Jornal Estado de Minas

Sustentabilidade

Momento de ressignificar

Muito antes que a sustentabilidade ganhasse o status e importância que tem hoje, Ronaldo Silvestre já flertava com ela. Palavras de ordem do momento, como slow fashion e moda autoral, fazem parte do seu vocabulário há muito tempo. Esses conceitos, impressos no DNA do estilista, estão na sua origem, na memória de uma infância humilde em que a mãe costureira desmanchava calças de uniformes usados para que ele e seus irmãos tivessem o que vestir.
 
- Foto: divulgaçãoA reverência pelo trabalho materno fez com que quisesse oferecer a várias pessoas a oportunidade de ganhar a vida por meio desse ofício. Quando voltou a Itabira, sua cidade natal, depois de 20 anos longe, Ronaldo, já formado como designer de moda em Londrina, criou o Instituto ITI – Igualdade, Transformação & Inovação Social, uma ONG sem fins lucrativos que promove, gratuitamente, o resgate socioassistencial e socioeconômico para mulheres e meninas em vulnerabilidade social. Lá são oferecidos cursos de qualificação profissional e geração de renda nas áreas de costura, bordado, artesanato sustentável, gastronomia e artes criativas.
 
- Foto: divulgaçãoPara se ter uma ideia da sua seriedade, a instituição abarca nove dos 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU para 2030. Encaminhadas para os ateliês de costura, essas mulheres, de várias idades, aprendem a profissão que poderá lhes garantir um futuro mais promissor com renda própria e melhora da estima.
 
- Foto: divulgaçãoO material usado em todos os cursos e oficinas é garimpado entre várias indústrias, que enviam resíduos têxteis e outras matérias-primas para o desenvolvimento do trabalho. E, além da Prefeitura de Itabira, várias outras parcerias são formadas por Ronaldo para que a ONG possa evoluir. A preocupação para prover recursos e garantir o funcionamento do projeto está sempre presente na cabeça do estilista, que conduz, dentro do mesmo viés sustentável, uma marca própria e homônima.
 
- Foto: divulgaçãoCom ela, já participou de inúmeros eventos pelo Brasil.
São dezenas de coleções desfiladas no Paraná, Minas Gerais, Brasília, São Paulo, Ceará, e muitas premiações importantes. Há dois anos, por exemplo, ele foi protagonista do 3º Prêmio Ecoera, criado por Chiara Gadaleta, consultora de moda especialista em sustentabilidade. O principal desafio do prêmio, desde sua criação, em 2008, é integrar o mercado da moda, beleza e design às questões sociais e ambientais por meio de um conjunto de atividades, práticas e ações que aproximem a cadeia produtiva da moda à sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural. A marca foi vencedora na categoria Gênero, que avalia esforços das empresas e das instituições para avançar em igualdade de gênero e empoderamento feminino.

- Foto: divulgaçãoHomenagem No seu último desfile para o DFB Festival 2020, de Fortaleza, Ronaldo, presença cativa na programação desde o início da carreira, teve a oportunidade de homenagear as costureiras, bordadeiras e ex-alunas do ITI – que também são responsáveis pela execução das coleções. Pela primeira vez, elas puderam ver um desfile ao vivo, conferindo, de pertinho, os looks que costuraram na passarela. Em função da pandemia, a apresentação foi on-line, na própria sede do IT, em Itabira: assentadas diante das máquinas de costura, faziam parte do cenário, ao mesmo tempo em que eram também plateia.
 
- Foto: divulgaçãoNa coleção, batizada de Ressignificar, muito adequada ao momento pelo qual a humanidade passa, o estilista conta que recriou o que já tinha criado, mas com matizes diferentes, tendo como denominador comum a liberdade e a atemporalidade intrínsecas no seu trabalho. Junte-se a isso o caráter autoral representado por uma artesania em detalhes, que ele chama de manualidades, por ter a marca da mão sempre presente.
 
A manipulação têxtil é um elemento norteador para Ronaldo, que se debruça sobre os tecidos e matérias-primas criando vazados, jogos de lisos e transparências, volumes, texturas,  tingimentos manuais: essa é sempre a sua grande pegada, que ele também denomina como artwear.
Na coleção, isso está expresso, por exemplo, na jaqueta em denin em que os vazados estruturam e dão volume à peça, em um ótimo exercício de modelagem. O jeans também vem manchado com efeito tie dye e há saias no mesmo espírito, mas bem coloridas. O casaco alfaiataria, bem leve, construído com tiras opacas e transparentes, é destaque.
 
Ronaldo Silvestre (assentado) e a equipe do Instituto - Foto: divulgaçãoO estilista pontua que, em todas as suas coleções, trabalha as metáforas da sua vida e as suas percepções sobre o mundo, as pessoas e o futuro. “Minhas roupas misturam estilos ora funcionais, ora delicados, ora de exuberância pontual. Todas as peças são produzidas com resíduos têxteis doados por algumas tecelagens, para criar roupas únicas e atemporais, fortalecendo o artewear feito no Brasil com o design social e circular anteriores, em uma ideia de design circular”, define.

Fábrica O caráter social do Instituto ITI reflete bem o espírito de seu criador. Tão logo chegou a pandemia e percebendo suas necessidades, o estilista criou a Fabrica Social ITI Costurando pela Vida, reunindo 50 ex-alunas, que partiram para a confecção de máscaras de proteção hospitalar em SMD (seguindo os critérios estabelecidos pela Resolução NRD 379), e máscaras de uso social com tecido 100% algodão.
 
Iniciou-se também uma campanha para arrecadação de alimentos para ajudar os carentes. Uma ação solidária junto à Secretaria da Saúde de Itabira foi direcionada para os asilos. A doação de 4 litros de leite dava direito a um kit com três máscaras.
“Penso que cada um de nós tem um papel no mundo. Nesse papel, escolhi fazer o bem para o outro. Acho que precisamos trabalhar a questão da empatia e da solidariedade, principalmente agora. A vida me deu tantas alegrias, por que não repassá-las para outras pessoas?”, pontua.
 
Ronaldo é daqueles que acreditam na moda como agente de transformação social. Tem lidado com experiências de grande impacto ao longo do tempo que demonstram que está certo. As mulheres, de várias faixas etárias, que fazem o curso de costura na ONG, obedecem a uma séria disciplina. São seis meses de aulas, com 3h45min, três vezes por semana. Se tiverem três faltas são afastadas porque perdem parte importante do processo. A primeira peça que confeccionam é para elas usarem. “A percepção do “fui eu quem fez” é muito importante na questão do resgate social, é um orgulho.
E um gatilho importante para motivar os próximos passos”, completa.
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