Ao lado de familiares, amigos e aliados, Juscelino Kubitschek esperou em 8 de junho de 1964, em seu apartamento na Vieira Souto, no Rio de Janeiro, o anúncio da cassação de seus direitos políticos. Confidenciou amargurado à sua filha Maria Estela, diante dos convites dos embaixadores da Espanha, do Paraguai e de Portugal: "Eu, um democrata, recebo a oferta de asilo político de Francisco Franco, Salazar e de Alfredo Stroessner". Maria Estela estava grávida de três meses. "Naquele dia, fumei o meu primeiro cigarro", conta ela.
Para deixar o país, JK optou pelo salvo-conduto espanhol. Mas se fixaria em Paris. Em 13 de junho, o ex-presidente e a esposa Sarah chegaram ao aeroporto acompanhados do embaixador da Espanha, Jaime Alba Delibes, e do coronel Affonso Heliodoro. Ambos abriam caminho em meio a uma multidão que o saudava com o Hino Nacional e o Peixe Vivo. Tumulto. Oficiais da Aeronáutica arrancaram as armas. "Querem matar JK", gritaram alguns. Um militar encostou o cano do revólver na barriga de Maria Estela. Sarah, que subia as escadas do avião, viu a cena. Deu meia volta, dedo em riste, avisou: "Tire essa arma da barriga da minha filha. Ela está grávida!". Foi obedecida.
O relato é de Maria Estela. "Meu pai só conheceu o neto João César, que nasceu em dezembro, quando ele já estava com seis meses. Eu o levei a Paris. Foi batizado lá", revela. A notícia do nascimento do neto, que recebeu o nome do pai de JK, chegou a ele e a Sarah por telegrama enviado pelo genro Rodrigo, em 6 de dezembro de 1964. O ex-presidente e a esposa estavam em Lisboa.
Caneta tinteiro à mão, JK escreveu à filha e ao genro: "A distância, a saudade e a solidão agravam qualquer estado de espírito e nos tornam muito emotivos. Ao recebermos em Lisboa o telegrama do Rodrigo não dissemos uma palavra. A garganta secou e só o silêncio permitiu que a emoção não transbordasse em outras manifestações". Nessa carta, publicada por Maria Estela na obra Simples e Princesa, JK agradeceu sensibilizado a homenagem prestada ao seu pai: "Sei que você e Rodrigo quiseram me dar nesta hora uma prova excepcional de amizade. Assim a recebi. Por isso mesmo mais sensível fiquei ao gesto de ambos. Não sei se chegamos ao fim das provações".
Juscelino pretendia retornar ao Brasil em 22 de dezembro de 1964, para passar o Natal com a família. Ele explicou à filha Maria Estela por que desistira. "Sua mãe pediu à Senhora de Fátima que mandasse um aviso sobre se estava certa a data escolhida. Ao voltar a Lisboa, surgiu a história dos astrólogos. Foram tão persuasivos que a eles se renderam todos (...) Fizeram um cerco em torno de mim", escreveu. Além da "astrologia", JK havia tido informações, dias antes, de que nem ele, nem Juan Domingos Péron, presidente argentino exilado em 1955, também afastado por golpe militar, entrariam na América Latina. "A notícia provinha de fontes muito seguras. A questão com o ditador argentino explodiu exatamente no instante em que os astrólogos sustentavam a tese do adiamento. Consequência: sua mãe meteu os pés no chão e não aceitou mais conversa." JK prosseguiu na carta ironizando a interferência "esotérica" na decisão de adiar o retorno ao país: "Demos um rápido recuo para alguns milênios atrás, à época em que Alexandre deixava a Macedônia e por mares incertos e frágeis embarcações ia ouvir o oráculo de Delfos. Concordei, agora. É a última transigência (...) Peço-lhes que guardem reserva de tudo isso. Seria ridículo que essa notícia se espalhasse".
JK precisava se defender das acusações reverberadas por Carlos Lacerda de que seria "a sétima fortuna" do mundo. Levava vida modesta em Paris, instalado num pequeno apartamento de dois quartos no Boulevard Lannes, 65. Em cartas confidenciais dirigidas aos deputados federais Carlos Murilo e Renato Azeredo naquele ano, publicadas por Serafim Jardim na obra JK, Onde está a verdade?, o ex-presidente tentava articular um movimento de reparação histórica, tentando restaurar a verdade sobre a sua situação financeira e sua conduta como homem público. Sugeria uma estratégia, empregada pelos maquis - grupos franceses de resistência ao nazismo na Segunda Guerra Mundial.
Ainda acreditando que no ano seguinte haveria eleições presidenciais, JK recomendou em 29 de junho de 1964 a Carlos Murilo e a Renato Azeredo: "(...) o primeiro passo nessa luta é destruir o hidrófobo da Guanabara. Cinco anos de governo desse louco arrasariam o Brasil e nos condenariam a um exílio perpétuo". A referência era ao udenista Carlos Lacerda. Este trabalhara pela cassação de Juscelino Kubitschek, atiçando o marechal da linha dura Costa e Silva. Lacerda, que sonhava em concorrer à Presidência da República em 1965, afastava aquele que, acreditava, seria o seu principal adversário nas urnas. Pesquisa de opinião realizada pelo Ibope antes da cassação de Juscelino Kubitschek, entre 15 e 20 de março de 1964, indicava JK com 37% das intenções de voto, Carlos Lacerda com 25%, Ademar de Barros com 9%, Magalhães Pinto com 7% e 22% indecisos.
A história impôs a Lacerda o seu revés. Não haveria eleições presidenciais. Houve o Ato Institucional número 2, suspendendo o voto direto para presidente da República. Inconformado, o "hidrófobo" seria empurrado para a oposição. Mais precisamente para o colo de JK.
Os tempos cada vez se tornariam mais difíceis. A expectativa manifesta por JK em carta aos seus compadres Joaquim e Bertha Mendes de Sousa, "de que o Natal de 64 seria o último longe do Brasil, encerrando o seu inferno astral", não se concretizou. O exílio de JK se encerrou em 9 de abril de 1967, durante o governo de Costa e Silva, responsável no meio militar pelo enredo de sua cassação. "Só morto deixo o Brasil outra vez", afirmou ao desembarcar no Rio de Janeiro. O ex-presidente morreu em agosto de 1976, num acidente de carro na Via Dutra, até hoje envolto em polêmica sobre a participação do regime militar no episódio.