Por onde anda Maria Stella Splendore? A mulher que virou celebridade nos anos 1960, logo que se casou com o costureiro Dener, fez novela, filmes, gravou disco e chegou a trabalhar como modelo em Paris, escolheu o caminho contrário da fama e hoje leva uma vida “normal”. Há 14 anos, ela mora na Fazenda Nova Gokula, uma comunidade hare krishna em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. A sua missão é divulgar o movimento, que ela define como ciência, filosofia e religião.
Então, todos os dias recebe visitas em casa, de autoridades a curiosos. Além disso, ocupa uma cadeira na Academia Pindamonhangabense de Letras, em reconhecimento ao seu livro Sri Splendore, onde conta a história da sua vida, e comanda o programa de entrevistas Splendor Talk Show no YouTube. Depois de décadas afastada da moda, Maria Stella, que tem cinco netos e seis bisnetos, sonha em reviver os tempos de modelo. Em sua passagem por Belo Horizonte para um tratamento de saúde (“Nada grave, mas tem que ser feito”), ela revelou a vontade de fazer uma campanha de uma marca mineira. “Seria um flashback.”
Como você define a Maria Stella de hoje?
A Maria Stella de hoje é uma pessoa que quer cada vez mais se aprimorar no caminho da autor- realização e também levar para as pessoas este conhecimento que nós estudamos, que são os vedas, os livros de Bhaktivedanta Prabhupada, que é o fundador no movimento Hare Krishna no mundo inteiro. Esses livros ajudam a entender quem é você, quem é Deus, a lei do karma, qual é o processo mais rápido para alcançar a espiritualidade. A Maria Stella de hoje é focada nisso. Que seja através de um programa de televisão ou de um ensaio fotográfico.
O livro Sri Splendore para em 2005. O que você fez de lá pra cá?
Moro há 14 anos na Fazenda Nova Gokula e a minha função é receber as pessoas interessadas em conversar sobre o que é a consciência de Krishna. Além de receber as pessoas em casa, tenho uma vida normal. Não é que hare krishna se isola. Pelo contrário, somos abertos a tudo e todos. Estou focanda muito no meu programa, que comecei há seis meses, o Splendor Talk Show. Há três meses, fui convidada pela Academia Pindamonhangabense de Letras para ocupar uma cadeira na instituição, a 18H, por causa do Sri Splendore. Agora vou escrever o segundo livro. Quero focar no quarto capítulo do Sri Splendore, que é o encontro com o amor eterno, e contar sobre o desenvolver da minha vida espiritual.
O que levou você a trocar fama, dinheiro e luxo por uma vida completamente contrária?
Foi um processo cumulativo. Fui cansando de ver a futilidade da vida materialista, do ter, do mostrar, do aparecer. Fiz um disco, três filmes (na época os famosos pornôs), programa de televisão, uma novela (Super Plá, que veio depois de Beto Rockfeller). Achava que ia me realizar, mas não. Fui me desgastando a ponto de dizer: ‘Meu Deus, quero mais’. Na época, vi um pôster de Krishna na casa de um radialista e pedi para ir ao templo. Isso era 1981. Quando cheguei lá, me senti mesmo em outra dimensão, de pureza e tranquilidade, e decidi que queria conhecer aquele povo. Queria saber por que nasci em uma família tão boa, porque tantas pessoas sofriam no mundo, por que um dia vou morrer, qual é o proposto da vida? Ser bonita, rica, famosa, mas e daí? Estou feliz? Não. Isso me levou a algum caminho? Não. Tive muita sorte porque o primeiro livro que li foi Cante e seja feliz, que era uma conversa do nosso guru Prabhupada com os quatro Beatles e a Yoko Ono. Todos eles passaram pela mesma coisa. Quando chegaram ao topo, falaram: ‘E daí? Somos jovens, bonitos, ricos e famosos, mas e daí, o que vai ser?”.
O que ficou daquela vida?
Ficou este glamour, que é a minha forma de apresentar a consciência de Krishna. Cada um tem a sua maneira. Lógico que ficaram também muitas lembranças boas, pessoas muito boas que passaram pela minha vida, a quem sou muito grata.
Quando surgiu oportunidade de ser modelo, o que mais a atraiu?
Naquela época não era modelo, era manequim, e era muito pejorativo, sinônimo de prostituta. E todas as mães de família eram muito fechadas com as suas filhas. Eu era tão oprimida que morria de inveja das mães flexíveis: ‘Poxa vida, desse jeito não vou arrumar nenhum namorado’, e perdi muitos por isso. Quando fui convidada para desfilar, estava na casa de uma amiga cuja mãe era gerente do ateliê do Dener. O Dener estava cansado das manequins e queria uma pessoa muito mais jovem, uma jeune fille, como ele falava. Na época, tinha 16 anos. Entrei meio que pisando torta na passarela, não tinha nem altura suficiente para ser modelo, mas na hora o Dener se encantou por mim, tanto que a gente se casou em seguida. Logo fiquei grávida, parei de desfilar, depois voltei, me separei e fui para a Europa com o Ektor, que tinha ficado com a equipe do Balenciaga. Aquilo para mim foi uma sensação de ‘agora vou poder ser eu mesma’. Primeiro a minha mãe, depois o Dener. O Dener tinha aquela coisa de não poder usar cabelo solto, mas eu odeio cabelo preso. Às vezes, a gente ia para uma festa, já todo mundo pronto, eu soltava o cabelo ele falava: ‘Não, assim você não vai’. Sempre fui uma pessoa extremamente a favor da liberdade. Mas aquela vida começou a ficar um pouco cansativa. Lá em Paris, eles são muito rigorosos, eu não era a esposa do chefe, tinha que ficar o dia inteiro disponível, não era o que queria também.
Antes de conhecer o Dener, você já tinha ouvido falar dele?
O meu irmão era muito amigo do Juca Chaves, e o Juca Chaves era muito amigo do Dener. Então, ouvia as histórias do costureiro gay, tanto que, para convencer meu pai a desfilar, falei: ‘Ele é gay, não gosta de mulher’. Mal sabia que em um mês a história ia estourar. O Dener fazia muito tipo, porque rendia. Para mim ele foi o maior homem de marketing, quando ainda nem existia essta palavra. Ele sabia se autopromover, e a mídia amava. Ele era uma pessoa com um carisma incrível, era igual com o João Goulart e o porteiro do restaurante. Ele doava muitos vestidos, por isso não guardou fortuna. Dener falava: ‘O homem é rico pelo que gasta, não pelo que guarda’.
Como era o Dener estilista?
Ah, maravilhoso. Tenho desenhos que mostram os detalhes que ele fazia da renda, do bordado. Não por ter sido meu marido, mas ele começou a moda no Brasil, era a grande vedete. Em 1959, ele ganhou agulha de ouro e platina em Las Vegas como o melhor costureiro do mundo. Disso as pessoas se esquecem. Ele deveria ser lembrado, mas o Brasil não tem memória.
E como marido?
O Dener montou um palco, e vivia dentro dele. Nunca jantei uma vez sozinha com ele. Todo dia tinha festa em casa, com embaixadores e poetas, isso quando a gente não ia para a festa. Depois da festa, íamos para a boate, ficávamos até 8h, 9h e depois ele levava o grupo para terminar em casa. Para mim, era um horror. Nós não tínhamos privacidade, era bem fora dos padrões, e o nosso casamento ficou muito desgastado como marido e mulher. Mas ele era um bom marido, me amava muito, tanto que no livro dele diz: ‘A Maria Stella seria a única mulher com quem me casaria novamente’. Dener nunca aceitou a separação, depois até se casou de novo, mas até o final ficamos muito amigos.
Conte a história do seu retrato feito por Di Cavalcanti em 1967.
Di era muito amigo do Dener. Um dia ele falou: ‘Dener, você se casou, eu não estava aqui, não tive a oportunidade de dar a você um presente e adoraria fazer um quadro da Maria Stella’. Eu estava grávida da Maria Leopoldina e já estava numa fase muito difícil. Quando o quadro ficou pronto, tinha 18 anos, mas todo mundo falava que ele me retratou como se eu tivesse 40. Di me fez uma mulher madura, já vivida, porque ficamos muito amigos e ele sabia os momentos que estava passando, as dificuldades do casamento, da fama. A fama começou a me incomodar demais, não ter liberdade de fazer nada e no dia seguinte estar nos jornais.
Você teve um romance com o cantor Roberto Carlos. Voltaram a se encontrar depois?
Vou falar só três coisas: eu era jovem, ele foi o ídolo da minha juventude e acho que todas as mulheres do Brasil se apaixonaram por ele. Sobre este tópico, é isso que tenho para falar. Nunca mais encontrei, nunca mais falei. Foi muito forte e de repente não existia mais. Não tem mágoa, ele passou na minha vida, como tantos outros Robertos, como o doutor Roberto Tulli, que foi a minha grande paixão.
O seu primeiro filho, Frederico Augusto, faleceu em 1993. Como você superou esta perda?
Um dia, na época do Jimi Hendrix, o Frederico Augusto falou para mim: ‘Sei não, mãe, acho que não vou viver muito’. Ele e a moça com quem teve uma filha, que agora está com 31 anos, eram usuários de droga injetável. Na época, ele pegou HIV e faleceu de uma infecção na membrana do coração. A gente se amava demais, tínhamos um relacionamento de alma muito forte, mas já fui vendo o perfil dele e vi que não podia fazer muita coisa. Infelizmente, ele optou por esse caminho. Para mim foi um teste muito grande, mas, ao mesmo tempo, como eu já era devota, encarei como uma alma que tinha um tempo para passar aqui e que ele tinha a história eterna dele. Ele veio como o meu filho, mas, na verdade, nossos filhos não são nossos filhos, já dizia Khalil Gibran, são filhos da vida por si só. Então, eu sempre fui muito de buscar conforto na espiritualidade, isso mesmo antes de ser hare krishna.
Você morou fora do Brasil por quase 20 anos. O que a trouxe de volta?
A mamãe. Vim dos Estados Unidos porque ela estava com mal de Alzheimer. Meu irmão avisou que iria interná-la, mas aí meu guru falou: ‘Não, para tudo e vai lá cuidar dela’. Tive a bênção de cuidar da minha mãe por três anos, até que ela morreu, aos 90 anos. Não tenho nenhuma afinidade com o Brasil. Acho que nasci aqui por acaso, mas este por acaso sempre tem um porquê. Deus quis que eu nascesse aqui, era o meu karma. O nosso mestre Prabhupada sempre dizia que o seu lugar de nascimento é onde você tem mais sucesso como missionário, porque domina o idioma. Agora vejo que realmente aqui é o meu lugar, mesmo com toda a austeridade de morar no Brasil.
Então, você não tem planos de deixar o Brasil?
Eu não faço planos, vou para onde Deus me manda. As portas vão se fechando e abrindo, são sinais. Observo sempre os sinais. Isso é uma coisa que o ser humano às vezes rejeita, insiste em coisas que já terminaram.
Você mora sozinha?
Sim, moro sozinha e agora tenho um gato. Moro no meio de uma reserva da mata atlântica, é uma floresta. Estou a três metros do rio. Normalmente, vou dormir às 19h30 e acordo seis horas depois, no máximo sete, que seria 2h. É a hora em que vou meditar, faço a minha ioga, os meus afazeres domésticos. Moro em uma casa muito bonita, é um sobrado de quatro andares. Em cima tenho um terraço onde vejo de um lado a Serra do Mar e do outro o Pico de Itapeva, é muito lindo. O programa do templo começa às 4h30, mas às vezes não vou porque tenho meu programa em casa. Se tiver que ir para a cidade, ao banco, cabeleireiro, são 25 quilômetros em uma estrada linda. Sou uma pessoa muito feliz, muito grata acima de tudo, e muito animada para fazer o que tenho que fazer, que é levar este conhecimento que traz tanta bem-aventurança.
Você já se casou quatro vezes. Se casaria novamente?
Na verdade, me casei seis vezes, mas prometi para o meu guru que falaria só de quatro. Tinha uma prima, ela estava com 30 anos, que falava: ‘Poxa vida, Maria Stella, você se casou seis vezes e ninguém nunca me pediu em casamento’. Eu respondia: ‘Mas eu tive muita má sorte, ninguém quis namorar comigo, todo mundo queria se casar. Não inveja, não’. Acho muito difícil me casar de novo. Nunca falo que desta água não beberei, mas não está nos meus planos.
Como você lida com o envelhecer?
Nós, no mundo espiritual, assim como Krishna, temos eternamente a aparência de 15 anos. A nossa alma é sempre jovem, bonita e cheia de bem-aventurança. E, quando você sabe que a alma é assim, e você é a alma, não envelhece. Já fiz algum botox. Acho que é uma ferramenta como a maquiagem definitiva que tenho nos olhos. O oftalmologista falou que não poderia mais pintar os olhos, então fiz uma tatuagem de delineador. Não acho que por causa disso não posso ser uma boa espiritualista. Não posso exagerar, mantenho o suficiente para ser um bom cartão de visitas. Fui casada com um cirurgião plástico, na época tinha 24 anos. Trabalhei muito com ele em sala de cirurgia, fui instrumentadora, e via a mágica da cirurgia plástica na vida das pessoas. Nunca encarei a cirurgia como algo fútil, isso para mim é uma coisa muito natural, é como ir ao dentista. Eu não faço mais porque chega de dor, mas fiz algumas correções para já acordar com a cara pronta. Falo que já levanto de salto alto, porque nunca sei quem vai chegar e a que horas. Outro dia, às 7h, vi dois senhores de terno na porta da minha casa, um deles era o cônsul geral da Índia. Não é porque sou hare krishna que vou usar roupa rasgada, que sou desapegada. Muita gente leva para este lado e faz uma imagem que não é real. Tanto que agora meu guru está seguindo o Krishna West. Você não precisa nem mudar a roupa para ser hare krishna. Não somos indianos e nem estamos seguindo os hindus. No início, todo mundo colocava roupa indiana porque chamava muito a atenção, mas agora é uma outra época.
Qual é a sua relação com Belo Horizonte?
Tenho vários amigos aqui. O Dener vinha muito para fazer desfiles, eu também desfilei. Agora existe a possibilidade de fazer uma noite de autógrafos com os últimos exemplares do livro e quem sabe uma campanha de moda? Seria um flashback. Acho que ainda tenho condições e hoje em dia a melhor idade está super em alta. É um trabalho que gostaria muito de fazer, nunca fiz. Voltar como Maria Stella seria muito interessante, uma bisavó de seis fazendo ensaio fotográfico para alguma loja ou marca. Senti que Deus me mandou para cá. Estou apaixonada por Belô, me sentindo em casa. O mineiro é muito legal.
Como você enxerga sua vida nos próximos anos e décadas?
Nem sei se vou tão longe, é só uma intuição. Casei-me cedo, fiquei viúva cedo, fui avó cedo, tudo me aconteceu cedo. Mas quero deixar a vida fluir, Deus me levar, já estou por conta dele, em todos os sentidos. É muito bom porque ansiedade não existe mais, nem medo.