Enxergar bem não é mais o único objetivo de quem usa óculos. Além de ser uma ferramenta para melhorar a visão, a peça tem ocupado a posição de acessório. Ou seja, está a postos para compor o seu look e mostrar mais da sua personalidade. Ainda que não sejam maioria, óticas de Belo Horizonte oferecem cada vez mais modelos que fogem do convencional, com formatos inusitados e cores ousadas. Em tempos de home office, a busca por armações diferentes se intensificou.
Para a fundadora da Moon, Lara Lima, está clara a mudança de comportamento dos mineiros em relação aos óculos. “Atualmente, as pessoas que precisam usar óculos não procuram só uma peça para atender a uma necessidade. Querem uma peça que converse com o design e que exponha a sua personalidade”, comenta a fotógrafa, que há 10 anos fabrica armações para quem quer ser diferente.
Na pandemia, a escolha de óculos com estilo aumentou. Trabalhando de casa, e sendo vistas apenas do ombro para cima, as pessoas querem exibir no rosto uma armação que não seja tão básica.
Outra tendência, impulsionada pelo home office, é a busca por conforto. “Estamos surfando na onda das lentes com tecnologia blue. Mais do que nunca, as pessoas estão na frente de computador, celular, televisão e este filtro bloqueia a luz azul que sai das telas. A longo prazo, você fica com os olhos descansados e protegidos”, explica Lara. A Moon nunca vendeu tanta lente com tecnologia blue, que está mais acessível, como no último ano de pandemia.
Thiago Maia, sócio da Zótika, que completou 35 anos, concorda que as pessoas estão enxergando os óculos cada vez mais como um acessório que complementa o visual, e não apenas um instrumento de visão. “Neste cenário de pandemia, de muitas reuniões on-line, as pessoas têm investido mais nos óculos, tanto no sentido estético quanto pelo lado da saúde visual”, aponta o empresário, que trabalha na ótica há 19 anos e vem reforçando a missão da marca de unir atendimento de qualidade e peças de design.
Há 40 anos...
A história da família Maia no ramo começou pelo pai, José Antônio, fundador da Óptica Metrópole, na Rua da Bahia. “Há 40 anos, quando ele abriu as portas, o propósito era fazer diferente e apresentar aos clientes algo que fugisse do lugar comum.”
No momento de expansão para a Savassi, onde hoje tem duas lojas (Avenida Cristóvão Colombo e Shopping 5ª Avenida), a decisão foi usar outro nome. Forte e marcante, Zótika transmitia a vocação da nova ótica de ser diferente, ousada e longe do convencional. Nesta mesma época, surgiu a marca própria, Capolavoro, que chegou com a proposta de oferecer aos clientes produtos com design diferenciado, que não eram fáceis de encontrar no mercado de BH.
Fora a linha Capolavoro, fabricada no Rio de Janeiro, todos os outros produtos são importados. Segundo Thiago, os ateliês europeus estão bem na frente dos brasileiros em termos de qualidade e design, por isso eles trabalham com marcas alemãs, belgas, francesas, italianas, entre outras, que conhecem em feiras internacionais. “O diferencial destes ateliês é que são técnicos ópticos que confeccionam os óculos. Além da questão estética, eles têm compromisso com a parte técnica”, justifica.
É nisso que a família Maia acredita. Não adianta só pensar na beleza das peças. Além de vender produto bonitos e diferentes, a ótica se preocupa com o atendimento, que é uma consultoria, para que o cliente consiga fazer a melhor escolha. Soma-se o apuro técnico na confecção dos óculos, afinal, o objetivo é enxergar bem. “Identificamos o produto que fica esteticamente harmônico e tecnicamente mais adequado às necessidades do cliente. Essa é a base do nosso negócio”, resume.
Thiago defende que os atendimentos devem ser individuais. “O nosso rosto tem inúmeras variações, tom de pele, sobrancelha, formato, fora personalidade e expectativa de uso dos óculos.”
Mesmo pela internet, a orientação é não fazer venda por impulso. O atendimento passa também pela consultoria. O vendedor pede para o cliente mandar fotos, avalia o formato do rosto, conversa (até por chamada de vídeo) para entender os desejos e analisa se a armação escolhida atende as especificações técnicas da receita. O site e as redes sociais, inclusive, são mais para mostrar o conceito da marca. Não tem aquela venda de clicou no carrinho e comprou. Se tiver que ser assim, Thiago prefere não vender.
Parceiros de confiança
A ótica trabalha com poucos fabricantes de lentes. “Não basta fazer um bom atendimento se a confecção da lente não seguir os nossos critérios. Parceria tem que ser igual amizade: você tem poucos amigos, mas são aqueles em quem pode confiar.”
A família não abre mão de ter um laboratório próprio de montagem dos óculos, etapa do processo que costuma ser o “calcanhar de aquiles” do ramo óptico. Thiago diz, que para manter índices elevados de satisfação dos clientes, não tem outro jeito. Não terceirizar significa ter controle do início ao fim e garantir que os óculos terão as medidas técnicas respeitadas. No caso de clientes de lentes multifocais, por exemplo, se a centralização não é bem feita, a adaptação fica mais difícil.
Quem desenha os modelos da Capolavoro são o pai e os dois filhos. Segundo Thiago, as inspirações se baseiam no conhecimento empírico de quem está há muitos anos no ramo e acompanha de perto os atendimentos para entender o que o consumidor quer. “Temos que acompanhar a exigência crescente dos nossos clientes para permanecer na vanguarda, prezando por produtos que surpreendam, fujam do lugar comum, sejam atemporais e de conceito, e não de moda. Além disso, que sigam sempre critérios técnicos, que vistam bem o rosto e se encaixem bem no nariz.”
O trio também segue o feeling na hora de escolher os produtos europeus. A busca é sempre por modelos diferentes, que marcam o rosto e a personalidade de quem usa, mas sem excesso de detalhes, para que não fiquem over.
Normalmente, os óculos da Zótika exibem formas inusitadas. Uma peça de um ateliê alemão, por exemplo, que virou o modelo mais icônico da loja, tem uma lente redonda e outra quadrada. “Colocamos esta peça na vitrine há uns oito anos, sabendo que era superinusitada, e vendemos no primeiro dia. Aí um cliente viu com o outro, pessoas de outros estados começaram a nos ligar e os óculos viraram marca registrada de vários clientes”, comenta.
O diferente também pode estar nas cores e nas combinações inesperadas, como laranja com cinza e azul-marinho com vermelho. Outra característica marcante das peças é a mistura de materiais, incluindo translúcidos com opacos, foscos com brilhosos, titânio com acetato. A marca costuma vender dois exemplares de cada óculos, um em cada loja. Acabou, partem para outro.
Sempre tem novidade
Os lançamentos não seguem tendências nem calendários. A medida em que vem uma inspiração ou peças de fora chegam, as lojas recebem reposição. Sempre tem novidade, mesmo que os modelos sejam atemporais. “Há sempre espaço para novas combinações, surgem materiais diferentes, então sempre tem como surpreender.” A peça mais recente vem de um ateliê francês face e é inspirada nos pixels. De acetato mais grosso, tem ângulos quadrados nas bordas, o que cria um efeito interessante.
Em geral, a marca atrai pessoas em busca de uma pitada diferente nos óculos, cada um na sua medida. A consultoria serve para entender justamente o quão diferente o cliente quer, extremamente ousado (como quadrado e redondo) ou clássico com um sopro de criatividade.
A maior parte dos clientes estão acima dos 40 anos, se sentem seguros de usar algo que foge de tendências e enxergam valor em investir em um bom óculos. Eles se dividem entre 65% de mulheres e 35% de homens. Thiago observa que o público masculino ainda é um pouco resistente a peças de design, mas isso tem mudado. Muitos procuram a ótica porque querem mudar e saem daqueles óculos tradicionais, chamados de flutuantes, que tem o objetivo de “sumir” no rosto.
Feliz por ver a marca chegar aos 35 anos, com amor pelo que faz, Thiago anuncia o projeto, para o ano que vem, de abrir uma maison para reforçar mais ainda o seu conceito, focando em experiência. A família entende que a compra dos óculos envolve arquitetura inspiradora (o imóvel onde fica a Óptica Metrópole foi o primeiro da Rua da Bahia a ser restaurado), obras de arte (as lojas exibem peças de design nacional, como quadro de Humberto Hermeto e móvel de Paulo Alves) e até um café.
“Esta casa vai respirar design, conceito e compromisso com o cliente. A intenção é que o nome Zótika seja referência em atendimento impecável, produto diferenciado e qualidade. Queremos marcar o nosso espaço na cidade”, avisa. Dessa forma, eles querem oferecer uma nova experiência a clientes que estão habituados a lojas de shopping e ainda não conhecem outros formatos.
De curadoria a fabricação própria
A Moon começou como uma curadoria de óculos importados. Lara Lima viajava e trazia para vender em BH os modelos mais diferentes. Naquela época, armação redonda e lentes coloridas eram extremamente exóticas e quem tinha vontade de ousar não encontrava opções.
Até que Lara decidiu investir em design autoral e virou uma das poucas fabricantes de óculos da cidade. “Queria seguir um caminho mais independente, apesar de mais caro, o que não conseguia fazendo curadoria. Achava melhor trabalhar com design próprio e ter liberdade de escolher as cores e os modelos”, destaca. Hoje a marca tem uma rede de quatro fábricas parceiras no Brasil, cada uma voltada para um tipo de material e demanda.
A fotógrafa está sempre de olho em tendências, ao mesmo tempo em que reedita peças lançadas há quase 10 anos. A estampa tartaruga é um clássico, mas a marca, a cada temporada, apresenta novas cores. Os óculos de acetato são pintados a mão, o que permite ousar na criatividade. No momento, a novidade são tons chamados de pastel eletric, por não serem tão desbotados, incluindo laranja e verde. As lentes coloridas também estão em alta.
Sobre shapes, os arredondados são imbatíveis na preferência dos clientes da Moon. Lara acredita que, ainda hoje, eles são considerados diferentes. A marca agora está apostando em modelos retangulares. O importante é fugir do básico, e com estilo.
“Por muito tempo, as pessoas usaram óculos de metal bem minimalistas, querendo esconder, mas agora não. Aceitam uma armação mais grossa, com a intenção de mostrar que usam óculos, inclusive sem grau”, comenta. Lara tem ousado ainda mais ao deixar à mostra as agulhas, estruturas que mantém as hastes mais firmes e normalmente ficam escondidas. Cobertas por acetatos com transparência, elas aparecem e até ganham texturas, virando um detalhe charmoso da peça.
Depois de inaugurar uma loja de rua em São Paulo, Lara pretende repetir o modelo em BH, onde só tem loja em espaços fechados (Grande Hotel Ronaldo Fraga e Mercado Novo). A intenção é ficar ainda mais perto do público. O novo ponto de venda, provavelmente, será na Savassi.
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