Desde que deixou de ser traje usado por mineradores e assumiu um protagonismo no mundo contemporâneo, o jeans tem vivido momentos importantes na história da moda. Quem convive com a matéria-prima se apaixona por suas possibilidades camaleônicas de mudar de cara e encarnar novidades a partir do mesmo conteúdo básico.
Exemplo típico é o do designer de moda Vicente Fernandes, que tem usado o material como suporte para se manifestar artisticamente. O trabalho, que começou como um hobby, ganhou espaço e já foi exibido, durante um ano, no Museu de Congonhas, sua terra natal.
De família católica, ele encontrou nas técnicas aplicadas em tecido uma forma de expressar sua arte, sua devoção e de seus familiares. A exposição “Devoções” não exibiu somente imagens religiosas, mas explorou outras vertentes. A proposta de Vicente não se restringe meramente a colagens ou reciclagem de têxteis, mas é a mistura de diferentes linguagens e outros processos. Consiste em reinterpretar fotografias, gravuras, corte a laser, bouquets de flores, reunidos tanto para expressar religiosidade nos relicários de fé quanto para eternizar pessoas e paisagens.
Tudo ressignificado através do upcycling – que faz parte da ponta da cadeia dos valores da reciclagem – aliado às técnicas de computação, “uma reinterpretação de imagens que remetem à lembrança de viagens, lugares e pessoas, que acumulam sensações e carregam em si fragmentos de memórias”, como ele explica. Para confeccionar seus quadros, garimpa peças descartadas em bazares de igrejas ou institucionais. “Compro muita calça jeans nesses lugares, a preço baixo, para reaproveitá-las. Upcycling é isto: dar nova vida aos objetos, no meu caso com uma concepção artística”, diz.
A mostra em Congonhas foi a ponta do iceberg para que o designer de moda se motivasse a se dedicar mais ao assunto. Inclusive, já foi convidado por Natalie Ollifson, diretora de articulação e integração cultural e gestora do Circuito Liberdade, para expor em um dos eventos que marcam o Ano da Mineiridade, lançado, recentemente, pelo governo mineiro, e que promete muitas atrações.
Vicente tem mais de 40 anos no mercado fashion, grande parte desse tempo dedicado à manufatura de peças em jeans. Sua trajetória se iniciou precocemente – aos 12 anos, aprendeu a costurar e, logo em seguida, foi atuar em uma empresa cuja especialidade era a confecção de colchas e matelassês. Passou pela marca Joaquim Nogueira, sucesso na criação de roupas em couro nos anos 1990, um nome reverenciado em todo o Brasil.
“Naquela época, não havia graduação em moda e queria expandir meus conhecimentos. Então, fui fazer o curso de figurinos, no Senac, que era o que havia de mais próximo na cidade”, conta. O autodidatismo, o aprender e executar em campo, que fizeram parte da formação de vários estilistas mineiros no período, também estão presentes em sua história. Nesse começo, Vicente trabalhou com Moema Tedesco, na Radial, a fábrica de jeans de Sebastião Drumond, na Cidade Industrial. Figura emblemática da moda mineira, a jornalista, com sua veia teatral, foi uma das primeiras a empreender produções de moda para veículos impressos e contribuiu para formar vários jovens ansiosos por uma oportunidade.
Experiência No vaivém da vida profissional desses profissionais liberais, ele prestou serviços para outro nome conhecido do mercado: Nino Bellini. Sua fábrica, em Contagem, além de executar licenciamentos para a Dijon – a grife de Humberto Saade, que lançou Luiza Brunet ao estrelado – e para a Speedo, atuava ainda com exportação de roupas, sobretudo para a Itália.
Do seu currículo constam passagens por indústrias do interior, como Juiz de Fora e João Nepomuceno, e pela Menogotti, de Santa Catarina, grupo que começou com a malharia e hoje detém várias atividades e marcas importantes, inclusive a Skazi mineira. Na Fruto da Fruta, atuou ao lado de sua proprietária, Maria Alice Vaz, durante seis anos. Para quem se lembra, ela era a marca infantojuvenil com mais sucesso no mercado, responsável pela expansão do segmento em Minas Gerais.
“Sempre procurei me aprimorar de forma a dominar os conhecimentos sobre a indústria de confecção, particularmente as técnicas relacionadas com a fabricação e desenvolvimento do jeans, que requer um saber especializado. Fiz ainda cursos de alfaiataria, de modelagem industrial e um MBA em direção criativa de moda, na UNA, visando às oportunidades acadêmicas”, enfatiza o designer, que prestou serviços também para a Monax e, no momento, faz assessoria de modelagem na Aeon, especializada em privaty label.
É com pesar que ele vê o mercado de jeanswear encolher, depois da expressividade de nomes nacionais como Zoomp, Forum, Triton, que tiveram enorme importância na cena fashion. Fato semelhante aconteceu aqui em Belo Horizonte, com o fechamento da Fourteen, Vide Bula, DTA. “Depois do evento China, a maioria das empresas encerrou as atividades em suas fábricas, optando pela terceirização. Pessoalmente, não sei se é a solução, dado aos problemas que ocorrem com a qualidade das roupas. É preciso saber escolher bem os parceiros para evitar problemas, já que os responsáveis perdem o contato com os processos produtivos”, garante.
Agora, Vicente está iniciando um novo projeto em parceria com Pedro Julião, da Dream Estamparia, e Melina Gomes: a abertura de uma loja virtual em que poderá explorar com mais vigor a sua potência criativa. “A ideia é escanear meus quadros para que alcancem grandes formatos e emoldurá-los para comercializá-los on-line. Dentro desse mesmo espírito, pretendo avançar também numa linha utilitária, contendo jogos americanos, sousplats, guardanapos, camisetas, e vender essa produção de forma mais razoável em termos de preços.”