites empresariais no Brasil começaram a se movimentar. “No Brasil há grande repercussão  da Guerra Fria e sobretudo em Minas, estado de formação católica cristã. Havia temor de que os comunistas fossem ter predominância no mundo e no país.”

Em Minas, Andrada conta que o clima levou à formação da Ação Democrática Parlamentar, à qual ele pertencia. “Quase 90% dos deputados assinavam esse movimento numa posição anticomunista. A ação democrática não tinha ligação com os militares, fazíamos parte da resistência a possíveis ações de esquerda”, afirmou o parlamentar.

Para Andrada, que também pertenceu à Arena, não houve ditadura no Brasil. “Ao contrário de países como Argentina, Chile e Colômbia, não tínhamos ditadura, tínhamos a corporação militar no poder. Embora tenham agido de forma violenta, eles não eram ditadores.”

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