Conceição do Mato Dentro, Ferros e Santa Maria de Itabira – Entre descargas de dejetos e assoreamento que reduzem a quantidade de água dos mananciais mineiros e suas nascentes, existe um santuário. Dentro da mais degradada bacia hidrográfica de Minas Gerais há águas ainda puras que afloram nas montanhas, percorrem o interior do estado e preservam espécies que não existem em mais lugar nenhum do planeta. Contudo, o esquecimento que manteve saudável e vigoroso o Rio Santo Antônio, um abrigo natural de animais e da Mata Atlântica dentro da Bacia do Rio Doce, está ameaçado. Projetos de mineração, hidrelétricas e a expansão agrícola e urbana não só se apropriam vorazmente da água como introduzem esgoto num hábitat delicado, onde ainda nadam os últimos espécimes de andirá, surubim do doce, pirapitinga e timburé.
“Tínhamos o registro das coordenadas geográficas da nascente, mas não se sabia que os produtores rurais estavam cortando a mata e plantando eucaliptos. Por ser uma Área de Preservação Permanente (APP), a nascente não pode ser tocada e a floresta ciliar cortada. Isso será denunciado às autoridades”, disse o secretário de Meio Ambiente de Conceição do Mato Dentro e diretor do CBH do Rio Santo Antônio, Sandro Lage, que acompanhou a reportagem do Estado de Minas ao local. Outros olhos d’água daquela área rural que abastecem o manancial também se encontram desprotegidos, sem cercamento ou fiscalização, à mercê do uso que os proprietários de terra decidirem dar a eles, mesmo que, de acordo com a Constituição, nascentes e cursos d’água sejam propriedade da nação. Tem sido comum eles serem represados, desviados, cercados por plantações e até chiqueiros de porcos.
A aparência pura da água do Rio Santo Antônio não dura muito. Depois de passar pela zona rural de Conceição do Mato Dentro, o Córrego Santo Antônio do Cruzeiro, que dá origem ao manancial, começa a receber cargas de dejetos domésticos e lixo dos distritos e, em seguida, da cidade de Conceição do Mato Dentro. Uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Copasa foi instalada em outubro para barrar as impurezas, mas a reportagem do EM coletou amostras de água do Rio Santo Antônio depois de passar pela ETE e constatou em exame laboratorial que o nível de coliformes termotolerantes excedia em 19.863% o limite estabelecido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). O parâmetro é indicativo de esgoto doméstico lançado nas águas. De acordo com a Copasa, a eficiência média da ETE é de 78%, superior ao exigido pela legislação, que é de 60%.
DESMATAMENTO No ponto em que passa pela ETE, segundo os análise do Pardh, o Rio Santo Antônio conserva apenas 53% de suas condições naturais, devido aos desmatamentos para abertura de pastagens, matadouros e lançamentos de esgoto doméstico e industrial. “O Rio Santo Antônio merece uma preservação especial, pois ainda é um santuário que abriga espécimes que só existem lá. Isso confere ao rio um status de grande importância na conservação da biodiversidade do planeta”, afirma o biólogo e mestre em recursos hídricos Rafael Resck. A situação é mais delicada do que em outros rios, na opinião do especialista, porque, em caso de degradação, o Santo Antônio pode nunca mais voltar a ser o mesmo. “Se as espécies que existem lá morrerem, não haverá como reintroduzi-las ou despoluir o rio para que voltem a povoá-lo, como tem ocorrido em alguma extensão do Rio das Velhas”, compara.