O clima anda tenso em Londres devido à discussão sobre a saída – ou não – do Reino Unido da União Europeia. Enquanto não se chega a uma decisão, os desfiles londrinos surgem como um respiro em meio ao caos. Os estilistas não se deixam abater e mostram que a cidade continua a ter uma moda pulsante e criativa. O que não significa dizer que a política ficou de fora da Semana de Moda de Londres, que terminou no dia em que o mundo se despediu de Karl Lagerfeld.
O aguardado retorno de Vivienne Westwood à passarela londrina não poderia ser mais impactante. A estilista transformou o desfile em um protesto com direito a uma enxurrada de críticas que envolvem assuntos polêmicos, entre eles aquecimento global, Brexit (plano do Reino Unido para deixar a União Europeia), desigualdade social, consumismo e sustentabilidade. As mensagens não apareciam apenas nas roupas, eram ditas pelos próprios modelos, o que justifica no nome da coleção, Homo Loquax (homem que fala). No fim, até mesmo a criadora falou: “Algo tem que acontecer este ano”.
Em relação à moda, podemos adiantar que Westwood prevê o uso de uma alfaiataria clássica, com listras, xadrezes e cores neutras. Destaque para belos casacos que estão por cima de uma camiseta apenas ou de um vestido de festa. Mas na maior parte do desfile-protesto a estilista conversa com o seu histórico punk. Os looks são formados por leggings, botas brilhantes de cano alto, peças assimétricas, moletons e mistura de estampas. Os desenhos mais frequentes parecem representar cartazes de manifestações, já que reúnem escritos e fotos. A estilista trabalhou, ainda, com estampa de pinceladas coloridas.
A rebeldia também fez parte da apresentação da Burberry. No segundo desfile à frente da marca, o italiano Riccardo Tisci interpretou o contraste que enxerga na Inglaterra entre os estilos formal e rebelde.
Em looks pensados para os jovens, ele usou muito preto e vermelho, couro, metais e peles artificiais. O tom subversivo ficou evidente em combinações de top de corselet ombro a ombro e mangas bufantes com calça esportiva, vestido de renda com tênis e lingerie por cima de camiseta. O icônico xadrez da Burberry deu o ar da graça em peças mais descoladas (misturado, inclusive, a outras estampas) e ajudou a construir um streetwear de luxo. O estilista só errou a mão ao mostrar na passarela um moletom com uma corda enrolada no pescoço, que lembrava força e, em consequência, suicídio. Tisci admitiu que foi insensível e pediu desculpas publicamente.
A segunda parte da coleção foi apresentada em outro ambiente da galeria de arte Tate Modern Tanks, justamente para destacar os contrastes explorados pelo estilista. Os looks mantiveram o estilo classudo da marca, com trench coats, ponchos, saias plissadas, camisas de seda e vestidos de festa. O problema é que, depois de ver a rebeldia, a formalidade não empolga tanto. Em determinado momento, o desfile fica monótono diante de cores tão neutras (basicamente marrom, bege e branco).
Há muito de realeza no desfile da Roksanda, liderada por uma sérvia formada em Londres. A estilista que dá nome à marca investiu em vestidos volumosos com camadas, babados e mangas bufantes. O pescoço ganha protagonismo com golas no estilo vitoriano, que oscilam entre enormes laços e pequenos babados, como vimos na semana de moda de Nova York. Plumas levam um pouco de leveza a roupas que são mais estruturadas. Vestidos fluidos mostram outra proposta, mas as peças têm em comum cores exuberantes como pink, amarelo e azul royal, que se misturam em alguns looks.
COLETES Pelas mãos da sérvia, a moda esportiva fica extremamente feminina. Basta observar duas parcas que misturam as cores marrom, laranja, amarelo e preto de um jeito elegante e luxuoso. Combinadas com saias, elas podem muito bem ir para a festa. O tecido tem, inclusive, um brilho discreto. Por fim, Roksanda mostra que as roupas de inverno não precisam se resumir a casacos. De forma surpreendente, ela utilizou tecidos acolchoados para criar coletes que também protegem do frio. Os cintos impediram que as mulheres ficassem sem forma vestindo o que poderia ser confundido com edredom.
A seguir, outros destaques da semana de moda londrina: Victoria Beckham e a combinação de padronagens em uma alfaiataria elegante; Simone Rocha e os seus vestidos amplos e estruturados; David Koma e as infinitas possibilidades para a dupla preto e branco; Richard Quinn e seus looks estampados da cabeça aos pés, que chamam a atenção por onde passam, e a moda sadomasoquista de Pam Hogg, que se aproxima bem dos antigos figurinos da cantora Madonna.
Fora das passarelas, destacam-se as homenagens de estilistas a Karl Lagerfeld. Riccardo Tisci não poupou elogios. “Foi um dos maiores privilégios da minha vida conhecer Karl e chamá-lo de amigo e mentor. Sua generosidade de espírito, gentileza e puro talento criativo incomparável estarão comigo para sempre.” Victoria Beckham também descreve o homem da Chanel como uma pessoa amável. “Karl era um gênio e sempre gentil e generoso comigo, tanto pessoal quanto profissionalmente.” Já Vivienne Westwood publicou uma foto antiga ao lado de Lagerfeld e se derreteu. “Sentimos muito que esse colosso de um ser humano tenha desaparecido. Alguém que sempre falou o que pensa. Ele tinha um grande senso de humor e auto-ironia e dedicação incríveis para o ofício de fazer roupas.”