Jornal Estado de Minas
entrevista/Adriana Magalhães - Daniela Magalhães - 55 anos, administradora 46 anos, advogada

Sem medo de ousar



As irmãs e sócias Adriana e Daniela Magalhães começaram ainda jovens a trabalhar ao lado do pai, no setor imobiliário. Enfrentaram preconceitos por atuar em um setor predominantemente masculino, mas se fizeram ouvir por terem se capacitado. Fizeram parte de diretoria de órgãos de representação da classe, representam a cidade em associação nacional e colocaram a Céu-Lar em destaque, sendo pioneira em diversos tópicos, um deles de ser a primeira imobiliária a alugar imóvel pelo cartão de crédito, dispensando a figura do avalista. Com 43 anos de fundação, a dupla dobrou o tamanho da empresa com a recente fusão feita com a Ageville e semana passada fundiram com a Locus Imóveis.
 
Como começou a empresa?
Nosso pai começou a trabalhar muito cedo como office-boy do Banco do Comércio e Indústria, e chegou a gerente. Quando o banco foi vendido para o Banco Nacional, teve um programa de demissão voluntária e aposentadoria precoce, para “ficarem livres” das pessoas mais velhas e contratarem jovens, e papai optou pela aposentadoria. Até então ele tinha o segundo grau completo, o que hoje é o ensino médio, e cursos técnicos de relações públicas e de marketing. Depois de aposentado decidiu fazer Faculdade de Direito. Apesar de parecerem áreas diferentes, estava tudo ligado ao seu objetivo de trabalhar com imóveis.
 
 

Ele tinha esse plano?
Daniela – Não.
Durante a faculdade ele trabalhou na imobiliária de Silvio Ximenez, porque os clientes do banco sempre falavam com ele que queriam vender ou comprar algum imóvel. Ele aproveitou e usou essa carteira de contatos e trabalhou com ela. Ele sempre foi ótimo nas relações pessoais, é um RP nato, sempre conversou muito, com muita gente. E as pessoas sempre falando com ele da intenção de comprar, vender ou alugar.

Depois de formado abriu a imobiliária?
Adriana – Não, em 1978, ele se tornou um corretor de imóveis autônomo e criou o nome fantasia Céu-Lar, tomando como base os dois fundamentos de maior valor para ele na vida: Deus e a família. Não abriu empresa, ficava em um escritório pequeno. Dois anos depois, quanto eu estava com 14 anos, comecei a trabalhar com meu pai, como secretária, na parte da tarde – porque estudava pela manhã –, para ele poder ir ao banco, sair com clientes etc.

Quando ele abriu a empresa formalmente?
Adriana – Quando eu me formei em administração, em 1989, ele formou a empresa já me colocando como sócia. Meu irmão ainda estudava direito e a Daniela menininha.
Desde então, eu me intitulada administradora da empresa, comecei a atuar diretamente no mercado.

Era o seu sonho trabalhar com imóveis, ou queria outra coisa e a vida mudou seu caminho?
Adriana – Não, eu queria outra coisa, e nosso pai nunca nos influenciou ou pressionou para que fôssemos seus sucessores. Meu primeiro vestibular foi para fisioterapia e terapia ocupacional, que na época era um curso só. Estudei na Ciências Médicas um ano e meio. Estudava pela manhã e continuava trabalhando com meu pai à tarde. Mas entrou a época de estágio na faculdade, e fui estagiar em uma clínica para crianças excepcionais que tinha na Rua Grão Mogol, e comecei a cuidar de um menino com paralisia cerebral, mas isso me afetou muito emocionalmente, ficava muito impactada com a situação. Decidi trancar matrícula e fazer algum curso mais na área do trabalho que eu já fazia. Se gostasse, mudaria de área. Fiz vestibular para administração, e gostei muito do curso.
E eu gostava de atender clientes. Nunca mais voltei para a fisioterapia.

Não se arrependeu?
Adriana – Não, me realizei na administração. Já na faculdade, gostei muito das disciplinas gestão, marketing, economia. Mas o que me encanta mesmo em ser empresária, muito mais do que ser administradora, é o desafio do dia a dia de apagar incêndios. Sou muito criativa e rápida na tomada de decisões, eu gosto de resolver problemas. Um dos livros de que mais gosto, e indico para muita gente, é “Oba, eu tenho problemas”. Todos nós – exceto nossa irmã mais velha –, começamos a trabalhar na imobiliária como sendo o primeiro emprego, para depois seguir o nosso caminho. Mas a forma como meu pai lidava com o trabalho, o amor e o prazer que sempre teve em atender os clientes eram tão encantadores que nos tocou muito. Acredito que nos marcou e nos atraiu para a empresa. O mercado imobiliário é muito rico, tenho 40 anos de profissão e todo dia aprendo alguma coisa, nenhum negócio é igual ao outro.
Hoje, sou diretora comercial. Porém a vida dá voltas, e atualmente ajudo como voluntária em um programa com crianças portadoras de necessidades especiais.

Como foi sua trajetória e entrada na empresa?
Daniela – Comecei a trabalhar na empresa aos 21 anos, quando cursava direito, o que sempre quis fazer. Nasci quase junto com a imobiliária. Nas férias, sempre ajudava. Assim que me formei ele me colocou como sócia, escreveu uma linda carta me passando parte da empresa. Eu me senti muito prestigiada, honradíssima. Comecei de office-girl, passei por todos os setores da empresa, e hoje sou diretora administrativa e financeira. Todos nós passamos por todos os setores. Chamamos de Serviços Gerais. 

E o seu irmão?
Ele é sócio também, trabalhou um tempo no Serviços Gerais fazendo de tudo, mas nunca atuou na gestão, porque fez direito e atua como advogado. Ele cuida do nosso jurídico, e é conselheiro na empresa.
É professor nível Brasil de direito imobiliário.

Quando seu pai se afastou da empresa?
Em 1996. Até essa época, ocupávamos um imóvel do nosso pai, mas estava pequeno porque a imobiliária tinha crescido muito, então alugamos uma casa maior no Santo Agostinho, e nos dias de mudar nosso pai disse que não iria conosco. Foi um susto, questionamos essa fala, mas ele disse que ficaria lá e iria advogar a partir daquele momento, e que a imobiliária ficaria nas nossas mãos. Ele literalmente abandou a imobiliária.

Como vocês se sentiram?
Inseguras e com medo. Chegamos a falar com ele que não daríamos conta, que precisávamos dele, mas ele disse que estávamos mais que preparadas. E não mudou sua decisão. Isso nos deu força, nos encorajou. Desde então, estamos no comando. Quando completamos 40 anos de empresa vimos que em 20 anos estivemos os quatro juntos e nos outros 20 apenas nós duas. Estamos com 43 anos de imobiliária. Todas as consultorias que contratamos falam que nossos perfis são complementares, acreditamos que nosso pai viu isso lá atrás, e quando a Daniela entrou, percebeu que a empresa já estava estruturada e poderia seguir sem sua presença.

E como foi ser duas mulheres à frente de uma empresa em um mercado tão masculino?
Adriana – Nós pegamos momentos diferentes. Daniela já entrou com o mercado um pouco mais feminino, mas quando eu entrei era a única mulher no meio. Nosso mundo ainda é muito machista; naquela época, então, nem se fala. Eu, muito jovem, separada, com filho pequeno e responsável por uma imobiliária. O que fez ter respeito dos meus pares e dos clientes também é porque me qualifiquei muito. Todos os cursos que existiam e todos os congressos que eram feitos eu participava. Era muito estudiosa do mercado e isso fez com que eles vissem que eu não estava ali a passeio, não era a “filhinha do papai”, ou de forma superficial, mas eu tinha conteúdo. O que fez valer a minha voz e a da Daniela depois foi a competência, ralamos para nos posicionar. Quando estamos em reunião – isso no verbo presente mesmo –, a tendência é que nossa voz não seja ouvida. Inúmeras vezes falo alguma coisa e ninguém ouve, uma hora depois, um homem fala exatamente a mesma coisa e todos concordam. E eu digo, falei isso lá no início. É chocante, impressionante, mas ocorre.
Daniela – Isso independe da época. Até hoje nossa voz é ouvida e temos representatividade aonde vamos, porque tudo é com muito conceito, muita base e muito conteúdo. Falamos com significado, com sentido. Já fui presidente do Conselho Empresarial da Mulher, na Câmara do Mercado Imobiliário (CMI), e o objetivo da criação do conselho, em 2014, foi para trazer mais mulheres para este setor. Porque quando abrimos, as esposas eram sócias, mas atuavam nos bastidores, muitas vezes tinham cargo na diretoria, mas não participavam dos cursos, reuniões, eventos, que geralmente ocorriam à noite. Eles fechavam a imobiliária, os maridos iam às reuniões e elas iam para casa cuidar dos filhos, da casa, etc. A Adriana atuava diretamente. Quando criamos o Conselho, ligávamos para todas incentivando cada uma a participar, e deu certo. A Cássia Ximenez é a primeira mulher presidente da CMI, hoje Secovi-MG (Sindicato do Mercado Imobiliário) Regional de Minas Gerais.

Adriana, você chegou a participar da diretoria de algum desses órgãos?
Fui de várias diretorias da CMI – criada com total apoio do jornal Estado de Minas – e cheguei várias vezes a ser vice-presidente, e já fui da diretoria do Secovi também. Fui jurada, a convite do jornal, da primeira edição do prêmio PQEX – Programa de Qualidade e Excelência Empresarial, dado em três categorias e criado pela CMI em 2005, quando eu erada diretoria e o Ariano Cavalcanti era o presidente. O Estado de Minas foi o grande patrocinador por muitos anos. Depois, por eu ser de uma imobiliária, sai do júri, para não gerar questionamentos com relação à isenção na votação e não prejudicar a participação da empresa, e ganhamos todos os anos em diversas categorias. Também fui colunista do jornal or muitos anos, rpresentando a CMI.

Houve uma grande mudança na forma de atuar no mercado com a entrada forte da internet. Como foi isso para vocês?
Apesar de a Céu-Lar ter 43 anos, ela é jovial, fazemos de tudo para que a empresa esteja dentro do formato mais moderno. Não paramos no tempo. Somos pioneiros, e para ser pioneira a bandeira é pesada, porque tem que continuar. Somos incansáveis e procuramos trazer tudo o que vemos de novo para a nossa empresa. Nós fomos a primeira imobiliária a fazer laudo de vistoria fotográfico. Antes era um laudo descritivo, e decidimos fotografar porque assim ninguém tem como contestar. Ainda na época de máquina fotográfica com filme. Revelávamos e mandávamos encadernar. Hoje está tudo digitalizado. Fomos convidadas a participar da Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI) representando Belo Horizonte, e com isso vemos o cenário nacional do setor, tudo que tem de novo, o que deu certo e o que não deu. Quando fizemos 40 anos, trouxemos muitas coisas que têm a pegada da internet, como por exemplo alugar imóvel com cartão de crédito sem fiador. Viramos case. Tudo que achamos bom, implantamos aqui. Há sete anos, já tínhamos toda nossa carteira de clientes e todos os imóveis digitalizados, os contratos são com assinaturas digitais, desburocratizamos ao máximo. Nossos clientes não precisam mais reconhecer firma em cartório. Em 2005, fomos convidadas a nos associar à rede Net-imóveis. Hoje está em nível nacional, mas quando ela foi criada, em 1995, o objetivo era criar uma rede onde todas as imobiliárias pudessem ver tudo o que estava disponível no mercado, para atender melhor o cliente. Antes, se precisasse de um imóvel que não tinha na minha imobiliária, precisava mandar fax para todas as imobiliárias para achá-lo, para não perder o cliente, e fazia parceria. Isso demandava tempo. Com a rede, fica uma base única de imóveis, o que agiliza o processo.

Vocês acabaram de fazer uma fusão com a Ageville. Como foi isso?
O Sr. Américo Renné Giannetti faleceu, os filhos têm seus próprios negócios e não pretendiam assumir a imobiliária do pai. Por incrível que pareça, a Ageville era da mesma idade e do mesmo tamanho da Céu-Lar em termos de carteira de clientes, e com um perfil muito similar. Por isso a fusão seria bem-sucedida. Fizemos a fusão em julho e com isso a Céu-Lar dobrou de tamanho, e toda a carteira já está unificada e no nosso sistema digital. Alguns funcionários da Ageville vieram trabalhar conosco. Para os clientes, foi como se tivesse havido uma troca de endereços apenas. A reunião que fizemos com Elaene Giannetti e as filhas Júnia e Jacqueline foi de grande emoção, eu e as meninas chegamos a chorar. Ela disse que só deixaria sair da família para entrar em outra família, e saber que os clientes seriam bem cuidados. Foi uma honra ela confiar em nós para passar o legado de uma vida e depositar em nossas mãos.

Existe um laço emocional no trabalho de vocês?
O imóvel carrega uma história, até no imóvel comercial, quantos sonhos estão lá dentro. Damos muito valor e sentimos isso. Já fizemos reunião de venda com cerca de 14 pessoas de um lado da mesa e uns dez do outro lado, assinando. Herdeiros vendendo e família comprando. Na reunião, cada um conta uma história, é um momento no qual a memória aflora, o saudosismo aflora. Impossível ficar indiferente a essas situações. É gratificante participar desses momentos. Lidamos com gente, com suas vidas, histórias, sonhos. Criamos laços com nossos clientes. Anos depois, quando nos reencontramos, eles relembram com alegria essas situações.

Como ficou o mercado na pandemia?
Em março de 2020, parou tudo. Todo mundo com medo, sem saber o que viria pela frente. Mas, na verdade, o mercado imobiliário estava estagnado há mais de cinco anos, antes de a pandemia começar. Superofertado e os preços parados, tanto no imóvel comercial quanto no residencial. As construtoras estavam se movimentando, mas extremamente temerosas, por causa da lei de ocupação do solo. E com estoque cheio. Um dos setores que reagiram primeiro foi o imobiliário, porque todo mundo ficou trancado em casa, local onde normalmente só iam para dormir. A casa passou a ser local de lazer, prazer, refeição, estudo, trabalho. Com isso as pessoas resolveram reformar ou mudar. E a taxa de juros foi a menor da história do país. O governo tinha que dar esse incentivo para as pessoas voltarem a consumir, porque fora farmácia e supermercado, as pessoas não compravam nada. Com isso ficou muito atraente, juntou a fome com a vontade de comer: estoque disponível e preço atraente. A procura maior foi por casa, lote, apartamento de cobertura, com área privativa ou com varanda, para ter contato com a natureza, ter um respiro de alguma forma. Essa foi a maior demanda. Acreditamos que agora entraremos em um formato de trabalho híbrido, alguns dias em home office e alguns dias em escritório, porque a procura por imóveis comerciais também cresceu bastante e tem aumentado.

Você disse que faz trabalho voluntário. Fale um pouco sobre ele.
Sempre gostei e acreditei muito no voluntariado. Hoje, atuo em dois projetos sociais. O primeiro é em Contagem, em uma instituição chamada Cais – Centro de Atendimento e Inclusão Social, crianças com deficiência, a maioria autista, e fazemos atendimento pelo SUS de fisioterapia, terapia ocupacional, pediatria, enfim, tudo o que eles precisam e tem outras atividades mais lúdicas como música, arte etc. São cerca de 500 atendimentos por mês. Recebemos dinheiro do SUS e mais doações. O segundo veio mais com o coração. Fiquei conhecendo a Dinorá na pastoral do Belvedere. Ela é moradora da Vila São João, no Bairro Pilar, e há 11 anos ela ficou desempregada, e viu da janela de sua casa duas crianças sendo usadas de aviãozinho para entrega de droga. Ela não conseguiu ficar impassível diante daquela cena e chamou os dois para dentro de sua casa e ficou brincando, jogando, desenhando com eles. Começou com esses dois e hoje são 120 crianças. Ela fica com as crianças depois da escola até os pais retornarem do trabalho, para eles não ficarem na rua. Conheci o trabalho quando doamos pertences de um cliente que estava viajando e precisava desocupar o apartamento que tinha sido vendido. Levei as coisas para ela e conheci o trabalho. Fiquei encantada e me envolvi completamente, porque ela tinha muita vontade e força de trabalho, mas faltava organização. Entrei de cabeça, já organizamos tudo e ela abriu oficialmente a instituição, que se chama Programa Social Pequeninos do Amor. Chamei algumas amigas e assumimos alguns cargos da diretoria para ajudá-la. É muito compensador. 
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