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Estado de Minas entrevista/Olavo Machado Neto - 46 anos, Olavo Machado Neto

Arte com aço

Metal ganha novos usos nas mãos de mineiro que cresceu em uma indústria de transformadores


01/05/2022 04:00

Olavo Machado Neto
(foto: Studio Tertúlia/Divulgação)


Quando o olhar muda, até mesmo algo do cotidiano ganha outro significado. Olavo Machado Neto cresceu cercado por aço na indústria elétrica da família. Desde criança, viu o material ser usado na fabricação de transformadores. Até que, com o diploma de desenho industrial, ele passou a enxergar o metal como matéria-prima para móveis, esculturas e outros objetos. O designer e artista mostra mais uma vez sua habilidade com o aço na exposição Metal Etéreo, em cartaz até sábado no MM Gerdau - Museu das Minas e do Metal, na Praça da Liberdade. Depois de Belo Horizonte, as obras inéditas, que ele define como “molduras para o vazio”, seguirão para Ouro Branco, no interior do estado. Olavo continua a olhar para o cotidiano com atenção e sensibilidade. Segundo ele, a inspiração pode vir de uma conversa com as filhas, uma caminhada no parque ou uma música.
 
De onde vem o seu interesse por design?
Sempre gostei de desenhar. Quando era criança, achava que ia ser artista, pintor ou desenhista. Fazer o curso de desenho industrial foi a maneira que encontrei de realizar essa minha inclinação, unir a minha veia artística com a parte técnica, que também me interessava. O meu avô era um inventor, criava alguns equipamentos e o meu pai é engenheiro e tem uma indústria elétrica. Comecei a estudar na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), depois fui para Milão. Gostei tanto do curso que dei um jeito de ir para a cidade que era o centro do design, onde as coisas aconteciam, onde os grandes designers do mundo se encontravam para poder viver de perto o que era o desenho industrial.
 

"Todo dia é um aprendizado, e eu gosto muito. O meu interesse é sempre aprender. Além de criar uma peça nova, gosto de aprender um processo novo, uma forma nova de fazer"

 

O que foi mais marcante na sua temporada em Milão? 
Essa experiência foi muito importante para a minha formação, não só academicamente, mas por viver o dia a dia de uma cidade que respira o desenho, ter contato com os profissionais e visitar os estúdios. Tive a oportunidade de conhecer as pessoas e ver como era o trabalho delas no dia a dia, fora dos holofotes. Vi que os grandes designers, pelo menos os que conheci, colocavam a mão na massa mesmo, não tem glamour. Acompanhei o dia a dia das pesquisas. Na verdade, designer não é especialista em nada, trabalha em todos os campos. A profissão é tão abrangente que estamos sempre tentando aprender, conversando com especialistas de todas as áreas. Acho que esse é o grande aprendizado que trago dessa época e tento aplicar na minha vida como artista e designer. Para mim, foi mais um aprendizado de vida do que de profissão.

Naquela época, passou pela sua cabeça morar em Milão?
Cheguei a pensar, mas a minha raiz mineira é muito forte, e eu era muito jovem também. Mas não me arrependo. Voltei em 2003 para BH. Não tinha um plano, queria desenhar para empresas, desenvolver produtos e fazer arte. Comecei batendo de porta em porta, mas percebi que era muito mais difícil do que imaginava. Até que tive um clique de começar a fazer as minhas peças. Fiz móveis e peças pequenas de aço, como o porta-chaves, que fez sucesso na época. Ganhei um prêmio com ele e isso me fez ficar mais conhecido e as empresas começaram a me procurar. Tive que dar essa volta para seguir o caminho que imaginava. Mas acho que foi ignorância minha achar que uma empresa contrataria alguém que nunca tinha feito nada. Eu não me contrataria naquela época. Depois disso abri o meu estúdio, o OMN Studio, para desenhar para as empresas e também fui desenvolvendo as minhas peças, que é um trabalho mais despretensioso, com a marca Cucampre. Cucampre é uma palavra que o meu avó inventou. Ele dizia que era o nome do bicho que morava lá no sítio dele para nos fazer medo.

Qual foi a primeira peça que você criou?
Criei duas peças simultaneamente. Uma é o banquinho de fazenda, em formato de bandeira, só que fiz uma releitura. Usei chapa de aço colorida, em vez de madeira. Peguei um desenho que está no inconsciente de todo brasileiro, principalmente do mineiro, e mostrei que podia ser feito de forma industrial e seriada. Acho que foi bacana trazer essa forma tão antiga para o século 21. Perpetuar essa identidade minera, mas de uma forma tecnológica. A outra peça é o porta-chaves, uma chapa de aço dobrada com corte a laser no meio formando um trilho, onde os chaveiros se encaixam. Ganhei o prêmio Idea/Brasil na categoria casa e isso me deu projeção naquela época, porque ainda não era conhecido.

Por que você se aproximou de imediato do aço? 
A minha família tem uma indústria elétrica, que fabrica transformadores. Frequento a indústria desde criança, ela é mais velha do que eu, então sempre tive muita familiaridade com o material. Isso estava enraizado em mim. Além disso, sempre tive acesso a máquinas que me proporcionavam desenvolver peças com alguma liberdade. Estava praticamente dentro de casa. Claro que aprendi o pouco que sei fazendo e observando os funcionários da empresa. Na verdade, digo que não sei nada. As pessoas que soldam, que cortam, que dobram sempre sabem mais do que eu e estão me ajudando. Não desvendei o aço até hoje. Todo dia é um aprendizado, e eu gosto muito. O meu interesse é sempre aprender. Além de criar uma peça nova, gosto de aprender um processo novo, uma forma nova de fazer, então tudo é muito enriquecedor. Trabalhar com aço não é fácil, ele é um material duro e pesado, mas essa aproximação aconteceu naturalmente. Acho que esse caminho era inevitável. O processo do desenho industrial me levou a querer explorar o lado da arte, da escultura e isso fecha um ciclo. Isso me leva à minha origem, lá na infância, quando era criança e pensava que ia ser artista.

O que você considera mais encantador no aço?
O que mais me atrai são a força e a beleza. O aço é um material duro, pesado, resistente, ao mesmo tempo você consegue dobrá-lo. Gosto muito de usar o aço cru, oxidado, para mostrar que cada peça fica com uma característica diferente. Acho bem fascinante essa característica dele de se transformar de acordo com o ambiente e com o pedaço que uso. Um nunca vai oxidar igual ao outro. Posso até desenhar em outros materiais, como madeira e estofado, mas não me vejo deixando de usar o aço.

Qual é a sua peça preferida?
Não posso dizer que um filho é mais bonito que o outro. A próxima peça, talvez, será melhor do que tudo o que já fiz, mas, quando ficar pronta, vou gostar como gosto das outras.

Vou mudar a pergunta, então. Qual peça marcou mais a sua carreira?
Acho que uma das peças mais marcantes é a poltrona de aço Idra, que é um desdobramento do banquinho. Você consegue enxergar os elementos triangulares, mas ela é totalmente nova. Tem um desenho contemporâneo e ficou moderna. Até diria, sem querer ser pretensioso, que é um pouco futurista.

Você enfrenta alguma resistência em relação aos móveis de aço?
Existe uma certa resistência, sim. Algumas pessoas acham que o aço, por ser duro, não é confortável, mas, usando as medidas ergonômicas corretas, não tem erro, o assento vai ficar gostoso. Agora tem gente que não gosta da cara fria do aço. Isso é gosto pessoal, e eu tenho que respeitar. Existe espaço para todos os materiais.

O que ainda falta fazer com o aço?
Já fiz quase tudo, mesa, sofá, estante, aparador, banco, cadeira, poltrona. Tenho vontade de fazer cama, mas ainda não tive oportunidade.

Como funciona seu processo criativo?
Desenho compulsivamente, todos os dias, da hora em que acordo até a hora em que vou dormir. Agora mesmo, enquanto conversamos, estou rabiscando. Mas solto pouco para o mundo, talvez nem 10%. Até um rabisco virar peça ou produto que vale a pena ser mostrado, existe todo um processo. Sou muito exigente comigo mesmo. Não tenho pretensão de alcançar a perfeição, inclusive já fiz uma exposição que falava da beleza da imperfeição. Sou exigente na técnica, de achar a forma que vai agradar, de não fazer uma peça só por fazer. Tento fazer um trabalho honesto, que tem um pensamento disruptivo, novo. No caso da obra de arte, que provoque alguma emoção. No caso do design, que tenha uso, seja bonito e confortável. Posso até fazer algo que seja considerado feio, mas meu objetivo nunca é esse.

Você pensa mais em você ou nos outros na hora de criar?
Penso que a peça tem que agradar pelo menos a mim. Se tentar agradar os outros, não tenho garantia de que vou conseguir. Então, pelo menos uma pessoa garanto, que sou eu. Mas não é uma questão egoísta, não faço uma peça para mim. Quanto mais pessoas gostarem, mais feliz vou ficar.
 
De onde vem a sua inspiração? 
O dia a dia é inspirador. Essa conversa pode me inspirar, assim como o livro que leio, a música que ouço, a caminhada que faço no parque. Às vezes sai alguma ideia quando estou conversando com as minhas filhas. Trabalho, literalmente, todos os dias. Para mim não tem diferença entre lazer e trabalho. Se fosse trabalhar com o que não gosto, talvez ia ficar contando os minutos para ir embora, o que não é o meu caso. Ler um livro, ver um filme, conversar, tudo vai alimentando a minha criatividade.

Na sua opinião, existe diferença entre arte e design? 
Na minha cabeça é tudo a mesma coisa. Pela definição do dicionário, design é o que pode ser produzido industrialmente, mas na hora de criar nada muda. O processo criativo é igual. Até vou mais além. Acho que desenho, pintura e todas as artes visuais são iguais.

O que muda na hora de fabricar um móvel e uma obra de arte?
Para criar um móvel, tenho que seguir algumas regras de ergonomia e padrões de segurança. Mas com escultura não tem limites, tenho mais liberdade, o que até torna o processo mais difícil. Quando você pode fazer qualquer coisa, às vezes se sente oprimido.

Como surgiu a ideia da exposição “Metal etéreo”?
A Gerdau me convidou para desenvolver livremente uma exposição para comemorar o Dia Nacional do Aço (9/04). A partir disso, criei peças diferentes do que já tinha feito. Como na última exposição fiz peças pesadas, quis trazer o aço de forma mais leve. Criei molduras quadradas pintadas de branco que se repetem, mas cada peça tem um suporte, formando um grafismo diferente. Lá no terraço do museu, montamos as peças em fila como se fosse um túnel. A ideia é que essas estruturas emoldurem o vazio e que o aço quase desapareça.
 
Como você quer impactar as pessoas?
Se gerar alguma emoção, está bom. O importante é que as peças provoquem alguma reação. Que as pessoas olhem e sejam impactadas de alguma forma. Que não seja algo que as pessoas olham e continuam conversando.

O curador da exposição é Christian Larsen, que trabalha no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Como foi trabalhar com ele?
Foi sensacional. Christian é um norte-americano especialista em design brasileiro. A troca de ideias com ele foi fundamental para desenvolver as peças. Fui mostrando a direção que queria seguir e ele me conectou com trabalhos específicos de outros artistas. Para mim, foi muito enriquecedor. Tinha certeza de que a curadoria seria boa, por quem é o Christian, mas foi muito melhor do que esperava. Isso abriu várias portas na minha cabeça durante o processo de criação e já estou criando outras peças (esculturas e móveis) com identidade parecida. Está sendo muito bom continuar conversando com ele. Em breve, terei novidades, e não só com o aço.

Além do aço, com quais materiais você costuma trabalhar?
O aço tem papel central na minha vida, mas trabalho com qualquer material. Já usei madeira, estofado e estou desenvolvendo uma linha de móveis de área externa com fibras naturais. Acho interessante estar sempre fazendo algo diferente. Mais importante do que saber desenhar é ser curioso. Se você não tiver curiosidade, não vai aprender nem desenvolver coisas novas. O designer não existe para desenhar formas que já existem, a nossa pretensão é fazer coisas novas. Acredito que, para fazer o novo, temos que ser curiosos.

Como é para você expor seu trabalho em Milão? 
É uma realização, um ciclo que se fecha. Quando fui embora de lá, jamais imaginei que voltaria para expor as minhas peças, era algo muito distante. Mas já consegui fazer isso algumas vezes e foi muito bacana poder apresentar o meu trabalho nesse palco, onde está todo mundo que entende do assunto. Isso abre muitas portas. Tem que ter coragem e foi assim que consegui chegar lá. Quem sabe um dia não volto a morar em Milão? Acho que seria interessante, pensando mais nas minhas filhas, Alice e Júlia, que estão com 15 anos. Seria muito enriquecedor estar naquela cidade. Assim como eu, elas sempre gostaram de desenhar e hoje têm até uma marca de roupa, a Life of the party. Elas que criam e vendem as peças.

O que você imagina para o seu futuro?
O ideal para mim é continuar a fazer tanto escultura quanto móveis e apresentar o meu trabalho para o maior número possível de pessoas. O importante é que as pessoas vejam, não precisam nem gostar. Quero mostrar a minha verdade. 


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