Jornal Estado de Minas
Seminário

Paris na palma da mão



A capital da moda mais famosa do mundo vem retomando suas atividades, pouco a pouco, de olho nos protocolos sanitários e nos problemas econômicos e sociais causados pela pandemia, mas essa é uma roda que não pode parar, particularmente para os conglomerados de luxo, que detém muitas marcas de luxo apreciadas pelos turistas abonados.
 
Observador do cenário fashion parisiense, o mineiro Paulo Pereira vive em Paris há 25 anos e, nesse tempo, gradativamente, por meio de um trabalho sério e consistente, conseguiu conquistar algo que tem um valor intrínseco na França: a credibilidade. Ficou conhecido como uma espécie de embaixador não oficial do Brasil dado aos seus conhecimentos e ao network que desenvolveu ao longo do tempo.
Ele foi a estrela do seminário A moda como produto turístico de cidade, que compôs a programação do Savassi Fashion Web transmitido ontem, via online. Participaram do debate a jornalista Heloisa Aline e a gestora do Museu da Moda de Belo Horizonte Carol Ladeira com mediação de Hernani de Castro Júnior, diretor do Belo Horizonte Convention & Visitors Bureau e de Natalie Oliffson, promotora do evento, que teve patrocínio da Belotur.
 
Fendi - Foto: Miguel medina/afp 
 
“Para se ter uma ideia, os dez dias de realização das fashion weeks parisienses representam um montante de 149 milhões de euros em compras em lojas, restaurantes e visitas a pontos turísticos. Isso sem contar as festas fabulosas, que as grifes mais importantes promoviam para comemorar o lançamento das coleções”, revelou o consultor destacando o gap que houve com as interrupção dos desfiles.
 
Paulo prevê que algumas marcas ainda continuarão com as apresentações virtuais e as que se lançarem no modelo presencial limitarão ao máximo os convidados. Como aconteceu no último desfile da Dior, realizado com plateia bem menor. “A cidade tenta reconectar seu ritmo, mas aquelas ruas tomadas por estrangeiros desejando consumir, aquele frisson desenfreado anterior à pandemia, com as lojas, bares e restaurantes sempre cheios não existe mais. E acho que, depois da pandemia, o cenário nunca será o mesmo”, pontua.
 
Durante o seminário, o mineiro abordou alguns mitos, entre eles o de que os franceses, principalmente as francesas, se vestem sempre com grifes de luxo. “É um engano pensar que você encontrará aquele tênis ripado e caro, lançado por uma Maison, nos pés das pessoas nas ruas”, observa.
Os conglomerados, de acordo com ele, focam sim o mercado nativo sim,do ponto de vista que ele é formador de opinião, mas o fetiche dessas empresas são a China e os Estados Unidos. “Os turistas, que chegam à cidade cheios de desejo de compras, são vitais para a moda francesa girar. Quando eles deixam de vir, fazem grande diferencial financeiro”, garante.
 
 
 
Mas, então, o que as parisienses elegantes usam? Marcas que não são conhecidas fora de Paris, mas que, na versão de Paulo, são chiques e cosmopolitas, como a Sandro, Maje, The Kooples, Mêe Demoiselles, entre outras, que indica para suas clientes. Elas conjugam qualidade de matéria-prima e acabamento e informações de moda. “Dos nomes mais divulgados, as francesas apreciam muito Saint-Laurent e compram Louis Vuitton também. Mas um Louboutin, por exemplo, já é coisa para estrangeiro”, enumera.
 
Tanto lá, como em todo o mundo, o que vai salvando a economia é o digital. No seu caso, por enquanto, é o que tem funcionado, já que a maioria da clientela é brasileira – além das restrições impostas pelas fronteiras com relação às vacinas, ainda existe a resistência de se aventurar em uma viagem ao exterior.
“Estamos em um meio do caminho, já podemos sair sem máscaras na rua, alguns lugares fechados exigem seu uso e a exibição do passe sanitário. E algumas lojistas já estão viajando”, afirma.

Roteiros Quem requisita os seus serviços recebe um roteiro personalizado de acordo com suas demandas e de acordo com o número de dias de trabalho. trata-se de uma imersão na vida parisiense, uma pesquisa ampla que, além de informação, se propõe a despertar sensações nos criativos. Ela inclui visitas às lojas de departamento, showrooms de marcas de luxo, restaurantes, exposições em museus, hotéis. Enfim, acesso a todas as novidades em voga em uma Paris sempre fresca e que ele conhece como a palma da mão. O que garante o sucesso, é o network solidificado, passaporte essencial para os negócios. “Já realizei o sonho de muitas clientes que era o de ver desfiles famosos”, rememora.
 
Só para refrescar a memória dos que acompanham o desenrolar da moda, quando a Tereza Santos - nome que a Patachou de Terezinha Santos ganhou quando decidiu empreender na Cidade Luz - chegou ao primeiro andar das Galerias Lafayette, quem ajudou a costurar toda a história foi Paulo. Ele também colocou a Osklen na Colette.
Além de Terezinha, lojistas como a mineira Zezé Duarte e Tânia Bulhões, entre outras conceituadas, estão na sua lista de clientes, embora não goste de nominá-las.
 
Com esse repertório, ele manteve, até antes da COVID 19, uma coluna semanal no site de Lu Lacerda, em que a tônica eram as news da capital francesa. Confinado em seu apartamento, durante a pandemia, começou a postar, diariamente, informações referentes aos lançamentos de produtos e coleções que ele reproduzia por meio da leitura de jornais e revistas.
 
Quem quiser acompanhar o trabalho de Paulo é só conferir o instagram @parisporpaulopereira, no qual ele já é seguido por mais de 23 mil pessoas. “Encontrei uma terapia como maneira de driblar a solidão e de manter uma interlocução com as pessoas. O retorno foi muito bom, houve muita interação, mas tudo aconteceu naturalmente, não planejei nada”, explica o consultor.
 
Com o coração no Brasil, particularmente em Belo Horizonte, onde mora a família, ele já possui cidadania francesa e, quando os negócios pararam, foi amparado financeiramente pelo governo em um processo organizado e rápido. Como afirmou no seminário que participou em BH, o que ele ama na França, além de uma organização social articulada, é a sua cultura. “
 
É o que permite que os cidadãos valorizem a história e a moda. Ela é um produto cultural importante, todos se orgulham disto. Acho que esse tipo de cultura deveria ser cultivado também com relação à moda mineira”, frisou. Saber estabelecer as conexões culturais, trabalhar o turismo junto às empresas e lançamentos, criar oportunidades seria, a seu ver, a fórmula a ser trabalhada. “Nós temos todo um contexto em volta, na própria Belo Horizonte, nas cidades históricas, há o Inhotim.
O ideal seria criar uma política que unisse tudo isso”, aponta.
 
 
Planilhas e vendas 
 
Como observador, Paulo mantém o olho na direção das maisons dos conglomerados de luxo. Cada vez mais, conclui, o que mantém um estilista no trono é o desempenho das vendas. O que garante a permanência de um Nicolas Guesquière na Louis Vuitton, por exemplo, desde 2013, é o fato dele ter partido para um estilo contemporâneo, dinâmico, urbano, desvinculando a marca da imagem das “peruas” e a aproximando de um público mais jovem.
 
Já o incensado Olivier Rousteing, millennial prodígio que assumiu a direção artística da Balmain em 2011, na casa dos 20 anos, trouxe com ele a relação com o mercado norte-americano por meio da amizade com as Kardashian, Rihanna, Cara Delevingne e as irmãs Hadid. Amplificou os lucros da maison, mas já está de malas prontas para curtir outros ares.
 
Como já acontece desde Galliano e McQuenn, as marcas francesas querem novos talentos e novidades, independentemente da nacionalidade: o inglês Kim Jones assumiu a Fendi feminina, substituindo Lagerfeld, e o masculino da Dior. É adepto de colabs interessantes com artistas. O norte-americano Virgil Abloh faz sucesso na Louis Vuitton homem com seus tênis objetos de desejo de jovens gays e negros.
 
“Tudo é feito de olho nas planilhas e por meio de um marketing impecável, onde se cuida do produto, da loja, com muito dinheiro envolvido”, ressalta Paulo. Uma grife que desperta sua curiosidade é a Jacquemus, da geração digital, que sabe explorar as redes sociais com perícia e imprimiu um frescor às temporadas dos desfiles. Enquanto isto, segundo ele, as lojas de fast fashion perdem espaço em Paris. “Ninguém quer mais roupas mentirosas e de má qualidade”, enfatiza. 
.