Jornal Estado de Minas
entrevista/Flávia D'Urso - Arquiteta, urbanista e paisagista

Paixão pelo verde


 
Cada vez mais sofisticados, os projetos paisagísticos exigem conhecimentos de profissionais específicos. É o caso de Flávia D’Urso, arquiteta e urbanista formada em Ribeirão Preto, que se encantou pelo paisagismo e resolveu se especializar no assunto. Há 14 anos, ela aportou em Belo Horizonte e, depois de uma sociedade com Júnia Lobo, abriu seu próprio escritório na capital. Nesta entrevista ao Caderno Feminino & Maculino, Flávia, há 21 anos no mercado, explica que o seu ofício envolve muito mais que escolher as plantas adequadas para jardins, mas consiste na solução dos espaços externos, proporcionando fluidez e harmonia na integração do ambiente com a natureza. Um dos diferenciais do seu escritório é a adoção do design biofílico, que proporciona aos usuários esse contato direto com a natureza, trazendo bem-estar e qualidade de vida em diversos sentidos, tanto físicos quanto mentais, em curto e longo prazo. O fato de ser arquiteta urbanista e ter especialização em meio ambiente permite que Flávia tenha uma visão ampla do trabalho, o que resulta em projetos com técnica apurada aliados à criatividade e beleza.
 
Hoje o verde faz parte fundamental na vida e na casa das pessoas. A que você atribui o crescimento desse interesse?
A natureza sempre fez parte da vida das pessoas. Somos seres vivos e por esse motivo temos uma necessidade inata de estar inseridos em contexto natural.
Com o crescimento urbano, acabamos nos afastando desses ambientes e sentindo falta dessa conexão. Passamos a ter necessidade de reconexão com a natureza, o que foi intensificado pela pandemia. As pessoas foram obrigadas a ficar dentro de suas casas, o que aumentou o interesse em melhorar o próprio lar e os poucos espaços de convivência que passaram a ficar disponíveis. Isso intensificou a necessidade de agregar qualidade de vida e bem-estar a esses ambientes.

O design biofílico está em alta. O que isso significa?
Significa que a maneira de projetar os espaços precisa ser agradáveis, pois eles interferem na nossa saúde mental e física. Para mim, o design biofílico é um produto da evolução humana. As pessoas têm uma conexão inerente com a natureza.
Ter contato com ela é como ter contato com o nosso hábitat de origem. O objetivo principal da biofilia é proporcionar o sentimento de bem-estar e saúde, melhorar o desempenho, estimular a inspiração e a criatividade dos usuários desses espaços. O profissional que ignorar esse comportamento está caminhando na contramão do futuro. A biofilia é uma subárea da neuroarquitetura e se destaca com uma das mais importantes. O contato do ser humano com o meio natural fortalece o sistema imunológico, melhora o batimento cardíaco e a pressão sanguínea, abaixa o cortisol, que é o hormônio do estresse, e estimula a produção de serotoninas e dopaminas, que instigam as emoções positivas.
 
 

Quais são as atribuições de um paisagista?
Ao contrário do que muitos pensam, o arquiteto paisagista não apenas determina as espécies de plantas adequadas para um projeto de paisagismo. Antes de pensar as plantas que vão compor e enfeitar os espaços, precisamos analisar e planejar toda a área a ser trabalhada. Se o espaço é externo, primeiramente, é feito um diagnóstico do local, em que são analisados o terreno, seus declives, aclives, formato, os acessos e a circulação que serão propostos. Após a execução do traçado, nos preocupamos em analisar o clima, a altitude, o solo e o nível de insolação em todo o ambiente que será trabalhado.
É importante uma proximidade com o cliente e com o profissional que desenvolveu a arquitetura da construção que o projeto paisagístico pretende atender, para uma correta leitura das reais necessidades que precisam ser atendidas e respeitadas. Nos espaços internos, prevalece a iluminação, a ventilação e a interação com o projeto do design de interiores proposto.

E quais são as vantagens de se contratar um profissional especializado em paisagismo?
A principal vantagem é a qualidade de vida e benefícios na saúde, tanto física quanto mental, que um bom projeto de paisagismo proporciona. Além disso, certamente, a valorização do patrimônio em que ele está inserido, enriquecendo os espaços, dando soluções nos aclives e declives das propriedades, trabalhando as circulações, integrando os ambientes externos às edificações, harmonizando todo o contexto arquitetônico no local. Outra vantagem importante que se tem, ao contratar um profissional de paisagismo, é a economia obtida através da elaboração do projeto.

Quando você optou pela profissão?
Venho de uma família de engenheiros e a arquitetura sempre esteve muito presente, pois meu pai, assim como o meu irmão, sempre atuaram no ramo da construção civil.
Como sempre gostei de arte em geral, moda, artes plásticas, design, a escolha pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo aconteceu de maneira natural. Já na faculdade, foi grande o meu interesse pelo urbanismo e, consequentemente, pelo paisagismo. Busquei me especializar nessa disciplina após a minha formação.

Existem cursos de paisagismo especializados e reconhecidos oficialmente no Brasil?
No Brasil, existem vários cursos independentes que são ministrados por profissionais, que atuam na área de paisagismo. Os cursos mais renomados, para mim, são os do Centro Paisagístico Gustaaf Winters, em Holambra, São Paulo, do qual faço parte da equipe docente. Além disso, é possível se matricular em cursos de pós-graduação em paisagismo, bem como arquitetura da paisagem.

Como é feita a escolha das plantas em um projeto?
Observando a arquitetura do entorno e da construção, o clima, o tipo de solo, a altitude, a insolação, a função que as plantas vão executar dentro dos objetivos necessários para atender ao projeto. E, ainda, o efeito estético que se deseja alcançar, a volumetria, enfim. Uma série de quesitos, características e condições são avaliados para a escolha das diferentes espécies de plantas, que serão utilizadas em um projeto de pai- sagismo.

Existem tendências nesse setor? Plantas, flores que estão na moda?
Assim como na arte, na moda, no design, na arquitetura existem, sim, plantas e flores que surgem de forma repetitiva ditando tendência.
No momento, o Ficus lirata e a Maranta charuto são exemplos de plantas atuais, e isso funciona realmente como moda. A espada-de-são-jorge, as samambaias, a costela-de-adão são outros exemplos de plantas que já ditaram moda, passaram por uma fase de ostracismo, e retornaram atuais. Essas tendências acontecem também com as flores.

Quem a inspira no seu trabalho?
Vários arquitetos, como Paulo Mendes da Rocha, Niemeyer, Ruy Ohtake, Luis Barragán, Isay Weinfeld, Marcio Kogan... e no paisagismo, claro que tenho uma grande admiração pelo trabalho de Roberto Burle Marx, o maior de todos. Charles Jencks é outro nome pelo qual sou apaixonada! Também acompanho o trabalho de vários escritórios de paisagismo na Inglaterra, Austrália, China e Estados Unidos.

Qual é o legado que Burle Marx deixou para os profissionais da área?
Entre as várias contribuições, gosto de citar a forma autoral de Burle Marx em que seus traçados orgânicos apresentavam a personalidade dele ao ponto de expressar seus jardins de forma pictórica. Eram como quadros. Apresentava uma destreza que contrapunha as formas rígidas da geometria com o abstrato da arte. Uma outra contribuição importante foi a inserção da flora tropical e semitropical no paisagismo brasileiro. Suas expedições conseguiam reunir uma quantidade enorme de informação, o que acabava por trazer sempre mais e mais exemplares de plantas para o cotidiano de seus projetos e, por consequência, a sua disseminação no meio paisagístico do Brasil. Isso está presente no Rio de Janeiro, onde Burle Marx foi um dos responsáveis por ajudar a construir a paisagem cultural da cidade, e nas suas contribuições em Belo Horizonte.
Enfim, foi um gênio do paisagismo brasileiro.

Quem são os grandes paisagistas do Brasil, atualmente?
Os trabalhos de Alex Hanazaki, Rodrigo Oliveira e Maria João D’Orey são os que se destacam para mim no atual cenário do paisagismo no país.

E os jardins verticais que estão em voga? Como conceber um projeto como esse e como cuidar dele?
É um produto que oferecemos no nosso escritório e, como todos os nossos trabalhos, exige que o local onde será instalado seja muito bem avaliado, considerando o espaço, a circulação, a iluminação, o ponto de água, com a irrigação necessária para a implantação do jardim. Deve ser considerado que sua manutenção seja mínima, de modo que o resultado final tenha a qualidade e a durabilidade necessárias. A técnica oferecida pelo nosso escritório é única e atende os nossos clientes em suas demandas por uma solução eficaz, inovadora e com baixa manutenção.

Quais são os principais trabalhos do seu portfólio?
São mais de 20 anos de trabalho, que começou no interior de São Paulo, onde pude atender à indústria, prefeituras, fazendas, loteamentos, condomínios, sítios, chácaras, residências, apartamentos, etc., sempre executando trabalhos do micro ao macropaisagismo. Citando alguns trabalhos, temos o Condomínio Vila Verde, em Patrocínio (MG), um projeto de que gosto muito. A escola da Fundação Zerrenner, em Sete Lagoas (MG), também foi um trabalho muito importante, assim como o salão Laces and Hair, em BH, que obteve muita visibilidade, pois foi encantador e me permitiu trabalhar com muitos profissionais diferentes envolvidos em um único objetivo.
 
Para quem quer ter vasos de plantas em apartamento, o que você aconselha?
O primeiro conselho para se ter plantas no interior da sua moradia é eleger um espaço iluminado e ventilado, que não precisa ter luz direta. Mas precisamos lembrar que plantas necessitam de ambiente iluminado. Sempre falo que a planta em ambiente interno precisa viver, e não sobreviver! Então, perto de uma janela é sempre um bom lugar. Outra dica é se informar sobre as necessidades das plantas adqui- ridas. Principalmente com relação à irrigação, pois umas espécies gostam de mais água e outras de menos. Procure observar suas plantas, diariamente, para um diagnóstico precoce, o que sempre ajuda a resolver os problemas mais rápido. Observe se suas espécies vegetais estão saudáveis, verificando se não apresentam folhas amarelas, secas ou mesmo caindo.

E quanto à adubação?
Quando temos plantas em vasos é importante realizar uma adubação de tempos em tempos, pois devemos lembrar que a quantidade de terra é bem menor se compararmos com plantas que cultivamos em terreno na- tural. Por falar em vasos, é válido lembrar que esses devem ser proporcionais e adequados para cada espécie escolhida. O cuidado estético com o emprego do vaso também é muito importante.

Existe realmente quem tenha o “dedo verde”?
Eu acredito que sim. Que existam pessoas com uma maior habilidade e sensibilidade para cuidar das plantas. Muitas pesquisas demonstram que, quando falamos com elas, liberamos o gás carbônico no seu entorno, o que as beneficia em sua fotossíntese e as faz crescer. As vibrações presentes no ambiente, quando submetemos as plantas à música e ao contato com a voz humana, também são um fator muito favorável, ainda mais se a voz é feminina. É nessa linha que vão os estudos atuais.

Muita gente acha que isso é um mito...
Acredito que o principal é o ga- nho para cada um que toma a decisão de conversar com as plantas. É uma verdadeira terapia conversar com elas, regando, podando e cuidando. Uma conexão direta com o meio natural. Eu mesma, quando faço isso, nunca estou reclamando ou pensando em algo ruim, o meu estado é sempre de felicidade e agradecimento. Acredito, firmemente, que esses sentimentos geram prazer e atuam quimicamente no bem-estar de nosso organismo.

De quais mostras decorativas você já participou e como isso repercute na sua carreira?
Fiz alguns trabalhos junto com outros profissionais na Casa Cor, uma mostra que acho incrível e com grande retorno profissional, e participei das quatro últimas edições da Modernos e Eternos, o que também repercutiu positivamente em minha carreira.

Onde você estudou?
A minha graduação em arquitetura e urbanismo foi em Ribeirão Preto (SP). Também fiz uma pós-graduação em meio ambiente, em Belo Horizonte, com foco na análise de impactos ambientais e recuperação de áreas degradadas, e vários cursos de paisagismo na cidade de Holambra (SP) e em São Paulo.

Fez estágio em algum escritório ou já montou o seu de imediato?
Iniciei a carreira trabalhando no escritório do paisagista holandês Gustaaf Winters e, na sequência, tive a oportunidade de gerenciar uma empresa de paisagismo em Jaguariúna (SP), onde era responsável por projetos industriais, projetos de praças e projetos residenciais nas localidades do entorno (Campinas, Vinhedo, Valinhos, Jundiaí) e toda a região do interior paulista. Após esse período, fui responsável pelos projetos de um garden center na cidade de Limeira (SP), elaborando vários projetos; posteriormente, fui convidada para assumir a diretoria de áreas verdes e de projetos nessa cidade. Em 2006, passei a residir em Belo Horizonte. Fui sócia e atuei junto à paisagista Júnia Lobo por sete anos. Ao final desse período, em 2014, abri o escritório Flávia D’Urso Paisagismo. 
.