Cláudio Arreguy
Jornalista
Ao falarmos sobre o futebol do passado à garotada que consome avidamente o noticiário dos últimos anos, parecemos aquele tio chato da festa de família que se perde nas reminiscências e recebe de volta sorrisos de piedade. Ela se divide entre o argentino Messi e o português Cristiano Ronaldo e em tempos recentes vai se rendendo ao francês Mbappé.
Apaixonado há quase 60 anos pelo mais popular dos esportes e há mais de 45 acompanhando-o profissionalmente, já adianto: adoro ver os três jogarem, sou fã deles, respeito demais a abnegação com que se dedicam ao ofício, a assiduidade com que frequentam as redes adversárias e colecionam taças. São realmente excepcionais.
A trinca está entre os maiores, certamente. Como já estavam antes gênios como o brasileiro Garrincha e os também argentinos Di Stéfano e Maradona. Quase na mesma prateleira, o húngaro Puskás, o alemão Beckenbauer e o holandês Cruyff. Seriam, digamos, os deuses do meu Olimpo particular. E reverenciei, de perto ou pela TV, craques fora de série daqui e do outro lado do Atlântico.
Só no capítulo dos brasileiros, cito Didi, Nílton e Djalma Santos, Carlos Alberto, Gérson, Rivellino, Tostão, Ademir da Guia, Jairzinho, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Reinaldo, Zico, Falcão, Cerezo, Sócrates, Júnior, Leandro, Careca, Romário, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e, ultimamente e bem acima de sua geração, Neymar.
Contemplei jogadas espetaculares dessa ilustre galeria, dribles desconcertantes, gols de placa, passes milimétricos, cobranças magistrais de falta. Posso me dizer um espectador privilegiado. Tudo isso para concluir diante dos exigentes sobrinhos: mas vi tudo isso num homem só.
Pois é, um certo Édson Arantes do Nascimento, nascido num 23 de outubro de 1940 na cidade sul-mineira de Três Corações, reuniu todas as virtudes da turma acima em sua estatura de 1,73m e nos 70kg harmonicamente distribuídos em musculatura quase perfeita para um atleta.
Técnica, velocidade, drible, impulsão, finalização, armação, domínio de bola, visão de jogo, improviso, solução rápida para os mais intrincados lances... Tudo isso e muito mais compunham o repertório de Pelé. Jogadas magistrais eram rotina para quem fazia dos gramados mais do que o local de trabalho, o parque de diversões em que divertia os mais atônitos súditos, a sala de espetáculos em que executava maravilhosos solos.
Como disse certa vez Tostão, por mais que procure, não consegui até hoje encontrar um defeito no maior jogador da história do futebol. Porque entre ele e a bola não havia segredos e, sim, a mais completa harmonia.
Não é qualquer um que faz 1.283 gols. Só ele conquistou três títulos mundiais de seleções – além de dois entre clubes pelo Santos. Este mito que nos deixa dois meses e seis dias depois de completar 82 anos de existência transformou a camisa 10 em símbolo de excelência. Resumiu toda a arte da bola na simplicidade com que colecionava gols e joias do futebol. E liberou os tios para serem chatos ao falar de suas façanhas.
Podem crer. Eu vi jogar. E tive o prazer de entrevistá-lo e/ou bater papo com ele uma meia dúzia de vezes. Guardo com carinho uma foto a seu lado feita há 29 anos em Guayaquil, na Copa América do Equador.
No dia em que a humanidade chora a perda de um dos seus maiores gênios, que representou para a bola o que foi Beethoven para a música ou Leonardo da Vinci para as artes plásticas, só tenho a dizer que quem morreu neste 29 de dezembro de 2022 foi o cidadão Édson Arantes do Nascimento. Porque Pelé, o Rei do Futebol, este é eterno.