Quem nunca parou para admirar o lindo jardim de uma antiga casa que abriga, há anos, o consulado libanês em Belo Horizonte? Para que o leitor consiga identificar melhor, é uma casa branca e azul-claro, situada na Rua Santa Rita Durão. A casa tem 97 anos, é tombada, e o pequeno portão de entrada fica em um pequeno, mas lindo, jardim com palmeiras, muitas orquídeas, um lago, dois pés de camélias – um branco e um rosa –, e na frente, bem rente ao passeio, um lindo canteiro de beijinhos.
É neste refúgio encantado que mora a artista plástica Emira Cadar e sua irmã Lecy, desde que nasceram. Isso mesmo, elas são filhas de Rosinha Sallum Cadar e do cônsul Antônio Cadar – aquele que deu nome à importante avenida do bairro São Bento. O casal teve sete filhos, todos nasceram nesta casa: Jorge, Adelmar, Lycio, Lecy, Emira, Emir e Leda.
A artista Emira Cadar é quem cuida caprichosamente do jardim, que é, sem dúvida, uma arte viva que a família doa para a cidade diariamente.
vernissage Amanhã, Emira abre uma exposição voltada para o público em geral, com a proposta de levar a arte acadêmica ao acesso geral, para ser vista e apreciada por pessoas que, geralmente, não visitam galerias de arte. Por isso, escolheu o restaurante Vila Árabe, na Rua Pernambuco, Savassi, para mostrar seus trabalhos. O vernissage será às 19h, mas Emira disse que ficará no local na terça-feira também, para receber as pessoas.
As telas são inéditas, trabalhos produzidos nos dois anos de reclusão impostos pela pandemia. “Normalmente, já passo grande parte do meu tempo pintando. Durante a pandemia, como não podíamos sair, fiz uma imersão na pintura. Produzi muito. Mesmo gastando em torno de 20 a 25 dias para fazer cada tela, foi muito tempo investido. Fiquei muito satisfeita com o resultado e espero que as pessoas também gostem do que será mostrado.”
A irmã Lecy conta que o olhar diferenciado da artista chama a atenção. “Sempre que saímos para passear ou mesmo dar uma breve caminhada ela sempre vê algo para pintar. Outro dia, estávamos andando por aí e vi um barraco bem destruído. Na mesma hora mostrei a ela, dizendo como era feio e estragava a região. Na mesma hora em que viu disse que era lindo e queria pintar. Ela sempre vê o belo em tudo, é uma de suas principais qualidades.”
Incentivo Desde pequena Emira sempre gostou de desenhar. Enquanto as irmãs brincavam de boneca, ela preferia ficar entre papéis e lápis de cor. Era seu maior prazer. Mas pegar nos pincéis e se aventurar nas telas foi só mais tarde, quando já era moça. Sempre admirou as artes, e foi muito incentivada pelo pai e pelos irmãos. “Uma vez, estávamos todos brincando e a Emira estava quieta na mesinha de estudo. Depois de um tempo ela trouxe a capa de um caderno em que tinha desenhado um buquê de rosas. Ela devia ter uns 5 ou 6 anos. Era de uma beleza que saí correndo e fui mostrar para nosso pai”, relembra Lecy.
Autodidata, a artista escolheu o estilo acadêmico, ou foi escolhida por ele. “A pintura para mim é um estilo de vida. Nunca me vi fazendo outra coisa. Fui atraída por ela. Comprei telas, tintas e pincéis e comecei. Fui experimentando, errando, acertando. Meu primeiro quadro foi pequeno, com dois veleiros, não sei por onde anda, porque foi há tanto tempo que se perdeu, nem me lembro de quantos anos eu tinha quando o fiz”.
Como inspiração cita os acadêmicos Edgar Walter, Raimundo Costa e Guido Vergani, que além referência para ela, foram grandes amigos. A artista gosta de pintar cenas de cidades históricas mineiras e faz questão de fazer isso in loco, nada de tirar foto e retornar para seu ateliê. Faz questão de dizer que é ao natural, vendo a pai- sagem. “Se for preciso, retorno ao local três, quatro vezes, mas não faço nada com base em uma foto- grafia. Não gosto disso, faço questão de ver, de viver essa experiência. Acredito que isso faz toda a diferença na pintura. A concentração, o clima, o movimento do entorno, tudo isso é absorvido por mim e dá vida ao quadro”, conta.
fiel escudeira “Muita gente se aproxima de mim quando estou pintando na rua. Param, ficam olhando a pintura, fazem comentários. É muito bacana, mas quando estou pintando me concentro tanto que fico absorta pelo que estou vendo, e, infelizmente, não consigo interagir com essas pessoas da maneira que eu gostaria. Mesmo assim, quero agradecer muito a todos que se aproximam, porque sinto essa energia e o apoio e elogio que fazem, isso chega até mim e reflete no meu trabalho.
Gostaria que entendessem que apesar de não dar a atenção que merecem, eu sinto tudo isso e gosto muito”, relata, dizendo que sempre conta com a companhia de sua fiel escudeira, a Dejanira, que ajuda a família há 23 anos e sempre a acompanha nas viagens. “Ela me dá apoio, tranquilidade e muitas vezes já foi minha modelo. Quando estou pintando, não posso largar o material na rua para tomar um café, fazer um lanche, e é ela quem me ajuda em tudo isso”.
Emira pinta paisagem, natureza-morta, figuras e flores. Perguntada sobre como consegue pintar pessoas que encontra na rua, responde: “Quando vejo uma pessoa que me inspira, peço a ela permissão para retratá-la, peço para ficar um pouco parada, e faço o raf dela. Depois eu termino. Este quadro (aponta para uma das inúmeras telas que adornam a sala principal da casa) é uma verdureira de Sabará. Quando vi essa senhora com este enorme balaio cheio de verduras achei lindo, não me contive. Ela aceitou. Depois eu dei um dinheiro a ela. Afinal, atrasei um pouco seu trabalho, foi uma compensação”, relembra.
Quando era moça, trabalhou por 30 anos no Banco de Crédito Real no período da tarde e passava as manhãs pintando em seu ateliê. Só no banco fez cerca de 12 expo- sições. Seus trabalhos também foram expostos na Câmara Municipal de Belo Horizonte, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na sede social do PIC.