Atuando há anos como gestora de pessoas nas empresas da família, Marcelle Ferreira decidiu abrir mão de tudo e realizar um sonho antigo, trabalhar com arte. Uma certeza ela tinha: queria fazer algo que tivesse um cunho social, e foi em conversa informal com o amigo Zeca Perdigão e seu braço direito, Bruna Fourreaux, que encontrou o caminho – fazer bolsas de crochê firmando parceria com a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), e, com isso, usaria mão de obra carcerária e ajudaria os detentos na sua recuperação. Assim nasceu a Oand.
O nome da grife foi inspirado na wand, varinha mágica que ajuda na transformação de algo antes para algo depois, mas isso não quer dizer que coisas se perdem nesse processo. O que é de dentro fica, a essência e a personalidade permanecem, são potencializadas e expressadas.
Marcelle se formou primeiro em psicologia e depois fez administração com foco em gestão de pessoas. Encontrou-se. Trabalhou por anos nas empresas do pai, e gostava muito do que fazia. Mas, aos 52 anos, quis algo a mais.
Sempre teve um lado artístico e criativo muito forte, desde pequena. Era encantada pela costura. Quanto tinha apenas 12 anos, desenhava seus vestidos, que eram confeccionados com exclusividade por costureiras, trabalho muito comum na época. “Tem uma passagem muito engraçada. Não sei por que, quando tinha 18 anos resolvi que ia sair de casa. Comprei uma máquina de costura, acho que era para costurar e ter meu sustento, sei lá, até hoje não entendo direito o porquê. Mas minha mãe descobriu e isso nunca aconteceu”, relembra. Ao longo da vida não passou pelo lado artístico. “Expressava a arte pela dança, sempre gostei de dançar, e fiz balé desde criança, mas a moda nunca aflorou.”
Aos 52 anos, Marcelle se viu com um enorme desejo de buscar alguma coisa mais artística já não dançava há muitos anos. Descobriu-se encantada pela decoração. “Teve uma época em que mudei muito de casa em um curto espaço de tempo. Como herdei muitos móveis da minha mãe, sempre que mudava arrumava a casa, o novo espaço de uma maneira diferente e todo mundo elogiava. O resultado era legal mesmo. Decidi fazer um curso no Inap, mas depois de quase dois anos saí e não concluí, mas gostei muito”, conta.
Na sequência, vieram vários outros cursos: pintura no curso e extensão da UFMG, curso de cerâmica, de bordado, até que fez oficina de tricô com Regina Misk. “Descobri as linhas e me apaixonei. Depois fiz um curso de bolsas, o Fio da Trama, com Rejane Montalvane, e me encantei com a produção e com as possibilidades. As bolsas ficaram lindas”.
qualidade Depois de aprender tricô e crochê, o crochê a esco- lheu. “A primeira bolsa que fiz, a professora disse que eu não daria conta. Tive que persistir.” Deu certo. No início, ficava ansiosa para ver o resultado final e deixava passar alguns pontos errados. “Eu assumia o erro.” À medida que foi melhorando, ganhando mais técnica, passou a ser mais exigente com qualidade e a exigir a perfeição. “Qualquer pequeno erro grita aos meus olhos, eu desmancho o tanto que for preciso, mas não aceito mais o erro”, afirma.
Misturar pontos e combinar linhas é o que mais atrai Marcelle. “Apaixonei-me com essa possibilidade de criar a partir dessa combinação de pontos e de materiais.” Para os acabamentos e para as alças, que são feitos em couro, a empresária desenha e geralmente se inspira nas marcas de luxo como Dior, e tem um fornecedor que executa. É exatamente essa mistura do couro com a ráfia ou com as linhas que dão o toque especial e o charme luxuoso nas bolsas da Oand.
Apacs Foram seis meses trabalhando sozinha. E foi Bruna Fourreaux quem fez a ponte com o diretor da Apac de Itaúna. Marcelle visitou o local e fechou a parceria. Ela fornece todo o material, passa para os detentos o modelo e ensina os pontos. “As Apacs têm um método único de trabalho e são de enorme valor. O tratamento com os presidiários é diferenciado. Eles são obrigados a estudar e trabalhar. Os que estão dentro do sistema fechado são voltados para a terapia ocupacional, por isso já existia o trabalho de crochê. Porém, a rotatividade é grande, porque muitos passam para o sistema semiaberto. Por isso, tem homens que são mais experientes no crochê e outros estão começando”, explica a empreendedora. “Não posso ser muito radical e sistemática. Já trabalho com duas Apacs, a de Itaúna e a de Itabirito, cada semana vou a uma delas e passo o dia com eles. Por ter essa rotatividade, sempre tem variação no tamanho da bolsa e no tipo de ponto. Alguns chegam a acrescentar alguma coisa por conta própria, me mostram e eu assumo, porque o trabalho fica muito bonito. Isso é o que torna cada peça única.” Marcelle remunera o detento por cada bolsa entregue. O próximo passo é trabalhar com a Apac feminina, situada na Gameleira. A empresária já fez a visita, mas ainda não ficou nada fechado. As bolsas da Oand já estão na Pop Up do Diamond Mall, na Fata Morgana da Savassi e na By Ana, em São Paulo.
handmade A marca preserva seus dois grandes pontos de valorização do trabalho, o handmade e o trabalho prisional. A técnica que predomina na Oand é o crochê, e Marcelle segue empenhada na pesquisa de materiais, modelagens e tudo que envolve a criação de bolsas.
“Sempre tenho um olhar para o que é tendência, sabendo que bolsa é uma peça duradoura, por isso temos que ter um cuidado maior, para trazer a tendência de forma que a bolsa tenha um toque moderno sem ficar muito datada. O desafio é achar este ponto de equilíbrio”, diz a estilista, que dá o nome das amigas a cada nova peça.
Há quatro anos, antes de abrir a Oand, Marcelle Ferreira fez uma pesquisa com cerca de 300 mulheres de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro sobre bolsas. As de crochê tiveram uma pontuação muito baixa. Só depois que as marcas internacionais de luxo passaram a fazer roupas e bolsas com esta técnica é que ela subiu no ranking. “Sabia que não seria fácil, tem momentos mais difíceis, mas acredito no produto, e estou buscando outros materiais para aumentar a escala produtiva e aumentar a viabilidade do negócio”, conclui, afirmando que hoje está totalmente dedicada à Oand.
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