Reaproveitar tecidos, trabalhar com tingimentos naturais, desenvolver coleções atemporais. Aos poucos, iniciativas para reduzir o impacto da indústria da moda no meio ambiente se espalham pelo Brasil. Nessa lista, também pode ser incluído o uso, ainda que de maneira tímida, de fibras vegetais não convencionais para a produção de roupas e acessórios. Algumas marcas já estão em busca de alternativas sustentáveis e mostram todo o valor de materiais colhidos diretamente da natureza.
A Cantão ousou ao lançar roupas com palha de buriti. O trabalho foi desenvolvido em parceria com artesãs do município de Barreirinhas, no Maranhão, que até então estavam acostumadas a utilizar o material para fazer bolsas, sapatos e bijuterias. “Não mostramos só a beleza de uma fibra natural que, mesmo com toda a tecnologia, ainda chama a atenção, mas também a valorização do trabalho artesanal. Luxo hoje em dia passa por isso”, aponta a estilista da marca, Lanza Mazza.
A palha de buriti se transformou em um top com alças finas e amarração lateral e uma saia evasê. O resultado impressiona, já que não se usa nada além de tramas da fibra vegetal. “Ao mesmo tempo em que é maleável e lembra um couro molinho, ela consegue estruturar bem a roupa”, comenta a estilista, que também criou uma mule e uma sandália com o material. A marca trabalhou com a cor natural, que é puxada para o areia, e recorreu a tingimentos naturais para chegar a tons de marrom e rosé.
Lanza é uma admiradora de palhas em geral e ela enxerga que esse material tem tudo a ver com a Cantão, que está conectada a uma moda diurna e casual. “É muito bacana porque criamos produtos luxuosos, divulgamos um material brasileiro e ainda incentivamos o trabalho das artesãs”, enumera a criadora, que acrescenta a preocupação com a sustentabilidade. Segundo a estilista, são as próprias mulheres que sobem nas palmeiras, típicas da região, para retirar a palha. Do lado de cá, o esforço é transformar uma fibra comum em objetos de desejo.
Trabalhar com a palha de buriti não é fácil e barato, pois exige uma logística complexa de produção. Mesmo assim, Lanza tem planos de continuar a usar o material. “Apesar da loucura do fast fashion, acho que sempre vai existir espaço para uma roupa especial, ainda mais quando ela tem uma história e um propósito envolvidos”, opina. A ideia é que peças como essas sejam quase que exclusivas, até porque se leva bastante tempo para finalizá-las.
Desde o início, a proposta da Bléque era desenvolver produtos com baixo impacto ambiental e social. Por isso, toda a matéria-prima escolhida tem um viés sustentável. Depois de incluir pele de pirarucu e tilápia, que são descartadas pela indústria alimentícia, a fundadora e designer da marca Renata Negrão passou a procurar fibras de origem vegetal. Nas Filipinas, ela encontrou o tecido de abacaxi. “Acho o material incrível só de ser feito da folha do abacaxi, algo que jamais imaginei. Além disso, ele é mais grosso e bem resistente”, comenta.
Como o material ainda é novidade no Brasil, o processo não é tão simples. Foram seis meses de testes com as amostras até chegar ao resultado esperado. A fibra de abacaxi está em babuches e bolsas tipo sacola, que ganham detalhe em fio de seda sustentável da Casulo Feliz, no Paraná. “É um modelo que vai da feira à festa ou desde uma reunião até sair à noite”, descreve. Todas as peças aparecem em off white, cor natural da fibra, mas Renata já pensa em tingimentos naturais.
Na opinião da estilista, a linha de fibra de abacaxi tem apelo entre as consumidoras que se interessam em saber qual o caminho percorrido pelo produto até a loja. “São mulheres mais preocupadas com o planeta do que em buscar algo do momento. Então, tentamos fazer itens eternos e descolados, para que elas nunca sintam que estão ultrapassadas.” O plano é ter uma linha “verde” sempre com novidades, independentemente de estação, o que tem mais a ver com o ideal de marca.
PALMEIRA Renata adianta que está em fase de teste uma fibra de palmeira vinda da Holanda, muito resistente e zero flexível. Por enquanto, ela pensa fazer bolsas mais estruturadas.
Conhecida pelo trabalho com matérias-primas naturais, a estilista Flávia Aranha está sempre em busca de novidades para apresentar ao mercado da moda. Uma de suas descobertas é a planta caroá, beneficiada por uma comunidade da cidade de Valente, na Bahia. As artesãs fazem crochê com as fibras retiradas das folhas para criar bolsas e chapéus que são vendidos pela marca. Já o linho com aplicação de látex se transforma em roupas como capa de chuva. “Parece plástico, mas é vegetal, então vira uma solução para ter um tecido impermeável sem usar poliéster”, observa.
No momento, a estilista está testando fazer roupa com juta do Pará para lançar na próxima coleção. Outro projeto que acaba de começar é o desenvolvimento de um tecido de base vegetal em parceria com uma tecelagem, ainda sem previsão de lançamento. Segundo Flávia, é preciso estimular o diálogo entre designers e indústrias para se chegar a novas possibilidades na moda. “Falta investimento em pesquisa científica para a área têxtil. O mercado da moda só pensa em metas a curto prazo, então não existe planejamento a longo prazo”, opina.