Jornal Estado de Minas

População de Sem Peixe lamenta desastre ambiental no Rio Doce


Sem Peixe –
Enquanto pesquisadores avaliam o tamanho dos estragos, a população olha desolada para o rio que teve a cor esverdeada trocada pelo aspecto barrento nos últimos 46 dias. Na área rural de Sem Peixe, cidade de 2,8 mil habitantes na Zona da Mata, o produtor rural Valderci Ventura lamenta o que ele considera a morte do rio. “Não tenho esperança de pescar aqui novamente”, acredita. O terreno da família de Valderci, de 1,5 alqueire, fica na margem do Rio Doce, próximo ao povoado de Camões. Com duas bombas de sucção, ele levava água do manancial para irrigar a horta e as plantações, além de o rio ser fonte para os animais beberem água.

“O Tião, meu primo, uma vez tomou uma multa dos fiscais por pescar lambari no rio. Ele deixou para lá, não pagou e quase perdeu o barracão dele, na Vila Columbiara, em Belo Horizonte”, recorda Valderci, que considerou a multa injusta e diz que a lama da mineradora Samarco (controlada pela Vale e BHP Billinton) matou todos os peixes. Ele afirma que não observa o mesmo rigor na punição ao primo dele e aos responsáveis pela barragem.

O nome da cidade remonta a uma lenda indígena. Quando os índios habitaram a região, batizaram o local de Piracuera, palavra que significa “Aqui não tem peixes”.
Os índios se referiam ao Rio Sem Peixe, que cruza a parte urbana da cidade e é afluente do Doce. “Cada lambadinha que a lama dava meu coração doía. Agora, aqui é Sem Peixe mesmo”, afirma Marli Ventura, mulher de Valderci. Sobre os peixes, o relato de Marli e Valderci é desalentador. “Depois da lama, só tinha urubu comendo os peixes mortos”, recorda Marli. “Vi mais de 50 peixes entre tilápia, traíra, dourado e bagre africano. Todos mortos.
Vi peixe de mais de 6kg”, completa o produtor rural, que tinha duas canoas para pescar, mas uma foi levada pela lama.

SEM ‘PRAIA’ Marli afirma que a família perdeu toda a horta, que era completa com couve, cebolinha, quiabo, cebola, alface e pimentão. “Faltou água para molhar e a horta morreu”, explica. Valderci e Marli também lamentam não usar mais o rio para se refrescarem. “Tinha final de semana que ficava cheio de carro aqui em casa. O pessoal da família vinha para cá e o fundo da horta virava uma praia”, lembra Marli. O que era areia virou uma lama escura e densa. A água do rio também era usada pela família até para lavar roupa, ofício executado por décadas por Maria José Ventura, de 75 anos. “Quando eu olho para o rio penso em chorar.
Não tenho alegria. Isso aqui era uma riqueza para nós”..