Coco Chanel começou sua carreira de sucesso em 1909, criando chapéus. Ficaram famosos os seus modelitos em palha leve e delicada, conhecidos como canotiers. A versão do flying saucer usado pela atriz Audrey Hepburn no filme Bonequinha de Luxo, dos anos 1960, faz parte do imaginário coletivo. Jacqueline Kennedy, por sua vez, popularizou o modelo pillbox na cor rosa exibido na cerimônia de posse do marido John F. Kennedy.
Passado o tempo, o chapéu, acessório que conta a história da moda do século 20 e que foi quase que totalmente banido do closet feminino contemporâneo, ainda encontra muitos adeptos e faz parte do estilo pessoal e da vida profissional de muitas pessoas, entre elas a mineira Raquel Brant.
Com especialização no Lycée Camille Claudel Mode e Chapellerie, de Lyon, na França, onde passou um ano estudando as técnicas da chapelaria, foi uma das selecionadas, por meio de um concurso, para participar do London Hat Week 2020. O evento conta com várias atividades e tem como ponto alto a exposição que reúne cerca de 300 modelos assinados por talentos de todo o mundo. O objetivo é divulgar a arte dos hatdesigners, encorajar o crescimento da indústria de chapéus e promover vendas. Marcado para começar no dia 16 de abril próximo, a mostra foi adiada para outubro, mas o desfile press preview chegou a ser realizado, um mês antes, apresentando 54 modelos – inclusive o dela – com presença dos jornalistas e convidados, no Shangri-La Hotel, em Londres.
O fato da semana acontecer na cidade é bem significativo, uma vez que as mulheres inglesas são grandes admiradoras do acessório, a começar pela rainha Elizabeth com seus looks monocromáticos coloridos combinando roupa e chapéu. Ele é apreciado tanto pela realeza quanto pela população em geral e faz parte da tradição de um povo.
Entre os temas futuro e retrô sugeridos pelo concurso, Raquel ficou com o segundo. A pegada vintage tem como inspiração as bailarinas do Folies Bèrgere nos anos 1920 e se chama La Grande Folie. Plumas egret no tom salmão, rendas antigas, miçangas caindo sobre a testa, como nas cabeças das melindrosas, e envolvendo o pescoço, cetim vinho, foram as matérias-primas que ela usou para trabalhar sua proposta. “Aproveitei parte de um trabalho que fiz durante o curso na França, diminuí o tamanho e enviei uma peça apenas para a X Terrace Fashion Platform, responsável pela promoção do evento. Foi uma surpresa quando recebi a comunicação que havia sido uma das escolhidas para a exposição”, afirma.
Graduada em artes cênicas pela UFMG, neta de costureira de mão cheia, a chapeleira passou por algumas etapas antes de seguir esse caminho. Chegou a cursar moda na Fumec e frequentou o atelier de Júnia Melo para se aprimorar em técnicas de modelagem. Foi lá que conheceu Ana Flávia, irmã de Júnia, conhecida pela criação de flores em seda e que, atualmente, indica muitos clientes para a amiga. Dessa convivência nasceu a ideia de trabalhar com chapéus. “Pessoalmente, sempre os usei desde pequena. Estava sempre com uma flor ou laço na cabeça”, ela conta.
A dificuldade em encontrar instituições onde estudar no Brasil a levou para o exterior. “Fui para Lyon fazer o curso de formação de chapeleira no qual pude entrar em contato com várias técnicas do ofício. Este é um universo bem amplo, cuja base é sempre a confecção manual”, relata.
Regresso De volta à realidade de Belo Horizonte, ela vem se dedicando ao mercado de casamentos e noivas, em geral. Em seu atelier, instalado no próprio apartamento, atende uma clientela que prioriza looks mais clássicos para festas elegantes. Fascinators, casquetes, voilettes, grinaldas, fazem parte do repertório de ofertas. As peças são, quase na totalidade, feitas sob medida, de acordo com a preferência e cores escolhidas por cada cliente. Raquel comenta que as dificuldades para ultrapassar limites e oferecer outras opções ao mercado são grandes. Uma delas é morar em uma cidade que não está acostumada a usar esse tipo de acessório.
“Como sempre saio de chapéu, já me acostumei aos olhares atravessados com os quais cruzo, nem percebo mais a curiosidade. Também tenho boas surpresas: gente que me para na rua para elogiar e perguntar a origem, onde podem comprar o que estou usando. Acho que é um sinal de que as coisas estão melhorando”. A chapeleira atribui isso ao fato de que a moda está mais democrática, todo mundo tem oportunidade de viajar, ver looks no instagram, assistir aos desfiles. “Penso que as informações vão abrindo a cabeça das pessoas”, acredita.
Raquel se ressente também da falta de materiais específicos para a construção de peças diferenciadas, no mercado brasileiro. Feltros e palhas especiais, como a sinamay, que compõem chapéus sofisticados como os vistos nas cerimônias inglesas. “Não vou dizer que são criações baratas, porque envolvem produtos importados e é tudo feito à mão, mas quem gosta valoriza, sobretudo fora do país”.
Na capital mineira, dá para contar nos dedos os profissionais que trabalham além da linha festa. A mais famosa delas era Lenice Bismarker, que morreu há quase uma década, deixando uma lacuna. Por mais de 50 anos, sua mão esteve presente nos arranjos de cabelo e acessórios de mulheres que frequentavam a “tradicional sociedade mineira” em tempos de elegantes agendas sociais. “Cheguei a conhecer a Lenice e seu trabalho, fui ao seu atelier, em Lourdes, mas ainda era bem jovem”, lembra.
Sempre disposta a ampliar seus conhecimentos, Raquel não hesita em entrar em contato com mestres do ofício, como o carioca Denis Linhares, que tem loja em Copacabana e é muito requisitado pelas figurinistas. Suas peças estão sempre presentes nas teledramaturgias e no cinema nacional. “Fui até lá, pensei até em fazer um curso com ele, mas acabei indo para a França. Conheci também o trabalho de Graciella Starling, muito bem posicionado em São Paulo”. Essa chapeleira é uma das principais representantes do millinery – tradição de fazer chapéus e ornamentos de cabeças à mão. “Como são poucos os que atuam na área, tento fazer conexões para fugir de uma espécie de isolamento profissional”, diz.
Em termos internacionais, quem merece a atenção da mineira é o irlandês Philip Treacy, talento descoberto e divulgado pela editora de moda inglesa Isabella Blow. Superpremiado e reconhecido na alta costura, seus trabalhos já foram expostos no Victoria and Albert Museum e no Museu Metropolitano de Arte. “Ele é um dos maiores do mundo, uma verdadeira referência e inspiração”.
Para o futuro, Raquel planeja se instalar na Europa, local em que o ofício é mais valorizado e onde poderá crescer profissionalmente. “Penso em me mudar para Portugal, que fica perto da Inglaterra e da Espanha. Há muito a se explorar na área dos chapéus, muitas frentes além das festas e cerimônias”. Ela cita como exemplo o lado fashion, representado pelo estilo californiano do milliner Nick Fouquet, que funde elementos boêmios, desconstrução, irreverência, artesanato americano e paleta colorida nas coleções feitas com feltro. “Há a frente mais urbana, clássica e criativa que a gente pode ver em Paris, com palhas maravilhosas. Há a linha voltada para as corrida de cavalos. São várias técnicas, você escolhe a que mais aprecia, treina, aperfeiçoa, mas o trabalho de criação é totalmente livre. Cada chapeleiro tem uma assinatura”, ensina.
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