Jornal Estado de Minas

Grupo Mineiro de Moda, uma lenda



Quase 40 anos após sua criação, o Grupo Mineiro de Moda continua provocando interesse e surpreendendo as novas gerações como movimento de base responsável pela construção do setor no estado. Uma história que ficou no imaginário de quem viveu os anos 1980, nos quais a associação dava seus primeiros passos, e que atravessou o tempo rumo à posteridade.
 
Composto por 10 marcas, o GMM tornou-se um exemplo de empreendedorismo de sucesso no setor privado e retornou à cena agora com a homenagem prestada a ele pelos arquitetos Celeno Ivanovo e Luiz Henrique Ribeiro, autores do ambiente Seu Quarto na mostra Modernos Eternos.
 
No diálogo da arquitetura de interiores com o fashion, a dupla explorou uma linguagem subliminar no espaço, priorizando elementos recorrentes no ofício, como renda guipure, plumas, pelos, peles, emoldurados pelas telas delicadas de Rodrigo Mogiz, que remetem ao universo dos ateliês de costura. Na suíte propriamente dita, um busto carrega look de Renato Loureiro desfilado pelo estilista na São Paulo Fashion Week. O estilista, também homenageado na mostra, veste ainda todas as recepcionistas do evento com peças do seu acervo particular.
 
Mas a tarefa maior de Celeno e Luiz Henrique foi reunir, com auxílio de Loureiro, os componentes do GMM para uma roda de conversa, na casa em que a mostra foi realizada, para falarem sobre as experiências que viveram durante a década e meia em que estiveram juntos.
De lá para cá, já ocorreram baixas importantes na sua composição, como Mabel Magalhães – que iniciou sua participação no grupo com a marca Artimanha e depois se tornou a Mabel Magalhães – e Eliana Queiróz, primeiramente com a grife Femme Fatale, mais tarde Eliana Queiróz, falecida há três anos.
 
Para o encontro conjunto que não acontecia desde 2015, quando houve a exposição comemorativa dos 35 anos do GMM no Mumo - Museu da Moda, além de Renato Loureiro, compareceram Nem Campos, ex-dona da Straccio, e, posteriormente da IBZ; Márcia Correia e Luiza Magalhães, da Art Man; Georgiana Mascarenhas, representando a mãe, Helen Carvalho, da Bárbara Bela; Liana Fernandes, da Comédia; Cláudia Magalhães, que, após a morte da mãe, assumiu a Mabel Magalhães; Mônica Batista, sócia de Cláudia Mourão no início com a Frizon, e seguindo caminho solo após com marca homônima de calçados. Quem não foi: Terezinha Santos, fundadora da Patachou, e Scheila Mares Guia, proprietária da Allegra. Faltou também Sônia Pinto, que passou brevemente pelo Grupo com a famosa Printemps, e continua no mercado com o Espaço Sônia Pinto.
 
Pouca gente sabe enumerar a formação inicial do GMM com suas eventuais mudanças, mas o certo é que sua existência e importância chegaram às novas gerações, estudantes, jornalistas e estilistas jovens, pesquisadores, embora tenha havido na cena nacional outras iniciativas congêneres, atuando paralelamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que não são mais lembradas.

Calendário O que ficou na memória fashion foram os desfiles fantásticos realizados ao longo do tempo e o exemplo passado para a posteridade de que o cooperativismo, a união, a vontade de fazer, funcionam. Para Nem Campos, a criação de um calendário de lançamentos, convergindo para Minas os compradores em potencial, foi um grande marco, influenciando fortemente o calendário nacional. “Cada um lançava em uma época diferente e tínhamos clientes em comum.
A criação do grupo possibilitou um movimento que beneficiou não só as nossas marcas, mas as outras existentes na cidade”, afirmou.
 
Outro feito citado na roda de conversa foi a coragem de transpor as montanhas de Minas, convidando para Belo Horizonte a imprensa atuante na época, veículos especializados, jornalistas de outros estados, revistas semanais conceituadas com conteúdo eclético. A divulgação tornou-se essencial para a repercussão do trabalho. Recebidos com os mimos da hospitalidade mineira, dispondo de carros para se movimentar livremente, conferiam as novidades nos showrooms das grifes do Grupo, mas visitavam também os de outras empresas. “Todo mundo lançava coleções na data escolhida por nós, a gente não escondia”, recorda Renato Loureiro.
 
Gerente da L’Oreal, ele era dono da loja Pitti, em sociedade com a irmã, Regina, na Savassi. E comprava para ela produções locais, como as que Liana Fernandes (Comédia) começou a fazer. “Renato gostou das peças e comprou o que mostrei. Aí perguntei: “E agora?”.
“Vá fazer mais”, respondeu. Confesso que quando entrei no Grupo fiquei com medo da responsabilidade”, conta a estilista. Muita responsabilidade sim, inclusive financeira, que incluía bancar os eventos promovidos a cada estação. Uma pequena fortuna para cada um na época, diga-se de passagem, com direito à contratação de serviços dos bambambãm do momento, como Regina Guerreiro, Paulo Ramalho, Paulo Borges, além de modelos famosas.
 
Entre as lembranças relatadas no talk, veio a da reunião em que vários confeccionistas foram convocados e na qual foi traçado o destino do GMM. Quem não aderiu à proposta ficou de fora para sempre. Daí para a frente, foi um crescente. “Fizemos o desfile de inauguração do shopping Quinta Avenida com Monique Evans na passarela”, recorda Nem. Não faltaram ainda menções aos outros desfiles que despertaram comoção na cidade, como o da Praça da Estação, com cerca de 100 modelos na passarela, Palácio das Artes, Museu de Arte da Pampulha, Cabaré Mineiro, Minas Tênis Clube II, e o de Ouro Preto, defronte à Igreja São Francisco, já sob a batuta de Paulo Borges.
“Ele criou para a Mônica Torres um quadro em que as modelos usavam lingeries em látex feitas por Alexandre Herchcovitch com sombrinhas iluminadas na frente para destacar os calçados. Teve muita repercussão na imprensa nacional”, relata Mônica Torres.
 
Em um tempo em que viajar para o exterior era privilégio de poucos, os membros do GMM ganharam o mundo, passaram pela Europa, Estados Unidos, foram até o Japão, em busca das novidades para as coleções. “A gente viajava junto, comprava tecidos juntos, indicava clientes uns para os outros”, rememoram.
 
Cada um teve oportunidade de contar um pouco do início dos seus negócios. O sucesso das peças em tricô vendidas na sua loja fez com que Renato Loureiro abandonasse a L’Oreal e se tornasse expert no assunto, com forte influência do japonismo. Márcia e Luiza, sócias de Mabel e Mariza Salum na Artimanha, deixaram a sociedade para focar no masculino, elegendo o linho como matéria-prima, apostando nos ternos bem construídos e em cores inusitadas para o guarda-roupa dos homens, contribuindo fortemente para mudar a estética desse público. A Bárbara Bela do início – única marca remanescente do GMM no mercado – se notabilizou pelas peças trabalhadas em rendas criadas por Helen Carvalho. E a Mabel Magalhães se destacou pelas coleções prêt-à-porter contemporâneas e pela qu
alidade primorosa das peças até chegar na linha festa festejada em todo o Brasil.
 
Arquitetura  Outro fator importante foi a contribuição que o GMM deu a setores afins, entre eles a arquitetura. Com a crise da construção civil, na década de 1980, diversos arquitetos de Belo Horizonte se voltaram para os interiores. Vários deles se projetaram assinando showrooms e lojas dos integrantes da associação. As da galeria BHZ representavam o diálogo crescente entre as duas áreas.
 
A da Art Man, projetada por Carlos Alexandre Dumont, o Carico, era alvo de observação dos estudantes da profissão.
Um dos admiradores era Celeno Ivanovo. “Eu descia para a faculdade de arquitetura pela rua Paraíba e passava sempre por ali. Havia também outras lojas bacanas, na Savassi, que me despertavam interesse como a da Zak, a da República dos Gatos...Foi uma época de muita efervescência cultural em Belo Horizonte que exportava tanto moda como boa arquitetura”.
O trabalho como consultor técnico em shoppings, como o Pátio Savassi, Ponteio e Itaú, fez com que estreitasse os laços com os dois setores. Segundo ele, o que mais chamou sua atenção no talk foi a questão da união e força de vontade das dez marcas. “Foi isto que fez com que elas movessem as montanhas de Minas. Fiquei muito emocionado em ouvir as histórias. A Liana falando das primeiras peças que vendeu para o Renato, que se tornou este estilista talentoso, a coragem dele em largar a L’Oreal para se dedicar à moda, a Luiza e a Márcia relatando as experiências delas com a Art Man, a Mônica relembrando as vaias que o GMM ganhou em evento no Rio de Janeiro. Foi tudo muito rico”, enfatiza.
 
Já seu sócio, Luiz Humberto, criado em família de muitas mulheres, cresceu ouvindo os nomes das marcas do GMM. “Elas eram consumidoras, minha mãe comprava e compra ainda na Equipage (lojas de Cláudia Mourão). Logo depois de formado tive a ocasião de fazer um projeto de reforma para a fábrica da Eliana Queiróz, na Pampulha, que me contava muitas histórias do Grupo e sua importância para a moda.
Conhecer e reconhecer esses nomes pessoalmente foi muito importante”, ressalta.
 
 
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