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Estado de Minas

Niemeyer, o arquiteto que driblou a ditadura


postado em 05/12/2012 23:14 / atualizado em 05/12/2012 23:30

(foto: Juscelino Somentino/CB/D.A Press - 19/3/86)
(foto: Juscelino Somentino/CB/D.A Press - 19/3/86)
O artista das formas ousadas e dos monumentos repletos de curvas nunca escondeu suas posições políticas. Oscar Niemeyer dedicou a vida a duas de suas grandes paixões: a arquitetura e o comunismo. De suas mãos, saíram os traçados de projetos inovadores, como os prédios monumentais de Brasília, mas também manifestos em defesa da democracia, cartas a amigos do antigo partidão e inúmeros artigos em que ele não hesitava declarar: "Eu sou mesmo um comunista". A sua ideologia sem disfarces era um incômodo e um motivo de constrangimento para os militares durante a ditadura. Mas o enorme prestígio internacional de Niemeyer livrou-o de prisões e de interrogatórios mais duros.

Documentos sigilosos do governo militar guardados no Arquivo Nacional comprovam que todas as atividades do arquiteto eram monitoradas e que as declarações, os projetos e as entrevistas de Oscar causavam enorme desconforto entre os integrantes da alta cúpula. O Correio teve acesso a arquivos liberados graças à Lei de Acesso à Informação que revelam a visão dos militares a respeito do arquiteto: Niemeyer era considerado um inimigo, com contato próximo aos "escalões avançados da subversão estudanti" e dono de um perigoso discurso antiamericanista. Além das posições políticas, nem mesmo o trabalho de Oscar escapou de questionamentos e acusações. Os documentos revelam uma grave acusação que teve repercussão entre os militares da época: um coronel se empenhou em divulgar o boato de que trabalhos de Niemeyer seriam um plágio dos projetos do arquiteto suíço Le Corbusier.
Um documento do Serviço Nacional de Informações (SNI) de 1973, cujo assunto era "Oscar Niemeyer", esmiuça em quatro páginas os passos do arquiteto. O ofício detalha principalmente entrevistas, encontros e suas atividades. "O presente documento de informações trata dos aspectos ideológicos das atividades de Oscar Niemeyer, não tendo sido focalizados os casos de natureza técnico-administrativa ligados a Brasília, como o plágio de Le Corbusier", diz o documento localizado pela reportagem no Arquivo Nacional.

Plágio de Le Corbusier

A acusação dos militares de que Niemeyer teria copiado trabalhos do colega suíço é apenas mencionada no ofício, que não traz detalhes sobre o caso. Mas o Correio apurou que o trecho é referência a uma notícia propalada à época pelo coronel Miguel Pereira Manso Neto, que foi assessor do governo Médici. Segundo amigos de Niemeyer, e de acordo com o próprio arquiteto, o militar reuniu croquis e fotos para tentar provar que Oscar plagiava Le Corbusier. Ele dizia que a Igrejinha da Asa Sul seria %u201Cuma cópia%u201D de um templo projetado pelo suíço para a cidade indiana de Chandigarh.

Niemeyer se lembra do caso com palavras cheias de revolta."A indignidade atinge limites inimagináveis quando o coronel Manso Neto arranja um croqui com o qual pretende provar que copio Le Corbusier. O plano prossegue e, na prefeitura, cópias são distribuídas aos ministros e pessoas importantes", relembra Oscar Niemeyer em seu livro de memórias Curvas do tempo. "Só tomei conhecimento dessa indignidade muito tempo depois e, como não consegui cópia, nada foi possível fazer. A hostilidade orquestrada pelo coronel Manso Neto me revoltou. Vivíamos um clima sórdido demais."

O arquiteto Carlos Magalhães, amigo, ex-genro e representante do escritório de Niemeyer em Brasília, diz que a acusação de plágio difundida por militares foi um dos episódios que mais o indispuseram com a ditadura. "CO coronel Manso Neto virou inimigo pessoal porque atingiu a obra do Oscar, a coisa que ele mais prezava", conta Magalhães. "O que existia era uma relação de mestre e aluno. Le Corbusier era uma inspiração. Mas é claro que não houve plágio, o Oscar é dono de um talento enorme, era inventivo, tinha uma cabeça muito pulsante", comenta Magalhães.

Guerra fria


A relação do arquiteto com a ditadura oscilava entre um contato diplomático para a execução de obras de monumentos e prédios públicos até o conflito declarado, com artigos revoltados de Oscar Niemeyer contra posicionamentos do governo militar. O episódio mais conhecido de atritos entre ele e a ditadura foi a construção do Aeroporto de Brasília. O projeto de um terminal circular, desenhado pelo arquiteto, acabou recusado pelo governo."A solução de um aeroporto deve ser extensível", justificou à época o diretor de Engenharia da Aeronáutica, brigadeiro Henrique Castro Neves.

A recusa ao projeto abriu uma guerra entre os militares e Oscar Niemeyer em 1967. O arquiteto, com o apoio de um grupo de colegas, recorreu à Justiça por meio de uma ação popular, em que pedia o direito de executar seu projeto. "Um aeroporto extensível, já naquela época, era solução superada que deviam rejeitar. Circular era a solução correta. Recorri à Justiça. Apresentamos uma ação popular contra a Aeronáutica, mas perdemos. O juiz se deu ao ridículo - que calhorda - de nos condenar a pagar as custas do processo", relembra Niemeyer, em seu livro de memórias.

Um ministro militar declarou à época que lugar de arquiteto comunista era em Moscou, frase que irritou Niemeyer. Depois do episódio do aeroporto, ele passou a ser perseguido de forma mais ostensiva. "Vivíamos os tempos de Médici, governo fascista. Meus trabalhos começaram então a ser recusados e eu, ameaçado de demissão".

As rusgas entre Niemeyer e a Aeronáutica persistiram nos anos seguintes. No Arquivo Nacional, a reportagem localizou um ofício confidencial datado de setembro de 1969, que determinava a abertura de inquérito policial militar "para apurar, com profundidade, as atividades subversivas praticadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer". As posições políticas do arquiteto "haviam sido relatadas na exposição apresentada pelo excelentíssimo senhor major brigadeiro-do-ar engenheiro Henrique de Castro Neves". Justamente o militar que decidira vetar o aeroporto de Niemeyer dois anos antes.

A invasão da Universidade de Brasília pelos militares e a perseguição contra professores e estudantes também atingiram Oscar, que foi docente da instituição. "Já tinha comparecido à polícia política várias vezes. E a pressão continuou. A universidade foi invadida, nossos colegas exonerados e, dela, um dia, nos demitimos, cerca de 200 professores, em protesto contra tanta brutalidade", recorda-se o arquiteto no livro Curvas do tempo.

Em 1969, os militares abriram inquérito policial para identificar "os responsáveis pelas agitações comuno-estudantis ocorridas na Universidade de Brasília em março de 1968". O documento está no Arquivo Nacional. O nome de Niemeyer é citado várias vezes. O inquérito diz que ele era "um dos influenciadores de fora para dentro da UnB" e que Oscar e outros membros da Associação dos Arquitetos de Brasília "colaboraram, sobretudo, com a FAU (Faculdade de Arquitetura), que é órgão subversivo".

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