Filha de comerciante e uma das mais novas no meio de 11 irmãos, a empresária Rosália Nazareth encontrou sua profissão por acaso. Queria fazer medicina e ser pediatra, mas se formou em fisioterapia, com especialização em crianças com paralisia cerebral, e com toda essa formação acabou se tornando uma das grandes joalheiras de Minas Gerais. A única coisa que não mudou foi seu coração solidário e sua constante vontade de ajudar causas sociais, principalmente as que são voltadas para o atendimento a crianças. Perguntada por crises econômicas, não se lembrou de nenhuma, confirmando o que as pessoas que a conhecem já sabem: é uma otimista convicta. Mas ressalta que este momento da ameaça da pandemia é o pior que já viveu até hoje.
Fale um pouco de sua família.
Meus pais são da região de Ponte Nova e Governador Valadares, ambos já são falecidos, Rosalina e Vitor Tavares Nazareth. Minha mãe era do lar, e meu pai, comerciante. Somos 11 irmãos e eu sou uma das mais novas, a nona. Meus pais vieram de famílias de fazendeiros, mas vieram para Belo Horizonte porque sabiam que era uma oportunidade melhor de estudo para os filhos, por isso nasci aqui. Porém, meu pai foi trabalhar em Mato Grosso como representante de uma empresa atacadista de cereais.
"Crise? Sinceramente? Se teve, não me lembro, passamos por elas"
Como foi sua infância?
Tive uma infância muito boa, cresci no Bairro Santa Tereza. Sempre tive muitos amigos, participava do grupo de jovens da paróquia. Tinha muitos e bons amigos. Sempre fui boa em relacionamentos e isso era muito bom.
Era muito estudiosa?
Era dedicada nos estudos, sem muito exagero. Gostava mais de estar com as pessoas, de interagir com elas. Mas sempre fui monitora, organizava os esportes e as viagens da turma do colégio. Estava sempre cuidando do social. Completamente diferente da minha irmã que é um ano mais velha que eu. Ela sempre foi mais introvertida e se tornou médica.
Quando era mais nova, o que queria ser quando crescesse?
Queria fazer medicina, porque gostava de trabalhar com criança e por achar que era uma profissão bonita e respeitada. Para falar a verdade, pensando hoje, não sei dizer muito bem o motivo que me levava a querer ser médica. Acho que era isso, mas nunca tive influência de ninguém, porque não tínhamos médicos na família.
O que a fez mudar de ideia?
Vivíamos com dificuldade financeira, em uma família grande com orçamento apertado, ou passava na Federal ou não estudava. Minha irmã sempre foi muito estudiosa, era caxias, e não passou no vestibular na primeira vez. Se ela não passou, eu não passaria. Quando vi a dificuldade mudei de curso, e fui para fisioterapia. Minha turma foi a terceira da UFMG, em 1980. Fiz especialização em atendimento a criança com paralisia cerebral, mas não me identifiquei com a área. Só para fechar a resposta, minha irmã não passou na Federal e foi fazer medicina na Ciências Médicas.
Como começou a trabalhar com joias?
Ainda na faculdade, sempre envolvida com muitas pessoas e colegas, frequentava as casas das amigas; graças a Deus sempre fui muito querida. Minha irmã mais velha e um irmão resolveram investir em joias em 1982/1983. E me chamaram para vender as peças para o meu círculo de amizades. Comecei a vender para as colegas e amigas, amigas das colegas, enfim, para todo o meu relacionamento. Gostei da experiência e tomei paixão pelo produto e pelo negócio, me descobri dentro disso e passei a ter relacionamento com fabricantes e ourives.
E como ficou a fisioterapia?
Percebi que me sentia muito melhor trabalhando com coisas bonitas e que faziam as pessoas felizes do que lidar com doença e tristeza. Isso foi virando minha profissão, naturalmente. Quando me casei com o Paulo Leite Costa, em 1986, ele perguntou se era isso que eu queria. E eu disse que sim.
Largou seus irmãos e abriu sua joalheria?
Meus irmãos desistiram do negócio. Comecei a namorar o Paulo em fevereiro; namorei, noivei e me casei em seis meses. Ele sempre trabalhou em incorporação e construção civil. Meu sogro sempre foi uma presença maravilhosa na minha vida. Meu sogro foi muito importante, Paulo Costa. Apesar de formado em direito, atuava em incorporação e loteamento no Bairro Santa Lucia. Ele me recebeu muito bem e com um carinho muito especial, apesar do pouco tempo de namoro, e acreditou em mim quando optei pela joalheria. Fez questão de disponibilizar uma verba, e foi meu primeiro investidor. Aceitei como empréstimo. Se ia abrir um negócio, tinha que ser rentável para me sustentar e arcar com o investimento e despesas. Ele não queria aceitar, mas foi a condição que eu impus. O outro investidor foi meu marido.
Aí começou a joalheria?
Sim, comecei com muita paixão, a mesma que tenho até hoje. Ficava feliz com as pessoas comprando. Sempre é um momento de muita alegria para as pessoas quando compram para elas ou para presentear. Depois que me desvinculei dos meus irmãos caminhei sozinha, da forma que achei que seria melhor para aquele momento e para o meu negócio. Minas Gerais é celeiro de ourivesaria, já tinha contato com oficinas e nunca tive dificuldade para comprar as joias aqui. Temos excelentes oficinas e excelentes ourives. Os grandes artesãos do Brasil continuam sendo os mineiros. Tive este facilitador de ter oficinas à minha disposição. O que não tinha a gente fazia e adaptava para os clientes. A gente se virava mesmo. As pessoas sempre confiaram em mim. Passei a estudar muito sobre o assunto e o negócio.
Então você não desenhava as peças?
Não sou designer de joias, mas sempre tive uma facilidade muito grande de perceber se a joia ia ficar boa ou não, enxergar a finalização do produto, ter conhecimento do que seria ideal para o seu cliente. Isso é muito importante. Ter uma boa curadoria, o que vai agradar ao seu cliente, o que ele gosta. Conseguimos caminhar juntos, eu, meus fornecedores, minha equipe e os clientes dentro de uma curadoria boa. Hoje, tenho uma equipe com designers que desenvolvem peças, coleções. Toda linha de confecção para clientes é desenvolvida com design da loja. Feita com exclusividade para o cliente.
Teve dificuldade no começo?
O início foi muito fácil. Tive muito incentivo do meu sogro e do meu marido. Comecei de forma tranquila e segura. Recebia os clientes dentro da minha casa ou ia até eles. Era muito comum na época. Mas começou a tumultuar a casa. Paulo achou que era hora de abrir uma loja.
Quando foi isso e como se sentiu nesta nova fase?
Montei meu showroom em Lourdes há 25 anos. Na época, quem fez minha loja foi a Jacqueline Salomão, uma grande amiga de muitos anos. Era uma sala só e foi muito bom sair de casa, mas continuei disponível para ir na casa dos clientes. Porém, percebi que indo na loja o cliente era mais bem atendido, tinha mais opções para ver. E as pessoas gostavam de comprar e usar joias, não se sentiam ameaçadas de usá-las na rua, nos anos 1980, 1990. Era uma época tranquila em ermos de segurança.
Como enfrentou as crises econômicas?
Sinceramente? Se teve, não me lembro, passamos por elas. Fui aumentando meu showroom, minha equipe, as oficinas que trabalham comigo. Uma coisa importante no universo da joalheria é a fidelização, tanto da equipe, quanto dos clientes. Consegui isso. A gente controla melhor o padrão de qualidade. Tem oficinas que estão comigo desde que abri, eram pequenas e hoje são os filhos que tocam, cresceram e hoje são empresas robustas. Claro que em todo negócio tem momentos piores e melhores. Teve época em que as pessoas estavam receosas de usar joias nas ruas. Hoje sinto isso menos. Percebo mais tranquilidade, usam com cuidado, mas usam.
Como se sente com uma empresa sólida há 32 anos no mercado?
Tem que ter um olhar atento e uma autocrítica para sua marca não envelhecer. Ter cuidado com a linha, observação de quem é seu cliente, quem está comprando e dar espaço para a visão dos mais jovens. Muitos itens da minha loja hoje – claro que tem interferência minha nas compras – são escolhidos pela designer e a vendedora que vão comigo nas feiras. O perfil dos compradores mudou, e eu ouço a opinião delas. Tenho colaboradores como o Zeca Perdigão, que está comigo há anos e tem uma visão muito assertiva da joalheria, desse universo do luxo, porque não podemos abrir mão disso. Mesmo a comunicação sempre tem que ser luxuosa, a embalagem, a sacola. Não podemos perder este padrão de qualidade, dentro do que você pode investir. Dentro deste cuidado está a linha, respeitando o cliente, o quanto ele pode investir, tanto na compra pessoal quanto no presente. A minha empresa tem essa preocupação sempre. Minha equipe de marketing é jovem, e tem que estar a par desse universo das redes sociais e dos meios de comunicação atuais.
Você sempre ajuda campanhas sociais e solidárias. Isso faz parte dos princípios da empresa?
Tenho muita gratidão por tudo que sempre consegui na vida. Todo mundo sempre optou por mim, por comprar comigo. Sempre tive boas oportunidades. Cada um dá o que tem. Falo isso com meus parceiros e com quem me pede. Tem gente que dá o tempo, eu tenho joia, olha que bom. E dou de coração. Temos que ajudar mais, estar atentos ao mundo que nos cerca e tenho esse compromisso comigo. Falo isso dentro de casa e dentro da empresa. Falo com meus filhos – Felipe, de 29 anos, e Alexandre, de 25 –, os dois engenheiros, mas precisam saber da importância de ter um coração e atitudes solidárias.
Algum deles pretende ajudar na empresa e assumir o negócio?
A princípio, não vejo em nenhum deles uma sequência da minha joalheria.
Como está passando por este momento de isolamento social?
Você perguntou sobre crises e momentos difíceis. Posso dizer que o mais difícil por que já passei é o atual. Não me lembro de nenhuma como agora. Todo mundo muito confuso e perdido. Temos que esperar um pouco para ver como vamos ficar e o que vai acontecer. A compra da joia é um momento de alegria, por isso não tenho feito nada agressivo para vender agora. Claro que as crianças continuam nascendo, os aniversários ocorrem, mas a hora agora é doações solidárias, como estamos fazendo com o Hospital da Baleia, e esperar por dias melhores.