Marta De Divitiis
A edição número 51 da SPFW – São Paulo Fashion Week, que agora é um festival, ocorreu entre os dias 23 e 27 de junho sob o nome de Regeneração. Foram 43 fashion films e várias lives onde profissionais de diferentes áreas discutiram temas como a sustentabilidade, gestão de negócios e empreendedorismo e empoderamento feminino. Na grade de desfiles o Projeto Sankofa, um coletivo de estilistas negros, iniciativa da plataforma Pretos na Moda e da startup VAMO – Vetor Afro Indígena na Moda, colocou em pauta a necessidade de termos estilistas pretos e indígenas no line-up.
Mineiros roubam a cena
Ronaldo Fraga iniciou a semana com a coleção Terra de Gigantes, uma homenagem aos verdadeiros mitos da nação, segundo ele, inspirada no Cariri cearense. Filmado na região, a coleção mostrou texturas diferentes obtidas de rendas sobrepostas e bordados, com cores primárias e secundárias. O linho foi a base das peças, delicadas e ao mesmo tempo com grande carga cultural. “A moda é um documento do tempo, seduz e horroriza. Essa coleção chega num momento em que temos um Brasil triste, mas que insiste e deslumbra. É hora de lançar luz sobre os verdadeiros mitos da nação. Essa coleção é um manifesto político poético”, concluiu Fraga.
Por outro lado, tivemos a poesia na coleção de Luis Claudio Silva, da Apartamento 03. No filme, as peças de renda ganharam babados delicados formando texturas diferentes em cores como o vermelho, rosa, turquesa, marinho e cáqui. “Fiz a coleção enquanto estávamos todos em isolamento, com a cidade praticamente fechada. Tudo o que eu tinha era a janela de casa, para observar o mundo e a coleção mostra um pouco disso,” disse o designer. De acordo com Silva, no momento do isolamento, o mais importante foi entregar a coleção que havia terminado para os clientes. No filme, ele quis dar destaque ao jogo de texturas.
A LED fez uma apresentação forte, com três clipes musicais, cada um deles tendo uma estampa como base, que também surgia como papel de parede. O estilista Célio Dias trabalhou bastante o tricô e crochê manual em peças que abraçavam os corpos. “Tentei transmitir no meu filme o desejo coletivo de poder retornar à vida pré-pandemia, ante todo esse nosso retrocesso,” disse ele. O flerte com o upcycling , especialmente no crochê e na tinturaria, foi um dos destaques.
Já Ronaldo Silvestre apresentou uma coleção street wear mesclada a uma feminilidade romântica, observada em detalhes delicados como babados, tecidos aplicados formando estampas e tecidos fluidos, em contraposição a calças, jaquetas e macacões com bolsos funcionais. Nos pés, papetes de salto alto chamaram a atenção.
Formas amplas e o desejo de sair
A maior parte das coleções se norteou por peças de modelagem ampla, que passam um conforto extremo e, ao mesmo tempo, uma elegância mais despojada. Paralelamente, muitas marcas apostaram em parcas, casacos corta-vento e jaquetas Bomber e Perfecto, peças que costumamos usar quando saímos, sobre o look, sinalizando a vontade de voltar à nossa vida antes da pandemia. Marcas como a Alg e Soul Básico, focadas no streetwear, os estreantes Anacê, Victor da Justa (que trouxe jaquetas cropped, estampadas de QRCode) e Misci combinaram jaquetas e casacos com bermudas, calças, saias e vestidos.
Romantismo nostálgico e upcycling
Muitos estilistas não abriram mão do romantismo, que veio em vestidos leves e fluidos, como Glória Coelho e Carol Bassi. Na estampa floral de Wilson Ranieri e Lilly Sarti, assim como nos vestidos de festa de Samuel Cirnanski, com enormes saias de tule. Neriage buscou essa leveza nas mangas amplas e plissadas. enquanto Rocio Canvas utilizou longas faixas soltas, que podem ser amarradas dando outra forma à peça. As saias três-marias vieram em coleções como a de Flávia Aranha e Isabela Capeto (que aplicou e bordou tecidos nas peças, formando estampas de flores e frutas).
Já a sustentabilidade foi levada à prática por João Pimenta, que usou inclusive tecidos de bandeiras de amostras, em ricos patchworks. Renata Buzzo usou 98% dos tecidos, fazendo das sobras babados e tressês que detalharam mangas e barras de vestidos e blusas. O projeto Ponto Firme, tendo à frente Gustavo Silvestre, investiu no mix de tricô e crochê, alguns com partes de tecidos aplicadas.
Walério Araújo, estreante no evento, comemorou seus 30 anos de carreira apresentando peças icônicas que fez durante esse período. Assim, vimos brilhos, franjas, cores exuberantes vestindo as figuras mais notórias da noite alternativa paulistana. “Um revival de brilho, plumas, purpurina e alegria, mesmo quando às vezes precisamos chorar”, disse ele.
Projeto Sankofa
Com apoio do IN-Mod – Instituto Nacional de Moda e Design o Projeto Sankofa contou com oito marcas: Ateliê Mão de Mãe (coletivo de crocheteiras); Meninos Rei; Santa Resistência; Mile Lab; TA Studio; Az Marias; Naya Violeta e Silvério.
Com filmes curtos e coleções cápsula, o destaque foi para o trabalho de crochê do Ateliê Mão de Mãe, os tecidos da Guiné Bissau utilizados por Meninos Rei, na sofisticação luxuosa da Santa Resistência e no upcycling de uma cortina de família que Mile Lab desdobrou em várias peças.