Jornal Estado de Minas

Futuro

Mercado em reinvenção

Coleção inverno 20 da Kalandra do setor de moda festa - Foto: Breno Mayer/divulgação

Tudo caminhava bem com céu de brigadeiro. O BH à Porter, o maior evento voltado para a pronta entrega de Minas Gerais, começaria no dia 16 e iria até 27 de março, movimentando os showrooms do Bairro Prado em torno dos lançamentos do inverno’2020. Porém, como tudo que estava marcado para acontecer na segunda quinzena do mês passado, teve que ser cancelado em virtude do coronavírus.
A temporada, que começara no final de janeiro, ia de vento em popa: os confeccionistas, satisfeitos com os resultados, já lançavam a terceira cápsula de suas coleções e estavam estocados para receber os lojistas de todo o Brasil.
 
Seria uma das mais promissoras edições do evento desde que ele foi criado, com o objetivo de fomentar as vendas em pronta entrega, observa Ivete Dantas, presidente da cooperativa, que reúne cerca de 70 consultoras de moda. Desde que assumiu a instituição, ela tem se desdobrado para fortalecer o setor em torno de ações que contribuíam para maior união e performances comerciais das empresas que operam no Prado.
 
 
 
 
 
Para melhor compreender a situação, é necessário saber que o BH à Porter é uma ação promovida pela Coopermoda envolvendo as marcas da região e as consultoras, profissionais responsáveis pelos atendimentos dos lojistas que compram moda em Belo Horizonte. Do rateio financeiro entre as partes advém a maior parte dos recursos que permitem que elas banquem a vinda dos compradores à capital, ofertando passagens aéreas e hospedagem por dois dias aos visitantes.
 
Ivete Dantas, presidente da Coopermoda-MG, responsável pela promoção do BH à Porte - Foto: Ana Victória Z. Nascimento 
 
“Estávamos com cerca de 150 bilhetes emitidos e conseguimos a adesão de 93 marcas do Prado, um resultado que nos deixou bem animados, porque trabalhamos muito na prospecção de novos clientes no país inteiro, acreditando que o mercado precisava de uma renovação. E o resultado foi importante: a maioria dos convidados vinha pela primeira vez a Belo Horizonte”, comenta Ivete.
A semana começou cheia de promessas, com o lançamento do evento com coquetel no Hotel Ouro Minas, onde estava funcionando também um salão de negócios com participação de algumas grifes, que optaram em ficar mais perto dos compradores, hospedados no local. Mas, a partir da terça-feira, dia 17, começaram os cancelamentos por parte dos clientes e das empresas aéreas.
 
“Conseguimos chegar até na quinta-feira, mas depois  fomos impedidas de continuar. No total, até essa data, vieram 21 lojistas.
Mesmo assim, os que desafiaram o medo e voaram para cá fizeram excelentes compras. Tive notícias de que, para algumas marcas, como a Strass, a movimentação nesses poucos dias equivaleu ao batimento da cota mensal”, assegura
 
Logo depois, os próprios showrooms fecharam as portas para salvaguarda de funcionários e clientes da pandemia. “Ficamos com crédito nas companhias aéreas e com o Ouro Minas para usar o salão em outra época. Agora, estamos estudando uma data compatível para correr atrás do prejuízo”, ressalta Ivete.
 
- Foto: Sindivest Divulgação 
 
O que se seguiu é o que vem ocorrendo em vários setores da economia brasileira. Mas é preocupante no da moda por sua própria dinâmica, que envolve a produção e lançamentos de novas coleções para estações definidas no ano. O produto é datado – o que se lança em uma temporada, não serve mais para a seguinte.
 
Muitas perguntas ainda não podem ser respondidas como, por exemplo, o que as confecções farão com as peças que cortaram exclusivamente para o BH à Porter, principalmente levando em conta que o inverno é uma estação muito pequena no país? Como desabastecer essas peças se os empresários de moda, por sua vez, tiveram que fechar as portas? “Muitos dos que vieram a BH não chegaram a abrir nem as caixas das roupas que compraram na pronta entrega”, enfatiza a presidente da Coopermoda.
 
O momento é bem complicado: o lojista, assustado com o que vem pela frente, pensa em cancelar os pedidos para o inverno, negociar prorrogação e prazos maiores, sustar cheques. “Estamos tentando conversar com eles, mas estão irredutíveis, não querem nem pensar em compras com descontos ou em frete grátis.
Uma hora difícil”, diz a consultora Sibelle Menezes, uma das mais ativas no mercado.

Lá e cá Quem conhece o mecanismo do mercado da moda, sabe que, enquanto as vendas na pronta entrega acontecem, simultaneamente, os confeccionistas estão preparando o verão, que, aqui, em Minas Gerais, seria comercializado na terceira semana de abril, no Minas Trend. O cancelamento do evento fecha mais uma janela para todas as marcas que trabalham também com pedidos, numa equação difícil de ser solucionada.
 
Assim como Ivete Dantas, Rogério Vasconcelos, vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Vestuário de Minas Gerais (Sindivest-MG), afirma que calma e tranquilidade são fundamentais neste momento. “Temos que ver como tudo evoluirá, mas o Sindivest está estudando a possibilidade de realizar um evento mais à frente, tão logo o comércio seja reaberto, em que possam ser trabalhados o verão em pronta entrega e, ao mesmo tempo, pedidos para o fim do ano”. Na sua opinião, o verão brasileiro é uma estação longa e permitiria isso. Na sua concepção, os compradores poderão se abastecer, no primeiro instante, com a roupa pronta e finalizar com pedidos para receber mais tarde.
“Tenho conversado com o Rogério no sentido de promovermos algo menor do que o Minas Trend, sem a presença do segmento de calçados e acessórios, voltado só para o vestuário. Temos as passagens aéreas que não foram usadas pelo BH à Porter e penso que a Fiemg, o Sebrae-MG, também poderiam contribuir. A Fiemg também já havia adquirido mais de 250 passagens dentro do projeto Comprador do Minas Trend”, informa Ivete.
 
Os dois dirigentes lembram que existe, ainda, esperança de os eventos de lançamentos para pedidos de verão, em São Paulo, manterem suas datas, adiadas para o fim de maio. Até então não se tem notícias de que eles deixarão de acontecer.
Os mineiros se dividem entre o Casa Moda, o Contemporâneo e o Novo Showroom. É na capital paulista que as marcas mineiras complementam as vendas realizadas no Minas Trend, o que gira em torno de 30% a 40% do volume de vendas.
 
A realidade é que o calendário fashion já foi totalmente alterado pelo coronavírus. E os prejuízos apareceram de imediato. “Tive cerca de 80% dos pedidos cancelados tão logo foi decretado o isolamento social e o comércio parou de funcionar. Recebi e-mails avisando que alguns clientes iriam, inclusive, suspender os pagamentos”, relata Rogério, que é proprietário e estilista da marca R.Vasconcellus, do segmento de festa.
 
Segundo ele, existe muito oportunismo por parte de alguns lojistas neste momento. “Não tem sentido sustar pagamento de produtos comprados no Minas Trend de outubro, que foram entregues há um, dois meses, atrás”, reivindica. Diante da crise, o empresário conta que procurou otimizar a sua fábrica, finalizando toda a produção que estava pendente.
 
“Vestido sem forro, peças sem bainhas... finalizamos tudo que podíamos para ver o que podemos negociar e recuperar um pouco do prejuízo. E estamos preparados para negociar com o cliente”, afirma. Enquanto aguarda, Rogério está preparando a coleção de verão.
“Mandei quem podia para casa e estou trabalhando com poucos funcionários, dentro dos critérios da higienização exigida. O espaço é grande, as pessoas ficam espalhadas, sem risco de contágio.”
 
Se agora, diante das circunstâncias, é impossível identificar a vontade de compra entre as mulheres, ele acredita que, tão logo a pandemia for perdendo terreno, tal desejo retornará bem forte. “Depois desse período de isolamento social, as pessoas vão querer se encontrar mais, fazer festa, comemorar aniversário, celebrar casamento. O encontro, o abraço, o aperto de mão serão, cada vez mais, importantes.”
 
Se há uma mensagem que o vice-presidente do Sindivest-MG deseja passar, ela é de esperança e união. “Haverá uma readequação do mercado e uma valorização do produto nacional em detrimento do importado. Penso que as pessoas começarão a observar o quanto a indústria da moda contribui com empregos, renda das famílias, bem-estar social.  Acredito também em uma consciência maior para ajudar o país a sair da crise a partir da compra do que é produzido no Brasil”, ele assegura.
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