Os 60 anos chegaram como um sopro de vitalidade. Gero Fasano vive um dos melhores momentos da vida e da carreira. Depois de passar por um transplante de fígado, o comandante do Grupo Fasano realiza o sonho de fincar a marca em Nova York e já se prepara para desembarcar em Miami. “Os últimos oito meses foram de uma intensidade quase igual a quando abri o meu primeiro restaurante e o meu primeiro hotel”, compara Gero, que relembra sua história e a do grupo no recém-lançado livro “Fasano dal 1902...”. O restaurateur esteve no Fasano Belo Horizonte para uma noite de autógrafos e, enquanto aguardava os convidados, falou com exclusividade para o Feminino&Masculino. Na entrevista, ele declara seu amor à cozinha italiana, admite sua obsessão por detalhes e conta que vai lançar uma marca de roupa masculina. Gero jura que é coincidência, mas o lançamento do livro celebra, além dos seus 60 anos e da sua saúde, outros dois marcos importantes: 40 anos de profissão e 120 anos do grupo.
Você dedica o livro ao seu pai, Fabrizio Fasano. Fale um pouco sobre a relação de vocês.
Foi uma relação muito diferente. Quando o meu avô morreu, ele não quis mais ter restaurante, vendeu. Meu pai já tinha um negócio de uísque. Quando eu quis ter um restaurante, ele foi contra, porque falou que teve um pai dono de restaurante e que era uma vida de cão, trabalhar à noite, não ter fim de semana. Mas eu queria fazer o que meu avô fazia. Logo depois, ele vendeu o negócio de bebidas e ficou trabalhando comigo o tempo todo, praticamente. Nosso negócio era só esse, então ele ficava na parte financeira e eu cuidava do rumo que a empresa iria tomar. A gente nunca recuperou o dinheiro que ele perdeu, mas tenho certeza de que ele viveu muito feliz os últimos 25, 30 anos de vida. Com muito glamour, novidades, emoção. Abre hotel em São Paulo, depois abre no Rio de Janeiro. Fico imaginando como devia ser para ele ter um filho assim como eu, tão inquieto. Foi uma relação muito intensa, estávamos todos os dias juntos, brigávamos um monte, mas ele era muito generoso, moderno, não julgava ninguém. Uma pessoa muito única nesse sentido.
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Ele nunca se sentiu injustiçado por ter perdido tudo. Nunca reclamou dos bancos, nunca disse “ah, me sacanearam”. Acordava todo dia às 9h, colocava um terno e uma gravata e ia à luta. Essa foi a maior lição que aprendi com ele, essa energia do trabalho. E eu sempre trabalhei muito. Conto no livro que, antes de fecharem o caixão, peguei na mão dele e senti que ele me deu um último conselho: “Não se lamente muito, a vida é difícil para todo mundo, vá à luta”. Essa foi a grande lição que ele me deixou. Eu era muito briguento e o meu pai não brigava com ninguém. Até com quem tinha sacaneado ele. Ele não guardava mágoa de nada. Realmente, nesse ponto, foi um ser humano único.
O que você tem a celebrar nesses 40 anos de história no Grupo Fasano?
Passei por situações difíceis de saúde recentemente e de repente as coisas começaram a dar muito certo. Sinto que, aos 60 anos, atingi um outro pico na carreira e estou muito grato. Nova York fez muito bem para mim. Um ano atrás, imagina, não sabia se ia sair da cama e os últimos oito meses foram de uma intensidade quase igual a quando abri o meu primeiro restaurante e o meu primeiro hotel. São muitos momentos marcantes na minha vida e estou passando por um deles agora. Desde que fiquei bom, achei que deveria contar a minha história. Vou fazer 40 anos de profissão. Achei que estava na hora de explicar exatamente como peguei o grupo e a guinada que dei. Os restaurantes do meu avô tinham estrogonofe, steak à Diana, coxinha. O que fez realmente a fama do Fasano foram os eventos. O meu avô casou 80% da cidade de São Paulo, fez jantar para Dwight Einsenhower, presidente dos Estados Unidos. Além disso, os convidados que iam cantar na TV Record faziam uma noite de gala no Fasano. Então, recebemos Marlene Dietrich, Nat King Cole, Sammy Davis Jr e isso deu muito glamour à marca.
Por que você sempre sonhou em ter um Fasano em Nova York?
Quis durante muito tempo, mas depois, honestamente, desencantei. Era sempre complicado. De repente, apareceu uma oportunidade demasiadamente bacana e generosa. Juro, acho que é coisa do destino. Reformamos o restaurante inteiro, mas ele já tinha toda a estrutura, desde os privés aos banheiros e três cozinhas enormes. Se tivesse que fazer do zero, seria totalmente impossível. E o lugar é incrivelmente sedutor. Não imaginava que fosse virar em tão pouco tempo, mas todos os chefs estão indo lá e as matérias são de uma generosidade ímpar. Tive vontade de fazer o livro também para me apresentar e apresentar o grupo em Nova York. Um resumo, em poucas páginas, dessa história de 120 anos.
O que essa conquista representa para você?
É um marco. Tenho alguns marcos na minha vida, como o meu primeiro restaurante. Depois, quando descobri e entendi a cozinha que queria servir, a cozinha que amava, resolvi abrir um restaurante puramente milanês. O restaurante da Rua Haddock Lobo (em São Paulo) foi outro marco, fez fama no mundo inteiro. A abertura do primeiro hotel também foi um grande passo. A família Guzzoni, dona do Restaurante Ca’d’Oro, que virou um hotel, sempre foi o meu espelho. Sempre tive na minha cabeça: “Se eles saíram de um restaurante e viraram um hotel, por que não posso tentar fazer o mesmo?”. E agora, Nova York é um novo marco, muito forte e sólido. O hotel foi eleito um dos oito melhores pela revista Vogue. Como te falei, os últimos oito meses da minha vida foram muito bacanas, não só por ter ficado bom. É inacreditável estar vivendo isso tudo.
No início da sua carreira, você não sabia nada de cozinha. Como se aproximou desse universo e como enxergou que era esse o seu caminho?
Quando abri o primeiro restaurante, me enveredei por um modismo. Fui convencido a fazer um restaurante de nouvelle cuisine francesa, que na época era moda, contratamos um discípulo de Paul Bocuse e foi um desastre. Acho que daí peguei uma certa aversão a modismos. O mais bacana em Nova York foi ter ido com uma proposta de cozinha não autoral, uma cozinha clássica italiana, feita como na Itália, sem os excessos de alho, sem concessão. Não é uma cozinha ítalo-americana, é uma cozinha italiana. Assim como em São Paulo, a cozinha italiana sofreu muitas adaptações em Nova York, foi muito adaptada ao gosto norte-americano. Uma vez, um crítico milanês chamado Luigi Veronelli, que escrevia para o Corriere della Sera, em Milão, disse que comeu a melhor milanesa da vida em São Paulo, no Restaurante Fasano, a 10 mil quilômetros de Milão. Isto é o que mais gosto de ouvir: comi aqui como comi na Itália. Um senhor que começou a ir ao restaurante todo dia nos deixou um bilhete: “obrigado por deixar meus dias em Nova York mais italianos”. Fui conversar com ele, e ele falou: “Não aguento mais essa cozinha cheia de alho”. Acho que foi muito vencedora essa nossa postura. A comida é italiana, o chef é italiano, o gerente é italiano. Quando me enveredei por esse lado italiano, apesar de ter nascido aqui, fiquei obcecado por entender tudo da cozinha italiana. Morei desde o Sul até o Norte, passava dois meses em Nápoles, dois meses em Roma, dois meses em Milão, dois meses em Veneza. Fiquei obcecado pela Itália, queria ouvir até os dialetos. Fui conhecer onde o meu avô morou, onde a minha avó nasceu, onde o meu pai nasceu. Fiquei obcecado por reencontrar esse passado.
O que você mais gosta de comer?
Costumo brincar que comida é italiana, vinho é francês e carro é alemão. Essas três coisas costumam dar muito certo na minha vida. Meu prato preferido é o fegato alla veneziana, por incrível que pareça. Fígado parece que ronda a minha vida. Não sou dado a arriscar muito em gastronomia, não sou tão curioso assim. Tenho muita curiosidade de conhecer a comida italiana a fundo. Experimentei de tudo na vida até que um dia eu falei: “Chega, não quero mais conhecer restaurante três-estrelas ‘Michelin’, cansei dessa cozinha autoral, quero comer na casa das pessoas”. Na Itália é muito isso. É até meio chato quando você pergunta para um italiano onde comer a melhor milanesa em Milão. Eles sempre respondem: “Na casa da minha avó”. Então, fala para a tua avó abrir um restaurante, pelo amor de Deus. Em Nápoles também: “Onde como o melhor espaguete ao vôngole?”. “Ah, na minha casa”. O francês é o melhor do mundo para fazer restaurante, mas acho que a gastronomia italiana é disparada a mais rica do mundo. No Sul, você nunca vai comer um risoto, nem manteiga eles usam. Acho que é isso que me fascina na culinária italiana, ela é muito rica e variada. Agora, uma coisa que comia todos os domingos na minha casa era risoto de açafrão com ossobuco ou milanesa. Os risotos sempre foram uma paixão para mim.
Você cozinha?
Ah, eu cozinho, mas nada demais. Antigamente, eu até tinha uma cozinha em casa, mas descobri que, nos meus fins de semana, nas minhas horas de lazer, gosto de não fazer absolutamente nada. No fundo, receber as pessoas para cozinhar e abrir um vinho é o que faço quase todos os dias da minha vida. Então, depois de tanto tempo trabalhando à noite, comecei a perceber que no sábado e no domingo durante o dia não quero fazer nada. É muito bom poder ir ao jogo com o meu filho, curtir a minha filha. Sou muito simples, não tenho muita complicação.
Como um dos restaurateurs mais respeitados do Brasil, você acredita que essa profissão vai existir por muito tempo? Quais habilidades considera essenciais para esse trabalho?
Costumo brincar que a minha profissão está em extinção. Sou do time dos dinossauros. Todo mundo tem que ser chef hoje em dia e tem que inventar a roda. E eu acho muito chata essa obrigação que os chefs estão se colocando de ser criativo o tempo todo, ser genial. Gênios são sempre poucos. Teve uma fase em que as pessoas queriam restaurantes muito simples, mas acho que agora querem de novo ser bem tratadas, entendem que o serviço também é muito importante, que o visual é fundamental. O conforto, a luz, a atmosfera são tão importantes quanto a cozinha. Cozinha é o básico, tem que ser excelente, mas o resto é muito importante também, e esse é o papel do restaurateur, é ajudar a pessoa a ficar mais feliz naquele momento. Não é aquele restaurante autoral que você vai para aplaudir o chef. Ficaria morrendo de vergonha se isso acontecesse comigo. Vejo esse ramo ainda como era no passado, trabalhamos para servir ao outro. Óbvio que não fico fazendo muita concessão, porque, se você ouve muito o cliente, fica louco e acaba andando em círculos. Críticas pontuais são super bem-vindas; agora, críticas filosóficas, pelo amor de Deus, vão entrar aqui e sair ali (apontando para os ouvidos). Isso eu acho uma certa arrogância; afinal, eu pensei para fazer assim, não quero discutir. Restaurante é igual futebol, todo mundo é técnico, todo mundo fala para tirar o fulano e colocar o beltrano. As pessoas têm a tendência a dar palpite, mas você tem que ter uma postura muito firme e vender uma verdade. Não conseguiria vender pratos que não gosto de comer.
O Fasano é uma marca referência em serviço de excelência. Para você, o que foi mais determinante para chegar a esse lugar?
A obsessão por detalhe. Sou muito detalhista. Fico muito mais bravo de ver um garçom andando relaxado na minha casa do que vê-lo tropeçar e cair com uma bandeja com 10 pratos. Isso acontece, é um acidente. Agora a postura relaxada me irrita. Nesse ponto sou bem general.
Como você divide a sua rotina para conseguir rodar todos os restaurantes e hotéis e garantir a qualidade do serviço?
Acompanho muito São Paulo e Rio de Janeiro, porque é para onde vou direto. O chef Luca Gozzani fica girando os restaurantes e delego mais em alguns hotéis, senão fico louco.
Como foi passar pela pandemia?
Foi horrível. Muito esquisito. Espero que não tenha nunca mais outra pandemia.
Você passou por alguns momentos difíceis na vida, como descobrir que o pai estava à beira da falência e o fechamento do seu primeiro restaurante. Como esses episódios ajudaram na sua caminhada até aqui?
Acho que não existe empresa que não tenha tido momentos difíceis. Quantas vezes o gol sai aos 48 minutos do segundo tempo? O que importa é perseverar. Se cair para a segunda divisão, você volta para a primeira de novo.
Como você enxerga o mercado de Belo Horizonte? Existe espaço para outros empreendimentos do grupo?
Estamos muito contentes com os resultados do hotel e do restaurante em BH. Confesso que demorou uns dois anos para nos solidificarmos. De dois anos para cá, mesmo durante a pandemia, o hotel performou bem. Neste ano, está performando excepcionalmente bem. Sinto que ele já virou parte do cotidiano das pessoas de BH. Acho esse hotel demasiadamente agradável, o lobby, o Gero é uma simpatia, tem o Baretto. É um lugar onde realmente me sinto muito bem.
Pelo que você conta no livro, há planos de chegar em breve a Miami. Por que miraram nos Estados Unidos e em que outros países querem estar?
Por enquanto, é esse o plano que temos. Miami é um destino repleto de brasileiros e é onde o Fasano tem tudo para vencer. Mas, se surgisse alguma oportunidade em Londres, por exemplo, jamais diria não. Estar em Nova York abriu muito os nossos horizontes, é realmente um lugar muito internacional. Estão começando a aparecer propostas de lugares inusitados. Adoraria estar na Itália, mas acho bem mais difícil.
O que você ainda não fez na vida e tem vontade de fazer?
Vou fazer agora uma marca de roupa chamada Gero Fasano, que tem o seguinte slogan: moda para homem que odeia moda. Não me conformo com essa roupa justa que os homens usam hoje. Fico vendo os caras na TV e falo: “Esse cara não vai conseguir se sentar, vai estourar a calça”. Ninguém mais usa roupa um pouco larga, confortável, é tudo agarrado, parece que tem elástico. Acho horrível.
Qual é o legado que você quer deixar para a hotelaria e para a gastronomia?
Acho que trabalho. Falam em talento, mas tudo é trabalho. Quantos gênios da bola existem, mas, se o cara não treina e não se dedica, é um talento desperdiçado. O mais difícil é foco, isso é o mais difícil. Mas não quero deixar muito exemplo, até porque tive muito mau exemplo.
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