No lugar de roupas, objetos para casa. Regina Misk, designer especializada em tramas com fios e linhas, deu uma guinada na carreira ao trocar a moda pela decoração. Mas ela continua a usar técnicas como tricô e crochê para criar peças que envolvem muitas horas de trabalhos manuais. O catálogo vai de adornos a utilitários e móveis. A inauguração do novo ateliê, que ocupa uma casa centenária no Bairro Barro Preto, marca esta nova fase.
Há tempos, Regina pensava em montar um ateliê fora de casa. Mas ela não queria ir para um galpão. Procurava um espaço mais antigo, com história para contar, que tivesse mais a ver com o seu trabalho. Acabou escolhendo uma casa de 1922 no Bairro Barro Preto, com pé-direito alto, piso de tábua corrida e portas de madeira altas e largas, que se abrem no meio, típicas de imóveis centenários.
Assinado pelo arquiteto Pedro Haruf, o projeto de reforma preserva todas as características originais. A fachada foi revitalizada e agora conta com escritos que dizem sobre quem ocupa a casa, como se fazia antigamente. Lá no alto, as iniciais RM, de Regina Misk. Abaixo das duas janelas, lemos “ofício tradicional”, “tecelagem artesanal” e “trabalho autoral”.
O espaço vai, aos poucos, sendo ocupado por objetos que estão à venda e ferramentas de trabalho. “A ideia é não ter divisão entre showroom e produção. As pessoas podem vir aqui para conhecer as peças e, ao lado das prateleiras, vão ver uma máquina de costura, ou alguém pregando uma etiqueta. Este é nosso local de trabalho”, explica. Por enquanto, o ateliê está de portas fechadas para o público. A designer avisa que só receberá os clientes quando a pandemia permitir.
Regina trabalha com todas as técnicas que envolvem tramas. “Fico mais à vontade de expressar a minha criatividade com fios e linhas”, diz. Suas habilidades manuais vêm da infância: ela cresceu vendo a mãe tricotar e teve aulas de artesanato no colégio de freiras onde estudou, em Portugal. Hoje, o que ela mais faz é tricô e crochê, mas não deixa de experimentar macramê, bordados, tecelagem em tear. Está sempre em busca do diferente, seja na técnica, nos materiais ou no design das peças.
O ateliê explora, intencionalmente, dimensões mais exageradas. A designer fala que cria com lente de aumento. Usa fios mais grossos, faz tramas mais volumosas e desenvolve objetos enormes (o cesto Samburá tem um metro de altura). “Decoração em crochê existe aos montes, então tento deslocar meu trabalho do artesanato, levando para um lado mais contemporâneo, de design. É para chamar a atenção e causar surpresa nas pessoas”, justifica.
A vontade de fazer diferente, de não ir na onda do que todo mundo faz, levou a designer a lançar, em 2016, os objetos de maior sucesso do ateliê, que são as correntes de crochê. A linha vem evoluindo e tem cada vez mais opções. As tramas, preenchidas com resíduos têxteis, podem ser de algodão, juta ou rami, em várias cores. Algumas ganham elos de madeira. O comprimento e a espessura também variam. Tudo é feito a mão. A Corrente Nove Elos, por exemplo, exige cerca de 30 horas de trabalho manual.
No início, ninguém entendia direito para que serviam as correntes. Hoje elas são encontradas em vários contextos. O mais comum é usá-las como centro de mesa, mas sugere-se também pendurá-las na parede, fazendo uma composição entre quadros. Uma peça, feita sob medida, foge totalmente do padrão: está instalada no hall de um prédio, que tem quatro metros de pé-direito. Vai do teto ao chão. A designer adianta que está desenvolvendo luminárias com os elos.
O trabalho também se diferencia pelo design. Regina é quem desenha os objetos, inclusive os móveis. A banqueta Cipó tem os pés curvados de madeira e o assento feito com uma técnica de trançado que ela aprendeu no curso de estofamento em Londres. A diferença é que, em vez de palhinha, vemos uma corda bem grossa. “Gosto de falar de aconchego, memória afetiva, remeter a uma lembrança gostosa da casa de vó, mas, ao mesmo tempo, trazer modernidade.”
POLTRONA Não dá para deixar de falar da poltrona Concha, toda estofada em tricô manual. Apoiado em pés palito de madeira, o assento traz o aconchego das tramas, que se prolongam em franjas com charme e balanço. O trabalho com bolas de crochê, aplicadas em três modelos do banco Bolha, também chama a atenção. As peças já são marca registrada do ateliê.
A aproximação de Regina com o mobiliário se deu através de cadeiras, poltronas e bancos. Em 2013, nas idas a São Paulo para visitar o filho, passou a frequentar antiquários e despertou o olhar para a decoração. Lembrou-se de um sofá com estofado de tricô que fez para a vitrine de uma loja sua, nos anos 1990, que fez muito sucesso. “Comecei a comprar aleatoriamente peças de época e reformá-las. Não tinha a intenção de vender.” Na época, tudo era um hobby, ela ainda trabalhava no mercado da moda.
No início de 2018, a designer resolveu dar uma pausa para pensar o queria da vida e passou quatro meses na Europa. Em Londres, fez cursos de tecelagem, tingimento e até aprendeu a estofar. “Quando voltei dessa viagem, cheguei à conclusão de que queria me dedicar a esse negócio. Estava cansada da moda e via que a lógica da decoração era muito diferente. As peças podem demorar para vender, mas não são perecíveis. Existe tendência de cores, mas de forma bem sutil, são pinceladas na coleção.”
Regina desenvolve outros tipos de objetos para a casa, como a luminária Uaná, que pode ser mesa ou de chão. A cúpula é revestida com tramas de crochê em cadarço de poliéster. O mesmo material aparece na fruteira Caturra, em formato de folha de bananeira. Todas as peças são feitas sob encomenda. O cliente tem a possibilidade de escolher cores e pontos de sua preferência.