Jornal Estado de Minas

ESPORTE

País do beach tennis? Por que número de praticantes quase triplicou no Brasil



Rio de Janeiro, João Pessoa, Natal, Maceió, Vitória e sua vizinha Vila Velha. Também Balneário Camboriú e Guarujá, além de Marechal Deodoro e Aquiraz.


Essas são algumas das cidades brasileiras que sediaram ou vão sediar algum torneio do circuito internacional de beach tennis neste ano.





São cidades turísticas e litorâneas que já mostram que o Brasil está entre os países onde esse esporte é mais popular.


Agora, o que escancara que o Brasil virou o país do beach tennis são as cidades-sede do circuito da Federação Internacional de Tênis (ITF, na sigla em inglês) espalhadas de norte a sul do país, em todas as regiões brasileiras.


Há capitais que não passam nem perto do mar, como São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Teresina e Palmas, e até a mais distante do litoral, Cuiabá.


E muitas outras cidades do interior do país, como Ribeirão Preto, Vinhedo e Sorocaba (SP) ou Maringá, Londrina e Foz do Iguaçu (PR) — e também em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, Goiás e Rio Grande do Norte.


O beach tennis é praticado no Brasil inteiro, em cada vez mais lugares, e por um número crescente de pessoas.


A Confederação Brasileira de Tênis (CBT) estima que o número de praticantes tenha quase triplicado nos últimos três anos, de 400 mil em 2021 para 1,1 milhão em 2023.





(foto: BBC)

A ilustradora Daphne Lambros, de 49 anos, começou a jogar em 2019 em Curitiba e não parou mais.


“Sempre gostei de praia, adoro colocar o pé na areia, mesmo morando em Curitiba. Aqui, sempre tivemos que fazer atividades em espaços fechados, por causa do frio e da chuva. Mas o beach tennis tem um astral praiano. Ao pisar na areia, mesmo sendo uma quadra coberta, eu já me sinto na praia, é muito bom”, diz.


O Brasil também tem vários atletas entre a elite do esporte e se prepara para sediar a terceira Copa do Mundo de beach tennis consecutiva.


Rafael Westrupp, presidente da CBT, diz que mais de 65% dos torneios internacionais da modalidade hoje acontecem nas areias brasileiras e que isso acaba sendo uma vantagem para os atletas daqui.





“Os brasileiros competem no país, ganham em dólar e gastam em reais”, resume Westrupp.

As origens

Uma vila italiana do século 3, em Enna, na Sicília, exibe afrescos com meninas em trajes semelhantes a biquínis jogando uma bola parecida com a de tênis em uma quadra. Elas usam só uma mão e parecem dar tapas na bola, como se os braços fossem raquetes.


Essa seria a pré-história do beach tennis, segundo a Federação Italiana de Tênis (ITF).


O esporte já não está mais moda no país que teria sido seu berço e que é a maior potência em competições.


Segundo a ITF, o beach tennis surgiu nas praias italianas nos anos 1970, quando praticantes de tênis aproveitaram redes de vôlei instaladas na areia e começaram a bater uma bolinha. Logo surgiram os primeiros torneios e regras. Nos anos 1990, os atletas se profissionalizaram. Mas o esporte ainda estava confinado ao Mediterrâneo europeu.





Ele cruzou o oceano só no século 21. Atualmente, é praticado em cerca de 50 países, Brasil entre eles. De acordo com a CBT, a prática chegou aqui pelo Rio de Janeiro, em 2008. Dois anos depois, Florianópolis sediou o primeiro torneio no país.

Mas, ao longo de toda a década passada, o beach tennis foi um nicho muito específico. Aí veio a pandemia de covid-19, e a sua popularidade explodiu no Brasil.


História do beach tennis no Brasil começou no Rio de Janeiro (foto: Getty Images)

País do beach tennis

Nos tempos mais agudos de confinamento, muita gente procurou novas atividades, e o temor do contágio direcionou essa busca para práticas mais seguras contra a covid-19.


“Por ser um esporte ao ar livre, com turmas, em geral, de no máximo seis pessoas, o beach tennis ganhou força no fim da pandemia”, diz Jassy Ribeiro, psicóloga do esporte da Federação Cearense de Tênis e Beach Tennis (FCTBT).





“Além disso, ter os pés na areia, o céu e o vento, sem dúvida traz uma sensação de liberdade, de conexão com a natureza.”

Para a psicóloga do esporte Gabriella Finatti, o contexto pandêmico pode ter dado o pontapé inicial, mas o que sustenta sua popularidade hoje é que ele cria “grupos de pertencimento”.


“Os praticantes se unem para jogar, mas também para socializar. Além disso, o fato de a modalidade ser relativamente nova despertou a curiosidade das pessoas, permitindo que todos possam aprender do zero quase que ao mesmo tempo em todos os cantos do país. É um jogo relativamente fácil, com poucos elementos técnicos complexos”, explica.


Rafael Westrupp, da CBT, diz que o número de praticantes vinha crescendo desde 2013, mas a pandemia fez isso explodir.


“Houve um apelo exponencial em termos de número de praticantes, instalações esportivas e número de torneios internacionais oficiais realizados em território nacional”, explica.





Ou seja, segundo ele, além da curiosidade e da demanda das pessoas, o beach tennis tem crescido no país também graças aos incentivos oficiais.


Em 2022, foram 59 eventos, cada um com dois ou três torneios. Neste ano, são 62.

O Brasil sediou a Copa do Mundo em 2021 e 2022, e em 2023 será sede novamente, em novembro. As prefeituras têm investido na criação de espaços: se antes reservar uma área para esportes de areia significava apenas vôlei e futevôlei, hoje as divisões são diferentes.


A Secretaria de Esporte de Florianópolis informa que “grande parte” dos projetos para futuros espaços públicos, como praças e parques, contará com quadras de areia.


Atualmente, a capital catarinense tem mais de 30 quadras desse tipo administradas pela prefeitura. O Rio de Janeiro regularizou as atividades em espaços públicos em 2021, mas, no ano passado, o beach tennis virou a ponta mais visível de uma disputa pelas praias.





Medalhistas da Copa do Mundo de Beach Tennis 2022, realizada na cidade do Rio (foto: Divulgação/Marcello Zambrana)

O aumento do espaço ocupado por quadras esportivas na orla gerou uma onda de descontentamento que foi parar no Ministério Público.

Entidades como a organização não governamental Grupo Ação Ecológica alegam que a orla é uma área de proteção ambiental e que está havendo uma descaracterização da paisagem, um bem protegido por lei.


A polêmica é mais uma evidência da popularização do esporte. Entre todas as atividades físicas e esportivas licenciadas, o beach tennis é a mais comum na capital fluminense, com 80 espaços regularizados.





A Secretaria Municipal de Esportes defende que cada evento realizado na cidade, como a Copa do Mundo, atrai turistas e movimenta a economia.

O Brasil já ganhou quatro Copas da modalidade, mesmo número da Itália, e conta atualmente com três atletas no top 10 masculino no mundo e outras três no top 10 feminino.

Amadores, mas competitivos

O sucesso dos profissionais também tem impulsionado a competitividade entre amadores.


“Mesmo em praticantes por lazer, existe um desejo grande de querer evoluir dentro do esporte, seja por objetivo pessoal ou para participar de mais competições”, diz a psicóloga Gabriella Finatti.

Jassy Ribeiro, da federação cearense, também vê muitos amadores levando o esporte bem a sério.


“Há atletas amadores que têm equipe multidisciplinar, com técnico, preparador físico, nutricionista, psicólogo do esporte. Eles têm investido na preparação com o desejo de estar cada vez mais completos para as competições.”






Para encarar o esporte desse jeito, é preciso estar bem psicologicamente.

“Uma grande parte dos atletas que atendo me procurou para aprender a lidar com a frustração. Muitos deles sentiam raiva descontrolada na hora do erro, outros se exigiam demais, colocando sobre si uma cobrança excessiva”, explica Ribeiro.


Entre os estimados 1,1 milhão de praticantes, porém, é claro que muita gente está nessa mais pela saúde, bem-estar e diversão.


“A areia traz uma percepção sensorial diferenciada ao nosso corpo, estimulando diferentes habilidades físicas e psicomotoras”, explica Finatti.


“A pessoa desenvolve mais resistência física, tônus muscular e coordenação motora sem perceber, simplesmente estando focada na bola.”


Daphne Lambros pratica o esporte na Vita Beach Sports, em Curitiba, escola de Marcela Vita, tricampeã mundial com a seleção brasileira.





Mesmo no inverno, houve um aumento de 6% de alunos em relação a maio, segundo a academia. O número de professores quase dobrou desde 2019.


Daphne conta que nunca foi muito de praticar esportes. Chegou a nadar e a fazer pilates, mas o beach tennis foi a feliz descoberta.


“Às vezes era frustrante no começo, como aprender a andar de bicicleta. Mas logo vi os resultados, fiz amizades, isso me motivou. Era o momento em que eu deixava de ser uma trabalhadora, de ser uma mãe. Lá, sou apenas uma mulher se divertindo com as amigas e com as novas amigas que fiz no esporte.”

Moda passageira?


Disputa na Copa do Mundo de Beach Tennis 2022; já há quem torça para que prática se torne esporte olímpico (foto: Divulgação/Marcello Zambrana)

Westrupp, da CBT, acredita que há espaço para mais popularização.





De acordo com um estudo da Unicamp , caminhada, futebol e musculação são as atividades físicas mais praticadas no Brasil.


Cerca de 7% da população brasileira joga futebol regularmente, o que dá por volta de 14 milhões de praticantes.


O vôlei, o segundo esporte coletivo mais popular do país, corresponde a 0,3%, ou 610 mil pessoas. O tênis tradicional é praticado por 380 mil brasileiros. A pesquisa foi publicada no fim de 2019. O beach tennis não aparece nem entre as 15 atividades mais comuns.


Mas se o levantamento levasse em consideração os números mais atuais da CBT, o beach tennis estaria no top 10. Até onde o esporte consegue crescer depende, necessariamente, das condições socioeconômicas do país.





O beach tennis pode até não ser uma prática tão elitizada como o tênis, mas tem suas limitações.

Se não tiver uma quadra pública perto de casa, o praticante precisa pagar pelo uso.
Ainda há os gastos com as aulas e o material.


Há raquetes que saem por menos de R$ 100, enquanto outras passam dos R$ 2 mil.

Cada bola costuma sair por R$ 10 a R$ 20 cada. Daphne Lambros reconhece que o esporte tem um certo impacto em seu orçamento mensal. Mas não pensa em parar.

“Para mim, vale o investimento. Não é pelas competições, estou pela energia, pelo estado de espírito. Torço para que vire esporte olímpico”, diz.