Jornal Estado de Minas
Semana de Moda

SPFW divide espaços e opiniões

Marta De Divitiis

A edição 53 da SPFW – São Paulo Fashion Week, realizada entre 31 de maio e 4 de junho, findou com a sensação de estranhamento. Abandonando o já tradicional Pavilhão do Ibirapuera, os desfiles presenciais ocorreram em dois espaços: no câmpus do Senac Lapa Faustolo, na Lapa (Zona Oeste da capital paulista) e no Komplexo Tempo, na Moca (Zona Sudeste). Embora a organização tenha dado algumas horas entre os desfiles, o trânsito da capital paulista dificultou o acesso entre ambos os locais, dividindo visitantes (muitos escolheram apenas um local para assistir às apresentações, optando por ver as demais via internet). O teatro da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e o Hotel Rosewood foram outros espaços ocupados pelo evento.

Nesta temporada, quem estava nos espaços físicos teve dificuldade em assistir aos desfiles digitais, tendo que se valer do canal do YouTube do evento, em outro momento. Apesar de ter sido divulgado que era necessário apresentar carteira de vacinação e a recomendação do uso de máscara para evitar contágio pela Covid-19, ninguém foi abordado na entrada dos dois locais e pelos corredores e salas de desfile muitos ficaram sem máscara de proteção, como se a pandemia não mais existisse. Mas é necessário dizer que os estilistas e a coordenação do evento usaram máscaras o tempo todo, dando o exemplo de civilidade necessário.

Santa Resistência - Foto: Fotos: Marcelo Soubhia/@agfotosite
Modelos reforçam a diversidade

Tanto na passarela como nos desfiles digitais, o que se viu foi, pela primeira vez, um casting realmente diverso, sendo que em muitas apresentações, como João Pimenta e Meninos Rei, todos os modelos eram negros. A Ponto Firme foi outro desfile que levou modelos reais para a passarela. Walerio Araújo e Isaac Silva trouxeram modelos LGBTQIA+, sendo que Isaac homenageou Panterona do Brasil, drag queen ícone da noite paulistana.
Walério fez parceria com a Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas (Abraf) e a Janssen criando uma coleção inspirada nas borboletas azuis que representam a natureza rara tanto da espécie quanto da doença. Os modelos que desfilaram essa linha são pacientes que lidam com a hipertensão pulmonar. O objetivo é divulgar a campanha A Vida Merece um Fôlego, que visa ampliar e fortalecer informações sobre a hipertensão arterial pulmonar (HAP). Ponto para ele!

Isaac Silva - Foto:
Conforto requintado

A amplitude de formas, que vem sendo vista desde as últimas temporadas, se firmou de vez, levando inclusive o streetwear para as roupas de festa, como se viu no desfile À La Garçonne. Outra marca que mesclou ambos, num exercício requintado, foi a Neriage. A Apartamento 03, do mineiro Luiz Cláudio, apresentou vestidos em camadas de tecido plissado, além de um paletó com recorte vazado na cintura, arrematado por rolotê. A Thear foi outra que apostou no tipo de modelagem em que o conforto predomina, assim como a Misci.
João Pimenta levou à passarela paletós godê, saias amplas, em várias sobreposições de renda. Os looks finais traziam paletós e sobretudos adornados por correntes prateadas.

Crochê e rendas em foco

O handmade está em alta, oferecendo ares de exclusividade às peças. O crochê foi a base da coleção do Ponto Firme, que agora, além dos egressos do sistema prisional, contou também com a participação de refugiados e mulheres, além do Crochê de Vilão (composto por meninos da periferia de SP que fazem bonés de crochê, técnica que dominam com maestria) e pessoas trans. Na passarela, jacquard em crochê que já apareceu na edição anterior, permanece em peças diversas. Os materiais utilizados foram linha de seda, linha de algodão, linha obtida de denim, plástico e metalizados.

A técnica predominou também no Ateliê Mão de Mãe, em sofisticadas peças com jacquard formando listras e ondas. Pontos mais elaborados surgiram em calças e camisetas, shorts e tops com saias ou calças, sendo que alguns vestidos levavam o top em crochê, combinados com tecido plano.

Em algumas coleções como na Led, o crochê foi usado em detalhes, assim como na Thear, que apareceu em blusas e em Ronaldo Silvestre, que mostrou inclusive bolsas desenvolvidas com a técnica.

A renda esteve presente na coleção de João Pimenta, toda em preto e, em algumas peças, rebordadas. Martha Medeiros, estreante no evento, optou por contar a história da marca usando peças antigas em vez de mostrar uma nova coleção, sempre em renda, sua matéria-prima base. Destaque para o patchwork em resíduos de renda.
Decepcionou muitos e encantou outros.

Brilho e sofisticação

À La Garçonne, que trabalhou peças em tecidos nobres que tinha em estoque, mostrou uma bela coleção. Na passarela, vestidos chemisier, costumes femininos e masculinos, os primeiros com paletó mais curto e calças amplas. Vestido tomara que caia com fenda diagonal e vestidos longos com maxidecote complementaram a coleção, num luxo minimalista e modelagem certeira, característicos do trabalho de Alexandre Herchcovitch.

Lino Villaventura faz da sofisticação base para luxuosos vestidos com trabalho de nervuras, recortes, bordados e apliques manuais. Peças extremamente trabalhadas (alguns vestidos demoraram três meses para ficar prontos, tal a riqueza de detalhes) encantaram o público. Uma das novidades foi a estampa de chamas de fogo que abriram o desfile.

Glória Coelho apostou de forma assertiva numa coleção com peças com pétalas aplicadas, assim como recortes vazados, característica de seu trabalho, mas sempre visto, a cada estação, renovados.

Entre acertos e erros, a SPFW permanece, buscando trazer um panorama real da moda brasileira. Esta edição, um tanto atípica, dividiu opiniões e corações. Vamos aguardar, ansiosos, a próxima edição.
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